Yasmin Botelho/Mídia Ninja
Mais de 10 mil estudantes e entusiastas acompanharam o discurso do ex-presidente uruguaio na Concha Acústica da UERJ
A onda direitista que prega impeachments, golpes e “intervenção militar” na América Latina não é nada mais que uma repetição de “um filme já visto” na história da região, disse o senador e ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica na noite desta quinta-feira (27/08) no Rio de Janeiro. [leia aqui a íntegra da transcrição da fala de Mujica]
“Golpe de Estado? Por favor… Aventuras com fardas de milicos? Por favor… Já vimos esse filme na América Latina”, ironizou o estadista e ex-guerrilheiro, que passou 14 anos na prisão durante regimes militar e civil no Uruguai.
Mujica esteve na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), ao lado do estádio do Maracanã, para uma palestra a céu aberto que lotou o anfiteatro do campus, com capacidade para 2 mil pessoas, e ainda deixou milhares de estudantes, professores e militantes de movimentos sociais em pé ao redor.
Segundo os organizadores, a iniciativa de falar para os estudantes partiu do próprio ex-presidente. Foi recebido com aplausos e ovações entusiasmadas, entre gritos de “Não à redução!”, “Fora, Cunha!” e “Não vai ter golpe!”.
Em tom diplomático, Mujica recusou-se a comentar a política brasileira, mas mandou um recado claro para parte da esquerda que opta por posições sectárias.
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Mujica foi aplaudido na Concha Acústica da UERJ, onde palestrou na noite de quinta-feira (27/08)
“Para que exista mudança são necessários gigantescos seres coletivos. É preciso superar o individualismo e criar consciências coletivas, se quiserem ter força de incidir na sociedade. Podem chamar pelo nome clássico de luta de classes, mas há muitos, não importa. Mas nunca separados. Isso significa ter bem claro qual é o adversário principal e quais são as diferenças pequenas, e não transformá-las na causa principal, porque isso é atomizar-nos, e atomizados somos fracos.”
Entretanto, ponderou que alguns governos da “Guinada à Esquerda” — da qual ele fez parte — decepcionaram os eleitores, e isso permitiu uma nova ascensão de forças de direita, que é preocupante, mas também inspira uma autocrítica.
Claro que há uma onda direitista, e claro que a direita vai tentar voltar ao poder, mas não é só por mérito dela, e sim pelo que nós permitirmos. Saibam de uma coisa: a confiança no continente está afetada. Se a sua vida se desliza para viver com as formas e valores da minoria privilegiada, a longo prazo você acabará pensando como a minoria privilegiada. Não se pode lutar pela justiça, pela igualdade, por acabar com a pobreza, e olhar de cima para baixo a pobreza dos demais. É preciso aprender a conviver com a sociedade assim como ela é. Isso significa servir e viver, de corpo e alma, de acordo com os valores da maioria e, quando a maioria melhorar, você também vai melhorar. Mas não antes.
O ex-tupamaro também defendeu a integração latino-americana, afirmando que o futuro está “embaixo” no mapa, e criticou a política externa de governos brasileiros anteriores que esperava que o Brasil fosse “uma potência solitária”.
“Sinto muito, vocês chegaram tarde demais. As outras potências já estavam lá há muito tempo e não queriam mais ninguém no clube”, ironizou.
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A palestra atraiu militantes que defendem a descriminalização da maconha, tema atualmente em pauta no congresso brasileiro e no qual o Uruguai foi pioneiro no continente, ao regulamentar a substância em 2012, por iniciativa do então presidente. Sobre isso, Mujica defendeu que os malefícios do tráfico são muito menores que os da planta, e que só a regulamentação por parte do Estado poderia retirar o financiamento do crime organizado e ao mesmo tempo identificar os usuários que precisam de tratamento para o abuso.
Mujica esteve no Rio de Janeiro a convite da UERJ, por meio do programa de pós-graduação em Relações Internacionais, e da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria da América do Sul. Na manhã de quinta, recebeu o prêmio de Personalidade Sul-Americana do Ano. A partir das 18h30, discursou na concha acústica e respondeu perguntas da plateia.
Uma delas fez menção à questão de gênero e perguntou a opinião do estadista uruguaio sobre otema. Elogiando muito a luta das mulheres, disse que elas não precisam ganhar nada “de presente” dos homens, mas sim conquistas de direitos por si próprias e espaços de luta para demonstrar a capacidade que têm.
“Não digo isso por galanteio. Sou absolutamente consciente. Não acredito em igualdade de gêneros, mas em igualdade de direitos”, respondeu.
Pepe Mujica discursou até 20h30, quando pediu desculpas por estar cansado e encerrou a fala chamando à unidade.
Por favor, aos 80 anos, não venho buscar aplausos. Venho acender a chama da militância pelas causas nobres. Não há homem insubstituível: há causas insubstituíveis. Precisamos de ferramentas coletivas para tentar modificar a realidade. Os homens sozinhos, isolados, por mais geniais que sejam, não são mais que franco-atiradores, que nunca ganharão as batalhas. Quem ganha são as massas.
Abaixo, assista à íntegra da palestra de Mujica na quinta-feira (27/08) na Concha Acústica da UERJ: