Todos os dias, pelo menos três mil refugiados passam pela fronteira entre a Grécia e a Macedônia, uma das rotas usadas pelas pessoas que fogem dos conflitos no Oriente Médio e na África em direção à Europa. A ACNUR, agência da ONU para os refugiados, estima que, somente na Síria, aproximadamente 11 milhões de pessoas sejam refugiados internos ou tenham ido para os países vizinhos ou para o continente europeu.
“Eu era professor em Deir ez-Zor (Síria), mas tive que fugir com meu irmão porque a cidade começou a ser destruída pelo Estado Islâmico”, relata Ahmed, de 22 anos, em um inglês perfeito.
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Deir ez-Zor, no leste da Síria, está controlada pelo Estado Islâmico desde julho de 2014, depois de três meses de intensos combates.
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Todos os dias, pelo menos três mil refugiados passam pela fronteira entre a Grécia e a Macedônia
Ahmed não esconde sua frustração com o resultado da chamada Revolução Árabe. “Apesar de todos os problemas do governo (Bashar al-) Assad, vivíamos uma estabilidade. Agora, o país já não existe. É triste pensar que era menos pior antes. Mas era”.
O jovem deixou os pais na cidade por causa dos altos valores para empreender a travessia até a Europa, mas pretende juntar dinheiro para tirar a família da Síria.
“É caro. A gente gasta quase 3 mil dólares somente com os traficantes de pessoas. Nunca pensei que eu estaria nesta situação. É estranho me ver como um refugiado. Você está na sua casa, na sua cidade, trabalhando, tendo uma vida normal. De repente, começa uma guerra, não longe de onde você mora. A guerra avança, chega ao seu bairro… e você tem que fugir”.
Ahmed tem medo de ficar com o estigma de refugiado e insiste que eles não são “pobres coitados”, mas que precisam de ajuda.
“As pessoas nos veem como coitadinhos. A primeira vez que os voluntários me deram comida e água, eu quis chorar. Quis chorar por estar agradecido, mas também quis chorar por imaginar como a minha vida tinha mudado em tão pouco tempo”.
Até então, Ahmed diz que só tinha visto imagens de refugiados pela televisão. Agora, é ele um refugiado.
“Somos todos pessoas normais, muitos com bons trabalhos. Na verdade, tínhamos bons trabalhos”, corrige. “Agora, não temos nada. A minha vida é esta mochila”.
O jovem sírio espera que os europeus tenham “compaixão” e se lembrem de sua própria história.
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Ahmed tem 22 anos e vem de Deir ez-Zor, na Síria: 'tive que fugir porque a cidade começou a ser destruída pelo Estado Islâmico'
“Europeus já foram refugiados. Agora somos nós, do Oriente Médio e da África”.
Estima-se que pelo menos 25 milhões de europeus tenham cruzado o Atlântico entre 1880 e 1930 para se estabelecer no continente americano.
“Contrabandistas cobram até pelo colete salva-vidas”
Ali tem 34 anos, nasceu na cidade de Mosul, no Iraque, e sempre trabalhou na loja da família. Sua vida, segundo ele, “nunca teve muitas emoções”. Em junho de 2014, o Estado Islâmico ocupou a cidade.
“Minha vida deixou de ser calma e previsível e passou a ser um pesadelo. Tive que sair da minha cidade com minha esposa. Queremos somente ter uma vida normal. Quero que meus filhos estudem. Não é justo. Por que uns têm estas oportunidades e outros não? Somente pela sorte de ter nascido neste ou naquele país?”
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Ali tem 34 anos e vem de Mosul, no Iraque: 'Minha vida deixou de ser calma e previsível e passou a ser um pesadelo'
Segundo Ali, a travessia de barco (da Turquia pra Grécia) foi o momento mais difícil de toda a viagem, quando ele achou que fosse morrer.
“No barco, eles colocam três ou quatro pessoas mais do que a capacidade. Mas a gente não tem escolha. Eles cobram por água, por cigarros, cobram até por coletes salva-vidas. Tudo vira um negócio. Foi um turco que me abordou em Bodrum (cidade costeira da Turquia, de onde partem muitos barcos com refugiados rumo à Grécia), mas eu sei que também há sírios ganhando dinheiro com o sofrimento de outros sírios”.
Cada pessoa paga em média 1,2 mil dólares pela travessia da Turquia para a Grécia. Crianças menores de 10 anos não pagam.
Alemanha: esperança
No fim de agosto, a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciou que o país concederia asilo a 800 mil refugiados em 2015. A Alemanha virou o objetivo da maioria das pessoas que fazem o périplo até a Europa.
“Durante toda esta travessia, eu só sei que eu tenho que tirar forças de algum lugar para chegar à Alemanha”, contou Amir, contador de Aleppo (Síria), 29 anos. “Eu entendo que eu não posso me cansar nem desistir. Chegar à Alemanha é minha única saída. Agora falta pouco, falta muito pouco”.
Amir levou oito dias para ir da Turquia à fronteira da Macedônia com a Sérvia. “O pior já passou, que foi o barco pra chegar à Grécia. Mas eu sei que a Hungria está criando problemas pra gente. Aqui na Macedônia e na Sérvia, os policiais estão até ajudando. Eles sabem que queremos ir pro norte da Europa. Para que dificultar isso? Quem chegou até aqui não vai desistir agora. Quem chegou até aqui está muito determinado a salvar suas vidas”.
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Amir tem 29 anos e vem de Aleppo, Síria: 'Quem chegou até aqui está muito determinado para salvar suas vidas'
O parlamento húngaro aprovou na semana passada uma lei que classifica como crime a danificação da cerca de arame farpada que o país construiu na sua fronteira. A travessia ilegal pelas fronteiras do país também passa a ser considerada crime. A nova lei entra em vigor no dia 15 de setembro e a punição prevista é de até três anos de prisão.
“Nunca pensei em sair da Síria. E quero voltar. Mas como?”, questiona Amir. “Agora, parece um sonho distante. Mas se os países da Europa não gastassem tanto dinheiro vendendo armas que alimentam a guerra, não haveria nem esta guerra nem outra”.
Segundo relatório publicado pelo Parlamento alemão, o país dobrou o faturamento com a venda de armamentos de guerra em 2014, atingindo o valor de 1,8 bilhão de euros, contra os 957 milhões de euros do ano anterior.
“Tem muita gente se aproveitando da situação. Tem gente ganhando dinheiro, como os traficantes de pessoas, os taxistas e também gente que não é refugiada de guerra, mas está tentando chegar à Europa. Mas as pessoas precisam entender que o erro de uns não invalida o sofrimento da maioria”.