Desde que foi anunciado em julho de 2014, o banco composto por Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul caminha a passos largos. Com o nome de Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o chamado Banco dos Brics começou em 21 de julho a delinear suas políticas financeiras e sua estrutura mais enxuta, a fim de dinamizar a concessão de crédito para projetos de infraestrutura de grande magnitude. Mas, além do capital inicial de 50 bilhões de dólares, o que explica o rápido funcionamento da nova instituição financeira, se comparado a outros projetos de cunho regional, como o Banco do Sul?
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Objetivo central da cúpula foi aprofundar o diálogo entre países que compõem os Brics e avançar na cooperação financeira
Para Ernesché Rodríguez, ex-membro da direção de estudos econômicos e financeiros do Banco Central de Cuba e um dos idealizadores do Banco da Alba, o principal fator por trás da rápida criação e funcionamento do novo banco deve-se, fundamentalmente, à China. “O gigante asiático é um dos países com maiores reservas internacionais no mundo, e sua grande capacidade financeira possibilita o andamento rápido da instituição”, diz Rodríguez, ao lembrar que o PIB da China (10 trilhões de dólares) é maior que o dos demais países do BRICS somados.
Pesa também o fato de o banco ter sido beneficiado pelo label da marca Brics, observa o brasileiro Luiz Pinto, visting scholar da Universidade de Columbia. Segundo ele, a nomenclatura dada por atores privados do mercado de capitais acabou ganhando peso político junto a outras iniciativas financeiras patrocinadas pela China, como o Asia Infraestructure Investment Bank (AIIB) aberto à participação de outros países, como Inglaterra e Brasil.
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Ernesché Rodríguez, um dos idealizadores do Banco da Alba, comenta o novo banco dos emergentes
“Obviamente há motivos geopolíticos, como a China buscando expandir sua presença, mas também há razões econômicas para a criação do NBD, como o fato de esses países terem muita reserva e rentabilidade quase mínima dada à atual conjuntura econômica internacional”, observa o pesquisador especialista em Brics. “Então faz sentido mobilizar capital para projetos de infraestrutura, que possuem maior rentabilidade”.
Com sede em Xangai, o novo banco tem um fundo batizado de Arranjo de Contingente de Reservas de 100 bilhões de dólares, sendo 41 bilhões provenientes da China, três partes de 18 bilhões do Brasil, Rússia e Índia, e 5 bilhões da África do Sul. Seu primeiro presidente é o indiano KV Kamath, antigo executivo do ICICI (maior banco privado da Índia), seguido posteriormente de um representante brasileiro, um sul-africano, um russo e um chinês.
Apesar de hoje o banco ser composto por seus sócios fundadores, prevê-se a entrada de novos membros, mantendo sempre a porcentagem de 55% nas mãos do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, a fim de garantir a maior fatia a eles. Haverá, ainda, um teto para a entrada de países desenvolvidos, que não costumam tomar empréstimos.
A ideia é que o banco mantenha o seu princípio de funcionar como credor para os mesmos que tenham investido nele, ou seja: nações em desenvolvimento. Com a promessa de se basear nos padrões da Rio+20 e o slogan “Um Novo Banco para um Novo Desenvolvimento”(que pressupõe condicionantes ambientais, sociais e trabalhistas), o banco deve começar a fazer seus primeiros empréstimos no segundo semestre de 2016.
Mas por que criar um novo banco em vez de apostar na capitalização de outros já existentes? Hoje, segundo Pinto, existe um trancamento da estrutura de governança das instituições tradicionais, principalmente o Banco Mundial e o FMI, onde não há possibilidade de os países que se desenvolveram no decênio passado aumentarem sua participação, levando-os à criação de novos bancos onde tenham mais voz.
“A ideia é evitar excessos de ingerência nas políticas públicas, como muitos analistas apontaram no fim das décadas de 1980 e 1990 em relação ao Banco Mundial com projetos de reforma estrutural”, observa Pinto, ao ressaltar a preocupação com excesso de burocracia e morosidade das operações, além do foco em infraestrutura, setor que corresponde a 38% dos desembolsos totais do BID (Banco Inter-Americano de Desenvolvimento) e a 56% dos do Banco Mundial.
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América Latina
Se na própria região latino-americana já eram debatidos novos organismos financeiros que dessem protagonismo a atores em desenvolvimento, o que levou o Brasil a centrar forças no NBD? Para Oscar Ugarteche, economista peruano do Instituto de Pesquisas Econômicas das Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), o Banco dos Brics reflete uma opção política clara do Brasil, que mostrou profundo desinteresse pelo Banco do Sul. “O Banco do Sul não existe e não vai existir. O Brasil o enterrou porque concorria com o seu BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)”, afirma ao lembrar que o novo banco funciona como porta de entrada para a promoção de ações do BNDES em outras partes do mundo. “O problema é que para o Brasil a América do Sul fica longe em termos de política externa. Interessa quando convém e não significa nada em termos de integração. A resposta à ideia do Banco do Sul foi fortalecer o CAF (banco de desenvolvimento da América Latina fundado em 1970 e formado por 17 países da região, Espanha, Portugal e 14 bancos privados)”.
Planejado desde 2005, o Banco do Sul é parte do projeto financeiro regional da Venezuela para a América do Sul, dentro da construção de uma Nova Arquitetura Financeira Regional (NARF), cuja ideia seria diminuir a dependência dos países sul-americanos ao dólar, facilitar a obtenção de divisas para o comércio, e financiar o desenvolvimento econômico da região, buscando autonomia em relação a financiadores tradicionais, como o BID e o Banco Mundial. Com o total de 10 bilhões de dólares de capital subscrito, o banco mostrava-se para o Brasil como parte de um dilema, no qual teria de optar pelo investimento unilateral do BNDES como um dos principais financiadores dos megaprojetos regionais de empresas brasileiras na região ou construir multilateralmente um banco regional de desenvolvimento econômico e social, encarnado no Banco do Sul. Optou-se por emperrar o projeto regional no Congresso brasileiro.
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Oscar Ugarteche, economista peruano do Instituto de
Pesquisas Econômicas das Universidade Nacional Autônoma do México
Enquanto alguns enxergam oposição entre o Banco do Sul e o Banco dos Brics, há quem aponte para uma dinâmica de fortalecimento mútuo entre projetos nacionais ou regionais e o NBD. “O Banco do Sul poderia colaborar e fortalecer todas as funções do BNDES”, avalia Rodríguez. “Além disso, o Banco do Brics serviria como importante retaguarda para o Banco do Sul e o Banco da Alba, que, apesar das diferenças, mantêm pontos comuns em relação à independência de instituições atreladas a países desenvolvidos”.
Considerado um meio de repasse de recursos da Venezuela para outros países da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, o Banco da Alba nasceu em 2008 com o objetivo de financiar projetos de cunho social, econômico e, em menor medida, no setor de infraestrutura. Apesar de se tratar de um projeto bem menos ambicioso que o Banco do Sul, a instituição foi capaz de realizar operações comerciais dentro do bloco através do chamado Sucre (Sistema Unitário de Compensação Regional de Pagamentos), que se fundamenta em uma moeda virtual denominada “sucre”, utilizada pelos bancos centrais dos países membros para operações comerciais.
“Estávamos falando de novos paradigmas e mudanças de centro de poder. A ideia era os países pequenos tendo mais posições e tomando mais iniciativas, deixando os grandes sem os remédios habituais para jogar com os pequenos”, lembra Ugarteche. “Mas me equivoquei. O Banco dos Brics mostrou que os gigantes fizeram uma divisão do mundo em termos de mercado e que não há espaço para os pequenos em uma reforma financeira”, argumenta.