Atualizada em 25/10/2015, às 13h12
Fundos abutres, calote, dívida pública, inflação e preço do dólar. Apesar de não ser o mais popular dos temas, a economia faz parte inevitavelmente das conversas dos argentinos formal e informalmente. A crise internacional, a situação brasileira e a possibilidade de a Argentina entrar em recessão, neste e no próximo ano, contribuíram para que o debate econômico tenha sido colocado no centro da disputa entre os presidenciáveis.
Apesar das incertezas sobre a possibilidade de haver ou não um vencedor já neste domingo (25/10) e de quem irá disputar um eventual segundo turno, o economista argentino Julio Gambina, professor de economia política da Universidade de Rosário, avalia que, independentemente da coloração política que têm, todos eles irão adotar uma política de ajuste fiscal, a exemplo do que acontece no Brasil. A diferença, segundo ele, estará na intensidade dessa medida – “aos poucos, ou de choque”, explica.
Para o especialista, “não há grandes mudanças [nas propostas defendidas pelos candidatos] e a equipe econômica deles não é muito diferente das que assessoravam os governos neoliberais dos anos 1990”.
[Gambina: Ajuste fiscal pode gerar amplo protesto no país]
Os candidatos com chance de vitória (Daniel Scioli, Mauricio Macri e Sergio Massa) têm em comum o fato de não questionarem os problemas estruturais do país, como “a subordinação à dominação do mercado externo e a dependência do endividamento público”. “Todos buscam a reinserção do país no mercado financeiro global. Há uma lógica pró-mercado na constituição dos assessores desses candidatos”, observa.
Questionado se a Argentina corre o risco de voltar às políticas neoliberais dos anos 1990, Gambina ironiza: “A discussão é se alguma vez a Argentina saiu da política neoliberal”. Leia trechos da entrevista:
Situação econômica atual
“Depende de quais são os parâmetros para considerar se a economia está mal ou bem. Este ano, as perspectivas são de crescimento 0 ou 1%, com o agravante de que nos últimos dois anos houve queda na produção industrial, setor responsável pela melhora da economia entre 2002 e 2007, que permitiu ampliar o emprego nesse período.
A situação macroeconômica argentina é melhor, em termos absolutos, do que a apresentada pelo Brasil. Mas temos um problema delicado provocado pela queda no setor industrial dos últimos dois anos e exacerbado pelo conflito com os Estados Unidos e os fundos especulativos [no caso os chamados fundos abutres], o que impede que a Argentina volte para o sistema de crédito internacional, já que está em default desde 2001.”
Agência Efe
Gambina ressaltou que Scioli não era a principal escolha de Cristina para sucedê-la
Inflação
“O país tem uma das maiores inflações da região. Isso atinge principalmente a população com recursos fixos e a inflação dos preços de câmbio. O valor das divisas preocupa muito.
Mas há um forte questionamento no país sobre como são feitas as medições. Há um acordo curioso entre o governo e o FMI para trocar dados estatísticos desde 2014, quando começou um novo modelo de medição. O fundo se comprometeu a opinar, em 2016, sobre a veracidade dessas informações, que são muito contestadas no país.
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Há uma grande pressão de setores exportadores para que o governo explicite a desvalorização da moeda com relação ao dólar. O governo diminuiu o impacto fazendo desvalorizações aos poucos. Muitos esperam que no curto prazo haja uma mudança no tipo de câmbio, especialmente no câmbio do dólar. Mas qualquer decisão irá afetar setores diversos do país.”
Mudanças econômicas
“A inflação não tem grande impacto na população porque há uma grande quantidade de recursos públicos que subsidiam transportes e energia, por exemplo. Uma coisa são esses subsídios em meio ao superávit fiscal, mas em meio a um déficit fiscal – que é o que o país apresenta hoje –, o novo presidente terá que diminuir ou eliminar esses subsídios públicos que melhoram os recursos dos setores menos favorecidos.
Agência Efe
Em seu discurso de encerramento de campanha, Massa prometeu acabar com o imposto de renda pago pelos trabalhadores
Qualquer mudança que aumente as tarifas públicas vai impactar a população e gerar mal-estar porque significará menor ingresso a boa parte da sociedade argentina.”
Impostos
“Os candidatos recentemente têm dado declarações sobre reduzir o imposto de renda pago pelos trabalhadores assalariados. Com isso, haveria uma situação ainda mais complicada de agravamento do déficit fiscal, o que significaria mudar a política tributária, e os maiores impostos cairão sobre determinados setores, que não vão gostar dessa situação.
Vale lembrar que os governos kirchneristas se destacaram pelo chamado superávits gêmeos – comercial e fiscal. Mas o superávit fiscal acabou, e o comercial está com uma margem estreita.”
Agência Efe
Se eleito, Macri deve efetuar um ajuste fiscal mais impactante para a população
Ajuste fiscal
“Um debate pré-eleitoral que esteve muito forte foi o ajuste fiscal, como vem sendo realizado no Brasil, a curto prazo. Uns discutem se será um ajuste gradual ou de choque. A percepção é que se Scioli ganhar, o ajuste será gradual, para dar continuidade à situação atual. E, à medida que for necessário, vai ajustando o gasto do Estado. Já Macri e Massa têm mais possibilidade de aplicar uma política de choque – o que é mais complicado.”
Pró-mercado
“Não há grandes mudanças entre os projetos adotados pelos candidatos e a equipe econômica deles não é muito diferente dos que assessoravam [os presidentes] nos anos 1990.
Os principais assessores econômicos dos três candidatos, claro que com matizes, não questionam os problemas estruturais: subordinação à dominação do mercado externo e dependência incondicional do endividamento público. Todos buscam a reinserção do país no mercado financeiro global. Há uma lógica pró-mercado na constituição dos assessores dos candidatos.”
Retorno à política neoliberal?
“A discussão é se alguma vez a Argentina saiu da política neoliberal. O que houve [nos últimos anos] foi uma maior participação do Estado na solução de problemas que geraram grande conflito social.