Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e presidente da empresa de consultoria internacional que leva seu nome, o ex-embaixador Rubens Barbosa possui vasta experiência em política externa. Ele lançou na última terça-feira (23/03) o Irice (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior), centro de análise que terá sede em São Paulo. Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, Barbosa conta que está convocando profissionais da área para fazer parte do Instituto e está buscando parcerias com instituições do ramo.
Reprodução/Facebook
Segundo o ex-embaixador Rubens Barbosa, o Brasil não possui institutos de análise internacional no modelo do Irice
“Aqui em São Paulo não tem uma organização tipo ‘think tank’ europeu, americano, que trate desse tema de um ponto independente”, diz. Barbosa, que foi o embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e em Washington (1999-2004), afirma que o Instituto não terá vínculos com partidos ou “grupos de pressão”. Ainda em processo de formação, o Irice fará a reunião inaugural de seu conselho em 17 de março e deverá iniciar as atividades em abril. Barbosa contou ainda suas impressões pessoais sobre a política externa brasileira e a relação entre Cuba e Estados Unidos. Leia mais na entrevista abaixo:
Opera Mundi: Qual é o objetivo do Irice? O que motivou a criação de um novo instituto?
Rubens Barbosa: Aqui em São Paulo, não há uma organização tipo “think tank” europeu, americano, que trate desse tema [relações internacionais] de um ponto independente, sem vinculação de grupos de pressão, sem vinculação partidária. Nós estamos fazendo esse instituto de maneira muito independente, sem fins lucrativos e vamos discutir assuntos concretos, políticas públicas que interessam às pessoas que têm interesse nessa área.
Não tem nenhum nessa área de que estou falando — relações internacionais, comércio, clima. São negociações internacionais em que o Brasil está presente. São temas que são discutidos espaçadamente, e nós vamos, a partir deste ano e no ano que vem, vamos sedimentar o Instituto como uma referência aqui em São Paulo para debater esses temas.
A nossa ideia é reunir pessoas que pensam política externa, comércio exterior, os agentes de relações de negócios internacionais — como empresas públicas, empresas privadas, associações empresariais —, universidades, a imprensa, e a sociedade civil em geral. Então, portanto, o Instituto não está aí para divulgar ou defender algum interesse setorial. O objetivo do Instituto é analisar, discutir e até propor questões que são de interesse nacional e que visem o médio e longo prazo. Não é um lobby a favor disso ou daquilo.
Ichiro Guerra/PR
Para o ex-embaixador Rubens Barbosa, o Brasil “não tem tomado a liderança de praticamente nada” na política internacional
OM: Quais serão os principais focos do Irice em 2016? A que o Instituto dará mais atenção neste ano?
RB: Nós vamos ter uma reunião do conselho consultivo, em meados do mês de março, para ter a aprovação pelo conselho de um programa de trabalho. A primeira reunião, em abril, é um encontro durante toda uma manhã, em que vamos discutir política externa, meio ambiente e mudança do clima, e energia. Estou convidando as pessoas, estou montando esse seminário, esse encontro.
Nós também vamos procurar associações no exterior. Eu fui procurado já por algumas instituições, inclusive o Aspen Institute, lá dos Estados Unidos, que é importante lá, e também o Woodrow Wilson Center, lá de Washington. Já está havendo algumas conversas, houve muito interesse. Nós vamos examinar tudo isso e vou apresentar ao conselho consultivo um programa de trabalho para este ano. Aí sim o trabalho vai começar, a partir de abril, quando a gente inaugurar o Instituto com esse seminário importante que estamos querendo fazer aqui. A partir daí, começa o trabalho efetivo do Instituto.
OM: Como será feito esse trabalho?
RB: Nós vamos ter que fazer um esforço para ver meios para poder sustentar o Instituto. Nesse primeiro momento, nós vamos trabalhar de maneira virtual. Virtual no sentido de que nós vamos fazer reuniões tanto presentes, com pessoas, como teleconferências, hangouts. Tudo que é eletrônico para facilitar o debate, nós vamos fazer, com muito pouco custo, porque os auditórios, as salas que nós vamos usar não são nossos, nós vamos conseguir de empresas e instituições que tenham salas que estão vazias e que a gente possa utilizar, reunindo as pessoas. Estou com uma equipe pequena que está começando a fazer tudo isso, a começar a montar a estrutura do Instituto. O objetivo é esse, é discutir políticas públicas. Até mais para frente, quando a gente tiver um número de associados, podemos até introduzir alguma sugestão de política.
Quando eu estava em Washington como embaixador, eu participei do Council of Foreign Relations, que é um dos modelos que nós estamos querendo seguir, na campanha da eleição de [George W.] Bush e Al Gore [em 2000]. O Council of Foreign Relations produziu um documento sobre as relações Brasil-EUA com recomendações, documento este que foi encaminhado aos dois candidatos. Então a nossa ideia é um pouco essa. Em determinados momentos, o Instituto vai convidar uma série de pessoas, fazer um grupo, para discutir certas políticas, produzir um documento, debater com a sociedade, e, se for o caso, encaminhar para quem for de direito.
NULL
NULL
OM: O senhor falou sobre os EUA. Um dos assuntos mais notáveis no último ano tem sido a reaproximação econômica e diplomática entre Havana e Washington. Como o senhor, que foi embaixador em Washington, vê esse processo liderado por Raúl Castro e Barack Obama?
RB: O governo brasileiro e a sociedade brasileira sempre ficaram a favor do fim do embargo, do fim do isolamento de Cuba. Eu acho que é muito importante isso, foi bem-vindo. Eu inclusive já visitei Cuba, no começo do ano passado, agora o presidente Obama vai visitar Cuba também, nas próximas semanas. Eu acho que isso foi muito bom, porque era uma reivindicação de todos os países da região. Primeiro, que Cuba voltasse ao Sistema Interamericano [de Proteção dos Direitos Humanos]. Segundo, que Cuba deixasse de ficar isolada aqui, por causa da tal relação com os Estados Unidos. E terceiro, o fim do embargo e de Guantánamo. O presidente Obama restabeleceu relações, está tentando terminar com a base de Guantánamo e está tentando, gradualmente, sem confrontar o Congresso, está dando passos concretos para eliminar, na prática, o embargo. Teve uma empresa americana que se instalou lá para produzir máquinas agrícolas, o comércio está começando a fluir. Enfim, eu acho que é muito positivo isso, é um tema importante, porque isso tem repercussões aqui, em todo o hemisfério.
EFE
Barbosa elogia a histórica reaproximação entre Havana e Washington, iniciada em dezembro de 2014
OM: Em entrevista recente, o senhor afirmou que “o Brasil perdeu a voz” no cenário diplomático internacional. A que o senhor atribui isso? Desde quando o país, nas suas palavras, “perdeu espaço e substância”?
RB: Eu acho que gradualmente, nesses últimos anos, o Brasil vem perdendo espaço. Agora estão discutindo até cortar a participação do país em algumas organizações internacionais, reduzir a participação do Brasil. E o Brasil, por uma série de razões, especialmente nesses últimos anos, com o atual governo, em que a prioridade tem sido a política econômica, a política externa foi perdendo gradualmente importância dentro da administração brasileira. Tanto o Itamaraty, quanto o Ministério da Defesa, sofreram cortes que tornam difícil a operação normal da atividade diplomática.
O Brasil, na área comercial, ficou também, de certa maneira, marginalizado, porque não fez muitos acordos. Até agora, em 15 anos, a gente fez quatro, cinco acordos comerciais. O mundo fez 400, entende? E na área de política externa, o Brasil, na minha visão, tem sido reflexo, tem respondido, não tem tomado a liderança de praticamente nada. Por isso que eu digo que o Brasil perdeu espaço, precisa restaurar a sua voz no exterior, precisa acabar com o isolamento comercial e se reinserir nos fluxos dinâmicos de comércio exterior.
EFE
“Os empresários estão muito curiosos [sobre o acordo Transpacífico]”, diz Rubens Barbosa
OM: Assinada neste mês, a Parceria Transpacífico é um dos acordos comerciais mais importantes das últimas décadas. Manifestações em diversos países se opõem à Parceria, que é elogiada por nomes como Barack Obama. Como o senhor avalia o TPP e que impacto poderá ter para a economia brasileira?
RB: Eu acho realmente que é um acordo muito importante, porque representa 40% da produção mundial e 30% do comércio. Estão lá Japão, Estados Unidos, os países asiáticos, estão três países latino-americanos — o México, o Peru e o Chile. É um acordo que vai afetar as exportações do Brasil, porque vai haver desvio de comércio dentro do grupo. Então eu acho que nós temos que começar a examinar qual é o conteúdo desse acordo e ver como isso afeta o Brasil. Esse vai ser um dos temas da área comercial prioritários para nós [do Irice], porque aqui no Brasil pouco se está discutindo esse acordo, os empresários estão muito curiosos para saber quais são as cláusulas, o que está acontecendo. Nós vamos trabalhar junto com outros órgãos que estão discutindo esse assunto, para poder fazer um trabalho de discussão e divulgação das cláusulas do acordo, até que ponto o acordo afeta o Brasil e assim por diante. Eu acho muito importante e certamente esse tema vai estar dentro das nossas preocupações.