Uma das principais atrações turísticas da cidade chilena de Valparaíso é a sua linha de trólebus, a segunda mais antiga da América Latina e uma das únicas no mundo que ainda preserva os carros utilizados desde a sua inauguração, em 1952. Quem conhece essa histórica cidade do litoral central do Chile não perde a chance de dar um passeio pelos velhos trólebus, por ruas que ainda preservam muito da arquitetura do começo do século 20 e até com alguns resquícios do século 19 – embora algumas construções estejam necessitando urgentemente de restaurações.
Até 2014, os veículos antigos eram os únicos que transitavam pelo setor plano da cidade, mas a chegada de dez ônibus novos, com visual mais moderno, mudou o panorama e dividiu opiniões na cidade.
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Um dos trolebus antigos que circulam em Valparaíso; este foi fabricado em 1965
A rejeição por parte dos turistas era previsível: a maioria escolhe esperar que passe um ônibus antigo, especialmente os que já conhecem a atração e a tem como um dos passeios inevitáveis da cidade.
O que talvez não fosse esperado pelas autoridades era que muitos moradores de Valparaíso também tivessem o mesmo comportamento. Não se trata de um movimento organizado nem de pressão política: algumas pessoas simplesmente preferem usar os trólebus antigos. “Tivemos que adotar um revezamento, que não havia quando chegaram os [carros] mais modernos”, diz a Opera Mundi Pedro Muñoz, um dos motoristas que trabalha no serviço. “Se passassem dois ou até três novos [carros] seguidos, o antigo que vinha depois tinha que pegar todos aqueles que ficavam esperando, e lotava antes do fim da primeira avenida”, conta o motorista.
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'Os trólebus são uma parte importante da identidade de Valparaíso', diz secretário de Transportes
Identidade histórica
O desenho dos antigos Pullman Standard 800, de fabricação norte-americana, reforça a nostalgia dos visitantes. Entrar num dos carros mais antigos, montados em 1941, dá um pouco a sensação de voltar no tempo, entre bancos de um grosso estofado de couro, luminárias arredondadas, janelas movediças e portas retráteis.
“Os trólebus são uma parte importante da identidade de Valparaíso, por isso é tão querido pelos habitantes, incluindo alguns mais ortodoxos”, comenta o secretário regional de Transportes, Mauricio Candia, a Opera Mundi.
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Para os habitantes de Valparaíso, a preferência pelos trólebus antigos é mesmo uma questão de identidade. Os irmãos Pedro Serrano, que trabalha como garçom, e Juan Carlos Serrano, que trabalha em um banco, utilizam o transporte todos os dias e explicam a Opera Mundi seu apego aos carros antigos. “Eu não me nego a usar os novos, mas se tenho mais tempo sobrando deixo passar um e espero vir o antigo. Eles fazem parte um pouco da minha vida e da vida da cidade, é uma sensação que não saberia te descrever, mas é diferente andar nos antigos e nos novos”, comenta Pedro. Já o bancário Juan Carlos afirma que “os trólebus novos são como um ônibus qualquer; não são nem melhores nem piores, mas os antigos são especiais. Acho que não tem nada no mundo igual, e alguns turistas que conheci por aqui dizem o mesmo”.
A identidade não é um tema qualquer em Valparaíso. Em 2003, o centro histórico da cidade recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade por parte da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), o que a partir de então significou uma série de investimentos para a preservação de sua arquitetura e de outros ícones, como a rede de trólebus. “É mais um motivo pelo qual os trólebus antigos continuarão em circulação. Sua manutenção é parte dos compromissos que a cidade assumiu ao receber o título da Unesco”, assegura Candia.
Victor Farinelli / Opera Mundi
Linha 802, de novos trólebus, é a única das três linhas que circula por todo o setor plano da cidade
Novos carros em 2017
Os trólebus de Valparaíso eram administrados pelo Estado até 1982, quando o serviço foi privatizado. Quando o centro histórico da cidade recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, há 13 anos, a empresa administradora, Trolebuses de Chile, passou a receber financiamento especial do Ministério dos Transportes, destinado à manutenção das máquinas antigas e do sistema de cabeamento.
Controvérsia à parte, a empresa Trolebuses de Valparaíso anunciou a compra de outros oito veículos novos, também de fabricação suíça – assim como os dez que chegaram à cidade em 2014. Atualmente, a frota conta com 22 carros, dos quais 12 estão entre os considerados mais antigos – 11, de fabricação norte-americana, operam na cidade desde a inauguração do serviço, e um, de fabricação chinesa, é o único remanescente dos carros que chegaram da Ásia após a primeira renovação da frota, logo depois da privatização. Os oito novos carros devem estar à disposição somente em 2017, e com eles os veículos novos passam a ser maioria.
Victor Farinelli / Opera Mundi
Trolebus de fabricação chinesa é o único remanescente dos carros que chegaram da Ásia após a primeira renovação da frota
Candia, o secretário de Transportes, afirmou que, com a aquisição de novos carros, os projetos de reativar alguma das duas linhas originais que foram abandonadas poderiam ser retomados. Também disse que os veículos de fabricação suíça representam uma economia energética de 63%, e que eles também possuem atrativos turísticos. “Os veículos novos possuem um sistema de áudio que anuncia os locais das paradas e os pontos turísticos por onde o ônibus vai passando, em espanhol e em inglês. Claro que a maioria dos turistas podem e devem continuar preferindo os antigos, mas os que se animarem a usar os novos também terão suas vantagens”.
Os trólebus de Valparaíso transportam cerca de 2,5 milhões de passageiros por ano, e funcionam de segunda a sábado, das 7h às 21h, com um intervalo entre três e cinco minutos para cada saída. Nos domingos e em dias festivos, o serviço é interrompido para manutenção do sistema de cabos. Em dias de chuva, somente os veículos novos operam, para preservação dos mais antigos.