Atualizada às 17:19
O site ucraniano Mirotvorets (“Pacificador”, em russo) divulgou nesta terça-feira (24/05) uma nova lista com informações de jornalistas que pediram credenciamento para cobrir o conflito em Donetsk e Lugansk, zonas separatistas da Ucrânia, nos últimos dois anos.
Este é o segundo vazamento feito pelo site em duas semanas: o primeiro, em 10 de maio, expôs o colaborador de Opera Mundi Sandro Fernandes e outros três jornalistas brasileiros em lista com os dados de quase 5.000 profissionais de imprensa que estiveram na região. O assessor do Serviço de Segurança da Ucrânia, Yuri Tandit, afirmou no sábado (21/05) que o governo está “revisando” a lista em busca de possíveis “espiões”.
De acordo com o site, a lista divulgada nesta terça-feira contém informações de 293 correspondentes baseados na Rússia. “Nós publicamos uma lista dos jornalistas estrangeiros credenciados [na Rússia] e que trabalham com o país agressor [Rússia], que apoiam o terrorismo internacional e a parte ocupada do território da Ucrânia”, diz a publicação.
Agência Efe
Site ucraniano publicou informações de jornalistas que viajaram à região separatista de Donetsk para cobrir conflito
Em 10 de maio, o Mirotvorets divulgou informações pessoais de cerca de 5.000 jornalistas de diferentes países e veículos de comunicação que viajaram à região separatista. Eles tiveram nomes, telefones e endereços de e-mail expostos.
Além de Sandro Fernandes, colaborador de Opera Mundi, há outros três brasileiros na lista: Leandro Colon, da Folha de S.Paulo, Andrei Netto, de O Estado de S.Paulo, e Maurício Lima, fotojornalista credenciado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e vencedor do prêmio Pulitzer por sua cobertura da emergência dos refugiados entre o Oriente Médio e a Europa.
Os territórios de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia, declararam unilateralmente a sua independência em maio de 2014. Desde então, jornalistas que queiram ingressar e circular nessas áreas devem se reportar às lideranças separatistas para obter credenciamento.
Em entrevista a Opera Mundi, Fernandes conta que, desde a independência unilateral da região, não há mais voos para Donetsk, o que obrigou os jornalistas a fazerem o percurso de trem desde Kiev, em uma viagem que durava aproximadamente 15 horas.
Outra opção “mais barata e mais rápida”, segundo Fernandes, era viajar a partir da Rússia. “Como os separatistas ucranianos são pró-Rússia, não há problema em atravessar da Rússia pra parte separatista da Ucrânia”, diz o jornalista. “Quem entrou por Kiev, visitou Donetsk legalmente, indo a uma área que se declarou independente, mas que Kiev simplesmente não reconhece. Mas quem entrou direto pela Rússia (o que era muito mais simples para qualquer corresspondente que mora em Moscou), entrou por uma fronteira ilegal, segundo o governo de Kiev.”
O fato, segundo Fernandes, poderia gerar a acusação de que alguns jornalistas teriam ajudado os separatistas.
Sandro Fernandes / Opera Mundi
Imagem feita por Sandro Fernandes de uma em Donetsk quando cobriu o conflito na região em julho de 2014
O jornalista relatou ter tido problemas semelhantes em Nagorno-Karabakh. A área fica no Azerbaijão, mas é controlada por armênios e conta com apoio militar e financeiro da Armênia desde 1994, com o fim da guerra separatista que deixou 30 mil mortos e milhares de refugiados.
“Não fui a Nagorno-Karabakh ou a Donetsk como turista nem para ‘apoiar terroristas’”, afirma Fernandes. “Fui a trabalho, e os governos precisam entender isso e ter uma flexibilidade com profissionais de imprensa que cruzam fronteiras em disputa.”
No fim de abril, antes da divulgação dos dados dos jornalistas, Fernandes fez uma viagem de Moscou a Kiev e, na fronteira entre os dois países, pela primeira vez, teve que responder a várias perguntas de oficiais ucranianos sobre suas últimas passagens pelo país. A última viagem de Fernandes às regiões separatistas ocorreu entre julho e agosto de 2014, quando o jornalista escreveu para Opera Mundi reportagens sobre o clima na região em meio ao conflito, a renúncia do líder separatista Aleksandr Borodai e um bunker usado por moradores de cidades separatistas.
“[O episódio] foi antes dessa lista, mas outros colegas jornalistas me disseram que também têm demorado mais na imigração. Sei de casos de gente que não foi autorizada a entrar”, relata o jornalista.
Arquivo pessoal
'Governos precisam ter flexibilidade com profissionais de imprensa que cruzam fronteiras em disputa', diz Sandro Fernandes
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Fernandes diz que a liberação da lista gerou grande repercussão na imprensa da Rússia, que acusou Kiev de perseguição a correspondentes internacionais.
Site ligado a Ministério do Interior da Ucrânia
O site Mirotvorets é atribuído a Anton Gueraschenko, assessor do ministro do Interior da Ucrânia, Arsen Avakov, que divulgou o link em postagens em sua conta de Facebook. Especula-se que a lista tenha sido obtida por hackers que acessaram arquivos do Ministério de Propaganda da autoproclamada República Popular de Donetsk.
Em entrevista à emissora ucraniana Canal 5 no último sábado (21/05), o assessor do Serviço de Segurança da Ucrânia, Yuri Tandit, disse que o governo a princípio “reagiu com cautela” mas está agora “revisando” a lista em busca de “espiões”.
“Nós reagimos de maneira muito cautelosa após a publicação dessa informação. Agora, estamos revisando a lista”, afirmou o representante do governo ucraniano. “Chegará o momento em que aqueles que se escondem atrás de uma credencial de jornalista e atuam em benefício do país vizinho [Rússia], que infringem as leis e espiam nosso Estado, responderão por seus atos”, disse Tandit.
Segundo a agência de notícias Efe, após a publicação da lista, a Procuradoria de Kiev abriu uma ação penal contra o site Mirotvorets por “obstrução ao trabalho jornalístico”. O site chegou a sair dias após a publicação da primeira lista, mas voltou dias depois.
A divulgação das informações pessoais dos jornalistas foi condenada por entidades. Em nota divulgada em 13 de maio, o responsável pela organização RSF (Repórteres Sem Fronteiras) no leste europeu e Ásia Central, Johann Bihr, afirmou que “o vazamento expõe os jornalistas a um perigo real, e muitos já começaram a receber ameaças”.
Já a representante de Liberdade de Imprensa da OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa) Dunja Mijatovic afirmou ser “alarmante” a situação, que pode colocar em risco a segurança dos jornalistas.
Incentivo à violência
Autoridades de Kiev são acusadas de incentivar a violência nas áreas separatistas. Em junho de 2014, de acordo com o jornal Kiev News, o ministro da Defesa, Valeriy Heletey, prometeu dar terras de graça para soldados ucranianos e tropas dos Serviços Especiais que lutam contra os grupos separatistas pró-russos.
Em outubro daquele ano, o governo da Rússia anunciou ter aberto um processo contra altos funcionários da Ucrânia, entre eles o ministro da Defesa, Valeri Gueletéi, por “organizar assassinatos e genocídio” nas regiões ucranianas que se autoproclaram independentes. O governo de Kiev foi acusado de utilizar bombas de fósforo e bombas cluster contra civis.
Segundo a mídia independente das regiões separatistas, o conflito ganhou motivações étnicas, e o fortalecimento de grupos ultranacionalistas ucranianos pró-Europa estaria ameaçando a existência dos grupos russos que vivem no país desde o século 16.
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