Mulheres brasileiras são a principal nacionalidade vítima de tráfico de seres humanos para Portugal, segundo um relatório oficial divulgado no fim de semana. No entanto, além de vítimas, os brasileiros aparecem também como alguns dos principais aliciadores, aponta o governo do país. Entre os 84 casos sob investigação aberta no ano passado, brasileiros aparecem em como possíveis agressores em nove. Depois dos próprios portugueses (25 casos), a principal nacionalidade de aliciadores é de romenos (12). Entre os apenas nove casos confirmados, dois foram de mulheres aliciadas por brasileiros.
Os dados são do relatório anual de 2009 do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, mantido pelo governo português. De janeiro de 2008 a abril de 2010, foram identificados mais de 300 casos do crime e confirmados mais de 50. O relatório – o primeiro elaborado pelo órgão – aponta prevalência de mulheres brasileiras entre as 84 possíveis vítimas daquele ano.
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A situação é conhecida desde pelo menos 2007, ano em que foi realizado o estudo “Tráfico de Mulheres em Portugal para Fins de Exploração Sexual”, sob coordenação do renomado sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
“É difícil saber, em números, o avanço que se conseguiu desde então. Instituições e governo vêm trabalhando juntos, o que é um pequeno passo importante”, diz a pesquisadora Rita Bessa, gestora do projeto especializado no apoio a imigrantes vítimas do tráfico da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.
Rota brasileira
O documento indica a existência de uma “rota brasileira” que, em alguns casos, inclui passagens pela Espanha e França. Os trajetos são os mesmos utilizados para a imigração e transporte de mercadorias – legais e ilegais -, o que dificulta a investigação e prevenção, segundo relatório do Ministério da Administração Interna português, ao qual o Observatório está ligado.
“A maior parte das brasileiras vai para aeroportos fora de Portugal, como Espanha, Itália e França. Quando desembarcam, há carros e táxis à espera delas, que as trazem para Portugal”, afirma Joana Daniel Wrabetz, diretora do Observatório. O desvio, segundo ela, é para evitar o controle nos aeroportos portugueses, onde a atenção para o tráfico de brasileiras é maior. Por terra, em razão da política de fronteiras internas na União Europeia, “ninguém pergunta nada”. Os custos de transporte podem servir como instrumento de submissão das vítimas, em um sistema de escravidão alimentado por dívidas.
Embora seja mais comum que agressor e vítima tenham a mesma nacionalidade, diz o relatório, entre os casos investigados há o de uma vítima portuguesa cujos agressores eram um brasileiro e um eslovaco. De acordo com o estudo de 2007, a articulação entre pessoas de diferentes nacionalidades num mesmo tráfico mostra um nível de organização elevado. “Segundo a Europol (1999), o nível é alto quando pessoas de diferentes nacionalidades são traficadas no mesmo transporte”, diz o documento.
“Há diversos tipos de negócios entre portugueses e brasileiros e este é mais um”, diz Joana.
No caso das vítimas do Brasil, ainda não é possível identificar onde o criminoso brasileiro atua. “Essa parte é uma que temos de explorar mais e recolher mais dados. O que nós recolhemos sobre o perfil do agressor é sexo, idade e nacionalidade.” Entre os casos investigados, as mulheres declararam ter viajado acompanhadas até Portugal. Já entre os confirmados, todas disseram ter feito o trajeto sozinhas, o que dificulta uma conclusão sobre o local de atuação.
Parentes e amigos
Em 28 dos 84 casos investigados e em cinco dos nove já confirmados houve a participação de familiares ou amigos da vítima no crime. “Houve uma vítima que conseguiu convencer uma familiar a vir para Portugal para trabalhar em um restaurante, onde acabou por saber que era para a prostituição”, diz Joana Wrabetz, sem especificar a nacionalidade.
Já no estudo de 2007, Boaventura de Sousa Santos citava a tendência de, no Brasil, os angariadores serem do sexo feminino e com uma idade mais elevada para transmitirem às vítimas uma maior credibilidade e autoridade – os dados são da Pesquisa Nacional sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes, realizada em 2002. Segundo o sociólogo, os agressores têm “nível escolar médio ou superior – o que, talvez, se possa explicar pelo caráter internacional do crime que exige uma maior aptidão para lidar com operações que podem ter ramificações em vários pontos do mundo”. A pesquisa aponta que as vítimas brasileiras em geral são as mulheres da classes sociais baixas, pouca escolaridade e moradoras de periferias. O estudo demonstra que existe uma estreita relação entre pobreza, desigualdades regionais e a existência de rotas de tráfico de mulheres.
Portugal é o país com a quinta maior colônia de brasileiros legalizados no mundo, atrás apenas de EUA, Paraguai, Japão e Reino Unido, segundo dados de 2009 do Itamaraty relativos. Por sua vez, desde 2008, os brasileiros são a maior colônia de estrangeiros legalizados em solo português. Naquele ano, atingindo 106 mil integrantes, ultrapassou os Países Africanos de Língua Portuguesa, tradicionalmente líderes.
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