Atualizada às 18h50
O professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Gilberto Maringoni, afirmou nesta segunda-feira (16/10), em entrevista a Opera Mundi que resultado das eleições regionais na Venezuela – em que o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) ganhou ao menos 17 de 23 governos estaduais –, realizadas no domingo (15/10), deixa claro que a direita venezuelana “não tem a maioria que alegava ter”.
Para ele, as acusações da oposição, de que houve fraude no processo, são infundadas. “Se houvesse na população esse medo todo de fraude que os meios de comunicação e a oposição afirmam, as pessoas boicotariam as eleições”, disse. Leia a entrevista:
Opera Mundi: A oposição e a mídia tem se valido da crise venezuelana para atacar o presidente, Nicolás Maduro, com a acusação de que ele teria dado um golpe e que a Venezuela viveria uma espécie de ditadura. Neste contexto, o que o resultado das eleições representa?
Gilberto Maringoni: Representa que o chavismo tem maioria na sociedade. Isso é uma coisa que até a grande imprensa de direita reconhece, como em duas matérias da Folha de S. Paulo de uma enviada especial a Caracas. Uma delas falava do desencanto da juventude de classe média com a política e da busca por novas formas de expressão. São potenciais apoiadores da oposição. A matéria tenta, mas não consegue encobrir que a direita está se desorganizando e que o desalento toma conta de algumas de suas bases. As forças que se organizam ao redor do MUD (Mesa de Unidade Democrática) realizaram um plebiscito em julho, alegando que 98% da população seria contra a eleição da Assembleia Constituinte, realizada no final daquele mês. A mídia mundial divulgou esse surpreendente resultado com destaque. Mas, ao final da votação, esses setores resolveram incinerar os votos, o que impediu qualquer checagem séria. Se aquele resultado fosse para valer, não existiria a vitória governamental de agora. A única saída é gritar “fraude!”. É a tática do se colar, colou. Mas é algo difícil, pois têm agora de enfrentar os resultados da 22ª eleição que o governo bolivariano realizou desde 1998, quando Hugo Chávez se elegeu pela primeira vez.
OM: Como o senhor vê a participação dos mais de 61% de votantes?
GM: O comparecimento às urnas na Venezuela era historicamente muito baixo antes dos anos 2000. A média era de 30% a 37% do universo total de eleitores aptos. Estive algumas vezes no país, como observador eleitoral desses processos. A partir do referendo revogatório de 2004, o comparecimento ultrapassou a barreira dos 50% e chegou a 60% em alguns pleitos seguintes. A marca atual é muito alta, num país em que o voto não é obrigatório. Se houvesse entre a população a suspeita de fraude no processo, como os meios de comunicação e a oposição afirmam, as pessoas boicotariam as eleições.
OM: A seu ver, o peso de uma nova Constituinte influenciou na decisão popular?
GM: Eu acho que o que houve foi um enfraquecimento da Assembleia Nacional, o Congresso local, dominado pela oposição. Isso desorganizou nacionalmente a oposição. A ameaça irresponsável de Donald Trump, de usar força militar contra a Venezuela, feita ainda nos dias de eleição da Constituinte, representaram um tiro pela culatra. Isso consolidou apoios a Maduro internamente. Mas a bravata evidencia a articulação que a oposição venezuelana tem fora do país. É uma ação coordenada, como mostra o avanço da direita no Brasil, Paraguai e Peru. Não é a toa que o Itamaraty, em outra ação desastrada, praticamente expulsou a Venezuela do Mercosul, tentando isolar o país. A expectativa é que o governo venezuelano cedesse às pressões externa e internas. Surpreendentemente, ele aguentou muito firme, mostrando que o principal dever de quem detém o poder é mantê-lo. A Venezuela sofreu ameaças de sanções, crítica maciça da imprensa mundial e boicote político. Ganhar eleições nessas condições é muito difícil, o que engrandece muito o feito.
Agência Efe
Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) venceu em 17 dos 23 estados na eleição para governadores ocorrida neste domingo (16/10)
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OM: Como o resultado será recebido pela comunidade internacional?
GM: No caso da America Latina, como Brasil e Argentina, eu não sei. Há dificuldade de se desqualificar os resultados, porque os números são expressivos. Esses governos podem tentar ignorar os resultados ou fazer como o jornal O Globo, que tentou alegar fraude, o que é lorota de mau perdedor. Precisam provar que houve fraude. Donald Trump deve lançar alguns recados via twitter, na mesma direção. A vantagem da Venezuela é ter aliados tácitos com grande peso global, como China e Rússia. Não estamos mais num mundo unipolar, em que os EUA reinam absolutos.
OM: Com a nova Constituinte e com este resultado nas eleições, a Venezuela tem a chance de começar a reverter a crise?
GM: A crise econômica é difícil de ser superada por forças internas. Ela é motivada pela baixa dos preços do petróleo no mundo. E o governo tem pouca chance de reverter isso. A carga tributária venezuelana é muito baixa, vale lembrar, em torno de 13% do PIB. A brasileira alcança 36% do PIB. Lá, o Estado é financiado pelo petróleo. Então, eles vão amargar por mais um tempo com a crise econômica. Como eles irão tratar disso, numa situação de carências generalizadas entre a população? É o grande desafio. Mas é inegável que deram um passo importante.
OM: A oposição se antecipou antes mesmo do resultado das eleições, declarando que os números com que seus operadores eleitorais trabalharam eram muito diferentes dos que começaram a ser divulgados. A oposição pode tentar reverter o resultado?
GM: Eles estão contestando. É direito que lhes assiste. Mas repito: essa acusação precisa ser provada. Para além das acusações, a oposição não tem conseguido provar nada. A grande ideia, a força por trás da investida é classificar a Venezuela como ditadura. É algo que beira o realismo fantástico! Realizaram duas eleições apenas neste ano! Isso não é ditadura. A primeira coisa que uma ditadura cassa é o calendário eleitoral. Se a Venezuela tivesse de fato um regime de força, não haveria nada disso.
OM: O senhor acha que a rejeição aos resultados tem potencial de insuflar novos conflitos?
GM: De imediato muito difícil que existam protestos de rua maciços, a não ser que recorram a uma violência muito forte, já que arregimentar gente está difícil. Tudo depende dos próximos dias, já que a aceitação depende da reação de outros governos.
OM: Caso a oposição insista em não reconhecer os resultados oficiais, existe a chance de uma nova tentativa de golpe na Venezuela?
GM: Repito, a oposição está com dificuldade. A oposição venceu em cinco dos 23 estados. Se continuar a alegar fraude, coloca em dúvida suas próprias vitórias. Se o resultado mostrasse uma direita derrotada em todos os estados, seria mais fácil acusar o processo de ser inválido. A batalha prosseguirá, mas a tensão deve baixar um pouco daqui para a frente. Pelo menos é o que espero.