Participo de eleições, como advogado eleitoral, desde o
distante ano de 1998. Em 1996, ainda sem OAB, fiz parte da coordenação de uma
campanha para vereadora, a Tereza Lajolo, e boa parte da área jurídica ficou aos meus
cuidados. Portanto, registro, propaganda eleitoral, prestação de contas
eleitorais – sobretudo nesta área – e ações que discutiam registro, diplomação
e abuso de poder econômico e do uso dos meios de comunicação são questões que
me dediquei bastante, atuando como advogado.
Nunca foi tão grande o desalento. Uma legislação mal
escrita, resoluções que contém entre si contradições e um chuvaréu de lacunas,
um processo de debate das normas de regulamentação da legislação pessimamente
conduzido por um ministro muito mais afeto aos holofotes do que ao direito.
Excesso de casuísmos e de manifestações fora dos autos, excessos de vaidade e
de um ativismo moralista absolutamente rastaquera, que não sobrevive aos
próprios holerites.
E uma eleição que nasce com uma espada fincada no peito: uma
espada que fere a legitimidade do processo eleitoral. Fere, porque,
nitidamente, está tratando de forma diferente os participantes da contenda.
Espero estar equivocado em minhas impressões iniciais deste processo.
O registro do presidente Lula será paradigmático. Ou se
seguirá o rito normal, previsto em lei, que prevê edital, prazo para
impugnações, análise de documentos e condições de elegibilidade, prazo para
defesa, produção de provas e razões finais, para depois termos uma decisão
colegiada de mérito, com garantia recursal, ou adentraremos no perigoso terreno
da galhofa: se impugna antes do edital, se indefere antes dos argumentos, se
acelera para vender uma imagem de celeridade. Não estou aqui – embora tenha
minha opinião pessoal pela admissibilidade do registro – dizendo que no mérito
o registro deva ser deferido ou indeferido. Estou afirmando que qualquer
procedimento fora do rito – consagrado na jurisprudência – habitual é um
atentado à legitimidade das eleições.
E aqui, não como advogado somente, mas como militante, como
alguém que enxerga na política, no fazer política, o único caminho capaz de
fazer valer uma vida em sociedade, baseada em princípios democráticos, acho que
boa parte da esquerda está tapando as narinas e deixando de lado a discussão
fundamental nesta eleição, o da legitimidade.
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PT registrou candidatura do ex-presidente Lula para as eleições deste ano (Foto: Ricardo Stuckert)
As críticas ao PT e a insistência em promover o registro do presidente Lula muitas vezes resvalam num entendimento de que as eleições vão ter um resultado favorável – ou podem ter – a algum dos candidatos identificados com o centro e a esquerda, Ciro ou o candidato do PT. E que ao não indicar claramente se haverá a substituição do candidato, o PT põe água no chope destas possibilidades.
Lamento. O registro e, essencialmente, os primeiros programas de rádio e TV com a participação da candidatura Lula são essenciais à legitimidade das eleições. Impedir, castrar, afastar estas possibilidades é sinalizar que o resultado numérico da eleição pouco ou nada servirá se o candidato vencedor não for do agrado da banca.
Friso, por importante e fundamental, que a minha opinião sobre os motivos e fundamentos da prisão do presidente Lula, se estão corretos ou não, pouco importam. O que importa é a forma como o estão afastando do processo eleitoral e esta forma diz tudo sobre autoritarismo, violência, servidão e cumplicidade. É este o ponto. Tergiversar ou relativizar este fato, esta forma, é, na minha humilde avaliação, um grave equívoco.
Não tem vitória possível nesta eleição se o respeito à forma, ao processo eleitoral, ao debate público das questões envolvidas no registro do presidente não ocorrerem de forma plena.
Aos camaradas mais à esquerda, com os quais me identifico, não podemos ter a ilusão de que estas eleições serão vencidas pelo carisma do presidente ou, por outro lado, serão perdidas pelos equívocos do PT e de suas alianças e estratégia. A complexidade da questão está noutro lugar, me parece.
Aos democratas de coração, gostando ou não do presidente Lula, não podem mais fechar os olhos e ficarem inertes a um reiterado compromisso de tratar o Lula como um pária e para isso usar métodos de exceção.
Se as eleições fossem amanhã, meu coração iria de Boulos. Sem pestanejar. Mas as reflexões aqui contidas expressam uma questão de ordem racional, para mim evidente: quanto mais alijarem Lula do processo, mais necessário será o voto nele, de protesto e de confronto. Se o processo não é legítimo, denunciemos.
É isso. Boa campanha aos camaradas. E juízo.