Tradução em português:
O mundo assiste hoje com preocupação e tristeza os graves contratempos sofridos no Brasil desde o golpe de Estado de 2016, que rasgou a Constituição e os votos de 56 milhões de brasileiros, derrubando a presidente Dilma Rousseff. Primeira mulher a ocupar a presidência do país, Dilma foi eleita em 2010, reeleita em 2014 e derrubada dois anos depois, sem que nenhum ato ilícito tenha sido cometido.
Desde então, o Brasil atravessa um dos momentos mais críticos da sua história. O processo de desenvolvimento com inclusão social iniciado em 2003, que suscitou tamanha admiração ao redor do planeta, foi violentamente interrompido. Este país que salvou milhões de pessoas da extrema pobreza, que se saiu do mapa mundial da fome pela primeira vez em 500 anos, que exportou políticas sociais bem sucedidas no continente africano, que mantinha um diálogo igual com as maiores potências do mundo e que lutou pela paz entre os povos é hoje o seu exato oposto.
Estou preso desde 7 de abril de 2018, sem provas de qualquer crime cometido. A minha vida e a da minha família foram devastadas. A minha residência foi invadida e revistada pela polícia. Anos e anos de inquéritos ferozes não encontraram nas minhas contas um centavo suspeito, cuja origem não pode ser provada, nenhuma evolução patrimonial incompatível com o fruto do meu trabalho. Sem iates, mansões particulares cinematográficas, sacos de dinheiro, contas secretas: Nada. Mesmo depois de ser presidente, voltei a viver no mesmo apartamento desprovido de luxo na região metropolitana de São Paulo.
Fui condenado e preso por “atos não especificados”, uma bizarrice jurídica que não existe no direito penal brasileiro. Apresentei uma abundância de documentos provando minha inocência. Os meus acusadores, por outro lado, não encontraram nenhuma prova contra mim.
Faz um ano que estou preso em isolamento, não autorizado a dar entrevistas. Fui impedido de me candidatar na eleição presidencial de 2018, quando todas as sondagens de opinião indicavam que eu estava na liderança. Abria-se o caminho, então, para a vitória do candidato da extrema direita, que ficou famoso pelo seu discurso racista, homofóbico e misógino, bem como para a defesa sem compromisso da tortura e do regime totalitário criado no Brasil pelo golpe de Estado militar e civil de 1964.
O juiz de primeira instância que tinha cometido tantas injustiças e que me condenou sem provas foi promovido ao cargo de ministro da Justiça do novo governo. Ele é o superior hierárquico da minha prisão, o que seria impensável no estado de direito constitucional e democrático. O atual presidente, eleito com base na divulgação maciça de informações falsa – mesmo tática recentemente utilizada em outros países – acelerou o desmantelamento da política de proteção social colocada em cena desde a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder em 2003.
As políticas públicas que associam o desenvolvimento econômico e a justiça social foram abandonadas. Os direitos históricos do trabalho são revogados. As desigualdades sociais se aprofundam. Milhões de pessoas foram empurradas para a extrema pobreza. O número de desempregados ultrapassa a barreira dos 13 milhões. A fome e a mortalidade infantil estão de volta. A busca do diálogo e da paz foi substituída pelo discurso e pela prática do ódio e da intolerância. O Brasil sangra.
Neste momento de grande dor, causado não somente pelas injustiças cometidas contra mim, mas, acima de tudo, pelas graves ameaças que pesam sobre a democracia e os sofrimentos impostos a nosso povo, quero agradecer às expressões de solidariedade que me chegam do mundo inteiro. E reafirmar que nós não abandonaremos a luta até que o Brasil e os brasileiros estejam felizes novamente.
(*) Publicado originalmente em L'Humanité
Ricardo Stuckert/Instituto Lula
‘Fui condenado e preso por "atos não especificados", uma bizarrice jurídica que não existe no direito penal brasileiro’
Versão em francês:
Le monde regarde aujourd’hui avec inquiétude et tristesse les graves revers subis au Brésil depuis le coup d’État de 2016 qui a déchiré la Constitution et les votes de 56 millions de Brésiliens, renversant la présidente Dilma Rousseff. Première femme à occuper la présidence du pays, Dilma a été élue en 2010, réélue en 2014 et révoquée deux ans plus tard, sans qu’aucun acte illicite ait été commis.
Depuis lors, le Brésil traverse l’un des moments les plus critiques de son histoire. Le processus de développement avec inclusion sociale initié en 2003, qui a suscité une telle admiration autour de la planète, a été violemment interrompu. Ce pays qui a sauvé des millions de personnes de l’extrême pauvreté, qui s’est sorti de la carte mondiale de la faim pour la première fois en 500 ans, qui a exporté des politiques sociales réussies sur le continent africain, qui entretenait un dialogue égal avec les plus grandes puissances du monde et qui s’est battu pour la paix entre les peuples est aujourd’hui son exact opposé.
Je suis emprisonné depuis le 7 avril 2018, sans aucune preuve d’un quelconque crime commis. Ma vie et celle de ma famille ont été dévastées. Ma résidence a été envahie et retournée par la police. Des années et des années d’enquêtes féroces n’ont pas retrouvé dans mes comptes un centime suspect, dont l’origine ne peut être prouvée, aucune évolution patrimoniale incompatible avec le fruit de mon travail. Pas de yachts, hôtels particuliers cinématographiques, sacs d’argent, comptes secrets : rien. Même après avoir été président, je suis retourné vivre dans le même appartement dépourvu de luxe, dans la région métropolitaine de São Paulo.
J’ai été reconnu coupable et emprisonné pour « des actes non spécifiés », une bizarrerie juridique qui n’existe pas dans le droit pénal brésilien. J’ai présenté une abondance de documents prouvant mon innocence. Mes accusateurs, en revanche, n’ont trouvé aucune preuve contre moi.
Cela fait un an que je suis enfermé en isolement, non autorisé à donner des interviews. On m’a interdit de me présenter à l’élection présidentielle de 2018, lorsque tous les sondages d’opinion indiquaient que j’étais largement en tête. La voie devenait donc ouverte pour la victoire du candidat de l’extrême droite, rendu célèbre par son discours raciste, homophobe et misogyne, ainsi que pour la défense sans compromis de la torture et du régime totalitaire mis en place au Brésil par le coup d’État militaire et civil de 1964.
Le juge de première instance qui avait commis tant d’injustices et qui m’a condamné sans preuve a été promu au poste de ministre de la Justice du nouveau gouvernement. Il est le supérieur hiérarchique de ma prison, ce qui serait impensable dans l’État de droit constitutionnel et démocratique. Le président actuel, élu sur la base de la divulgation massive d’informations mensongères – même tactique récemment utilisée dans d’autres pays – a accéléré le démantèlement de la situation de la protection sociale mise en place depuis l’arrivée du Parti des travailleurs (PT) en 2003.
Les politiques publiques associant développement économique et justice sociale ont été abandonnées. Les droits du travail historiques sont abrogés. Les inégalités sociales se sont creusées. Des millions de personnes ont été poussées dans l’extrême pauvreté. Le nombre de chômeurs dépasse la barre des 13 millions. La faim et la mortalité infantile sont de retour. La recherche du dialogue et de la paix a été remplacée par le discours et la pratique de la haine et de l’intolérance. Le Brésil saigne.
En ce moment de grande douleur, causée non seulement par les injustices commises contre moi, mais surtout par les graves menaces pesant sur la démocratie et les souffrances imposées à notre peuple, je tiens à remercier les expressions de solidarité qui m’arrivent du monde entier. Et réaffirmer que nous n’abandonnerons pas la lutte tant que le Brésil et les Brésiliens ne seront heureux à nouveau.