Uruguai discute alteração de lei que anistiou repressores da ditadura militar
Uruguai discute alteração de lei que anistiou repressores da ditadura militar
O Parlamento uruguaio discute projeto de lei que, se aprovado, invalidará lei que anistiou ex-repressores por crimes cometidos durante a ditadura militar no Uruguai (1973-1985), a chamada Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado.
A legislação pretende "deixar sem efeito os artigos 1,3 e 4" da lei de Caducidade, segundo o ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Luis Almagro. Ele explicou que o texto foi elaborado por representantes do governo do presidente José Mujica e do bloco governista Frente Ampla.
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Os artigos citados da lei de Caducidade determinam que crimes cometidos por funcionários do governo militar não poderão ser julgados por conta de um acordo feito entre as forças armadas e o poder civil para que a transição acontecesse “tranquilamente”.
Clique aqui para consultar a Lei de Caducidade.
O projeto será enviado ao Parlamento para votação e tanto na Câmara como no Senado, a Frente Ampla tem maioria.
Impasse
A iniciativa cria um impasse, pois plebiscitos mostraram o desejo da população em manter a lei, porém, o governo deseja cumprir acordos internacionais, como por exemplo, o Pacto de San José da Costa Rica. Uma das finalidades desse tratado é julgar casos de violação dos direitos humanos ocorridos em países que integram a OEA (Organização dos Estados Americanos).
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Se a lei for anulada, investigações de desaparecimentos, assassinatos, sequestros, torturas e outros crimes de violação de direitos humanos cometidos na ditadura poderão ser iniciadas.
No Uruguai, a lei de anistia foi promulgada em 1986 no primeiro governo da redemocratização, de Julio María Sanguinetti, e ratificada em dois plebiscitos, um realizado em 1989, e o outro, em 2009.
O projeto de lei divide opiniões. A deputada da Frente Ampla Daniela Payseé é das que defende a investigação de crimes da ditadura, mesmo diante dos resultados dos plebiscitos. Para a deputada, “o país tem acordos com organismos internacionais e o Estado uruguaio deve dar uma resposta. Tem que ser consistente e manter o equilíbrio entre as duas consultas populares e os acordos”.
"Com essa interpretação [feita a partir do novo projeto de lei] são ratificados os convênios e tratados internacionais em matéria de direitos humanos que o Uruguai assinou e que, portanto, fazem parte do direito interno. A Lei de Caducidade fica fora do marco normativo porque não os respeita", afirmou Payseé, citada pelo jornal uruguaio La Republica.
Por outro lado, alguns deputados oposicionistas não têm a mesma opinião e criticam a tentativa do governo. O ex-presidente Sanguinetti, por exemplo, disse, em entrevista à rádio El Espectador, que essa é uma atitude de “falta de respeito ao sistema institucional do país”.
“Uma lei que está há 23 anos vigente, agora se pretende anulá-la ou mesmo com os pronunciamentos dos cidadãos, do corpo eleitoral, que é o órgão máximo do nosso sistema institucional", disse.
Corte
O Uruguai está sendo processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, após denúncia feita por Macarena Gelman, cujos pais foram sequestrados em Buenos Aires, em agosto de 1976, e depois enviados a Montevidéu, onde foram assassinados. Estima-se que a sentença da Corte seja emitida até o final desse ano. Além disso, o país já foi condenado duas vezes pelo Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos pelos casos de impunidade.
Durante a gestão de Tabaré Vázquez (2005-2010), foi definida uma nova interpretação da lei, excluindo de seu alcance casos emblemáticos e outros vinculados ao roubo de crianças ou a crimes econômicos, o que possibilitou a prisão de ex-repressores como o ex-ditador Gregorio Alvarez (1981-1985).
De acordo com dados de organizações de defesa de direitos humanos do Uruguai, pelo menos 200 pessoas desapareceram durante a ditadura.
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'Base de um Chile mais justo', diz presidente da Constituinte na entrega de texto final
Ao cumprir um ano de debate, Convenção Constitucional encerra trabalhos com entrega de nova Carta Magna a voto popular
Aconteceu a última sessão da Constituinte chilena nesta segunda-feira (04/07) com a entrega de uma nova proposta de Constituição para o país.
"Esta proposta que entregamos hoje tem o propósito de ser a base de um país mais justo com o qual todos e todas sonhamos", declarou a presidente da Convenção Constitucional, María Elisa Quinteros.
Após um ano de debates, os 155 constituintes divulgaram o novo texto constitucional com 178 páginas, 388 artigos e 57 normas transitórias.
O presidente Gabriel Boric participou do ato final da Constituinte e assinou o decreto que convoca o plebiscito constitucional do dia 4 de setembro, quando os chilenos deverão aprovar ou rechaçar a nova Carta Magna.
"Hoje é um dia que ficará marcado na história da nossa Pátria. O texto que hoje é entregue ao povo marca o tamanho da nossa República. É meu dever como mandatário convocar um plebiscito constitucional, e por isso estou aqui. Será novamente o povo que terá a palavra final sobre o seu destino", disse.
No último mês, os constituintes realizaram sessões abertas em distintas regiões do país para apresentar as versões finais do novo texto constitucional. A partir do dia 4 de agosto inicia-se a campanha televisiva prévia ao plebiscito, que ocorre em 4 de setembro.
Embora todo o processo tenha contado com ampla participação popular, as últimas pesquisas de opinião apontam que a nova proposta de constituição poderia ser rejeitada. Segundo a pesquisa de junho da empresa Cadem, 45% disse que votaria "não", enquanto 42% dos entrevistados votaria "sim" para a nova Carta Magna. No entanto, 50% disse que acredita que vencerá o "aprovo" no plebiscito de setembro. Cerca de 13% dos entrevistados disse que não sabia opinar.

Reprodução/ @gabrielboric
Presidente da Convenção Constitucional, María Elisa Quinteros, e seu vice, Gaspar Domínguez, ao lado de Gabriel Boric
"Além das legítimas divergências que possam existir sobre o conteúdo do novo texto que será debatido nos próximos meses, há algo que devemos estar orgulhosos: no momento de crise institucional e social mais profunda que atravessou o nosso país em décadas, chilenos e chilenas, optamos por mais democracia", declarou o chefe do Executivo.
Em 2019, Boric foi um dos representantes da esquerda que assinou um acordo com o então governo de Sebastián Piñera para por fim às manifestações iniciadas em outubro daquele ano e, com isso, dar início ao processo constituinte chileno.
Em outubro de 2020 foi realizado o plebiscito que decidiu pela escrita de uma nova constituição a partir de uma Convenção Constitucional que seria eleita com representação dos povos indígenas e paridade de gênero.
"Que momento histórico e emocionante estamos vivendo. Meu agradecimento à Convenção que cumpriu com seu mandato e a partir de hoje podemos ler o texto final da Nova Constituição. Agora o povo tem a palavra e decidirá o futuro do país", declarou a porta-voz do Executivo e representante do Partido Comunista, Camila Vallejo.
A composição da Constituinte também foi majoritariamente de deputados independentes ou do campo progressista. Todo o conteúdo presente na versão entregue hoje ao voto público teve de ser aprovado por 2/3 do pleno da Convenção para ser incluído na redação final.
Com minoria numérica, a direita iniciou uma campanha midiática de desprestígio do organismo, afirmando que os deputados não estariam aptos a redigir o novo texto constitucional. Diante dos ataques, o presidente Boric convocou os cidadãos a conhecer a fundo a nova proposta, discutir de maneira respeitosa as diferenças e votar pela coesão do país, afirmando não tratar-se de uma avaliação do atual governo, mas uma proposta para as próximas décadas.
"Não devemos pensar somente nas vantagens que cada um pode ter, mas na concordância, na paz entre chilenos e chilenas e pela dignidade que merecem todos os habitantes da nossa pátria", concluiu o chefe de Estado.