Tá lá na página número um de qualquer manual do gerenciamento de crises: antes de se pronunciar publicamente a respeito de qualquer informação danosa à sua imagem, faça uma boa reunião com o assessor de imprensa e, principalmente, com o advogado. Conversem muito, usem essa reunião para esfriar os ânimos, verifiquem como dar ênfase positiva à notícia, por mais danosa que ela seja, e evite se complicar ainda mais com a justiça. Depois dessa reunião catártica, aí sim você vai a público falar sobre o ocorrido, de forma calma, tranquila e serena.
O nanossujeito que por ora ocupa a gigante cadeira da Presidência do Brasil fez tudo o que não se deve fazer nessas horas: foi a público com a cabeça quente, se exaltou e deu ainda mais ênfase a tudo o que foi dito de negativo contra ele.
Em live, ontem à noite no Brasil, madrugada no Oriente Médio, o indivíduo cujo nome me recuso a escrever berrou, exaltou-se, falou palavrões (tá certo que porra é vírgula no dialeto carioca, mas aquele porra que ele disse não foi vírgula, não…), repetiu e enfatizou tudo o que foi dito de negativo contra ele, não deu a ênfase devida à sua versão dos acontecimentos e se encalacrou ainda mais em sua implicação no caso Marielle.
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(É interessantíssimo observar que, depois de morta, Marielle tornou-se, à revelia, uma fantasma poderosa e terrivelmente assombrosa para o nanopresidente. Nenhum tradicional fantasma britânico conseguiu ser tão aterrorizante como Marielle.)
Mas eu falava do presidente e de sua inacreditável live de Facebook. Um estagiário em comunicação conseguiria recomendar a ele que destacasse que a própria reportagem do Jornal Nacional afirmou que, no dia e no horário em que o suspeito de assassinar a vereadora Marielle Franco chegou ao condomínio da Barra da Tijuca dizendo que ia à casa do presidente, ele estava em Brasília participando de votação em plenário. Junte a essa informação a declaração “estou tranquilo e sereno pois sei que a verdade virá à tona e ficará comprovada a minha inocência e a de meus filhos, muito obrigado” e pronto, tava tudo resolvido.
Mas o que os internautas assistiram foi uma verborragia incessante onde o nanossujeito apontou como inimigo qualquer coisa que passasse pela cabeça dele durante os longos, intermináveis 23 minutos em que falou. Do PSOL à Rede Globo, passando pelo governador fluminense Wilson Witzel e voltando às organizações Globo via revista Época.
Com isso, o presidente obteve a proeza de dar destaque a um possível adversário político em 2022, tornando-se praticamente um cabo eleitoral do governador carioca.
O nanossujeito conseguiu cair em contradição ao tentar defender a avó da esposa, e acabou por concordar com a condenação da senhorinha. Em seu processo de extravasar o nervosismo em live de Facebook, chegou ao ápice de dar a entender que sua esposa o estava traindo com outro homem, que teria atendido o interfone e falado que “era o Jair”. Juro que nessa hora eu voltei o vídeo pra confirmar o que ele havia insinuado. E a cerejinha do bolo: isso aconteceu aos 13 minutos da live.
Pensei em correlacionar a busca por inimigos à construção de um discurso populista de extrema direita nos moldes europeus, mas gostaria de trocar ideias com um psicólogo antes. O que a Internet presenciou está mais para, no mínimo, desequilíbrio emocional. Ali não havia concatenação de ideias, não havia construção de discurso, não havia nada. Apenas destempero emocional.
Se eu fosse uma pessoa boa, recomendaria ao nanossujeito que por ora ocupa a gigante cadeira presidencial duas coisas. Primeiro, que esfrie a cabeça antes de fazer live; segundo, que peça a seu ministro da justiça (e por favor, senhor revisor, tudo em minúsculas) o telefone do gestor de crises que foi indicado a ele (adoraria saber quem indicou o gestor de crises, e quem é esse gestor). O ministro da justiça, sim, tem um discurso concatenado, sabe como desmerecer e desqualificar seu antagonista e sabe sair pela tangente, quando o assunto é Vaza Jato.
Mas eu sou uma pessoa má e, enquanto penso que o ministro da justiça também teria muito a ganhar com o que está sendo divulgado pelo Jornal Nacional, verifico que tenho apenas um saco de pipocas na minha despensa e nenhum guaraná. Tenho que comprar mais.
Letícia Sallorenzo, jornalista e linguista, é autora de Gramática da Manipulação: como os jornais trabalham as manchetes em tempos de eleições (e em outros tempos também).