A multidão que ocupa as ruas de Santiago, no Chile, durante a greve nacional de trabalhadores convocada para esta terça-feira (12/11), já têm no horizonte um cenário mais otimista de mudanças estruturais no país.
A Comissão de Constituição da Câmara dos Deputados do Chile aprovou, na segunda-feira (11/11), após cerca de 10 horas de debate, a realização de um plebiscito para a criação de uma nova Constituição para o país dentro de 90 dias. O colegiado também convocou um plebiscito de ratificação do documento, para ser realizado após a redação da nova Carta Magna.
As medidas ainda passarão por outras etapas de avaliação, como, por exemplo, uma votação no plenário da Casa, mas, apesar de esse ainda ser um primeiro passo rumo à elaboração de um novo referencial legal, a novidade é considerada um elemento de peso político em meio à luta que vem sendo travada por segmentos populares no país.
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Essa é avaliação da historiadora Joana Salém, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e especialista nos temas da América Latina, com destaque para o contexto chileno.
“Ela chancela que essa proposta é constitucional, que é possível realizar isso. Então, o fato de a Comissão de Constituição ter aprovado é muito importante porque desarma a narrativa da direita e do governo de que um plebiscito que reforme a Constituição é inconstitucional”, afirma a pesquisadora.
A novidade se dá em meio a uma eclosão de protestos populares que já duram quatro semanas no país e contabilizam mais de 5 mil prisões e pelo menos 1.700 pessoas feridas pela repressão policial.
Entre outras coisas, os manifestantes clamam pela efetivação de direitos sociais travados pela pauta neoliberal, em que o país mergulhou nas últimas décadas, impulsionada pelo governo militar de Augusto Pinochet (1973-1990).
O regime promoveu uma onda de privatizações que atingiu serviços como abastecimento de água, sistema previdenciário, saúde, educação e transporte.
Reprodução/Cut Chile
Movimentos sociais realizam greve geral no Chile nesta terça-feira
A agenda impôs à população um alto custo de vida, tema que hoje está na centralidade dos protestos. No caldeirão de problemas que assolam o país, a atual Constituição, concebida na época de Pinochet, é vista como um empecilho à promoção de reformas estruturais que estejam em consonância com as demandas das ruas.
Joana Salém explica que a Carta Magna contém dispositivos que engessam as políticas do país. Apesar de ter sofrido alterações no ano de 2005 pelo Congresso Nacional, o texto continua restringindo demandas sociais, como é o caso da participação popular nas decisões.
“O que permanece depois de 2005 que incomoda é o próprio conceito de Estado subsidiário, que é a ideia neoliberal de que o Estado não tem nenhuma obrigação perante a garantia dos direitos sociais. E a Constituição de 1980 obstrui a possibilidade de criação de sistemas de direitos sociais”, afirma Salém.
Na agenda que hoje os movimentos populares levam às ruas do país, figuram pontos como a instituição de sistemas públicos e gratuitos de saúde e educação, além da criação de um sistema público tripartite e solidário de Previdência.
É nesse contexto que começa a ganhar maior fôlego, entre a população e entre parlamentares de esquerda e de centro, a ideia de uma Assembleia Constituinte específica para conceber uma nova Constituição para o país.
Segundo explica Salém, o caminho pra se chegar numa Constituinte que funcione paralelamente ao Congresso ainda exige algumas etapas.
A proposta popular contrasta com a do governo do atual presidente, Sebastián Piñera, que defende um Congresso Constituinte, o que significa basicamente que os atuais parlamentares iriam modificar o arcabouço constitucional chileno.
“Isso entra em conflito com a proposta das ruas porque o clamor popular é por uma nova Constituição, e não por uma reforma na que já existe. Nesse sentido, o Congresso poderia fazer reformas nela, mas não criar uma nova. Não é à toa que essa Constituição atual foi produzida na ditadura, porque ela tem um mecanismo blindado, e o desafio dos movimentos populares e seus representantes é justamente desarmar essa blindagem, desconstruí-la, por isso que não é algo tão simples”, explica a historiadora.