Rever as leis que tornaram impunes os crimes cometidos em ditaduras da história recente da América Latina pode evitar que futuras violações de direitos humanos sejam cometidas, afirmaram representantes das associações argentinas Avós e Mães da Praça de Maio durante encontro realizado na quinta-feira (23/9), na PUC (Pontifícia Universidade Católica), em São Paulo.
“Visitamos o Memorial da Resistência [em São Paulo] e vi o número de desaparecidos da ditadura no Brasil. É importante lembrá-los, mesmo que não se saiba do paradeiro deles, mesmo que nunca tenham voltado a aparecer”, disse Carmen Lapaco, das Mães da Praça de Maio – Linha Fundadora.
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Com base na experiência da Argentina, as associações defenderam que punir os agentes da repressão é “inevitável para a consolidação da democracia”, e que o erro da Argentina foi ter esperado quase duas décadas, após o fim do regime militar, para anular as leis que anistiavam os militares.
As militantes disseram também que os países que passaram por ditaduras devem facilitar a busca das famílias pelos documentos que possam esclarecer o paradeiro de familiares desaparecidos. Para elas, julgar e punir agentes da repressão não são apenas “atos pela justiça e pela verdade, são atitudes em memória das vítimas do terrorismo de Estado e muito importantes para a história do país”.
“Vocês não imaginam como é importante assistir a um julgamento. Quando as vítimas depõem, saem dali com a sensação de que foram libertadas, apesar de ser muito duro escutar dos repressores as torturas feitas com a sua filha, ou com um parente desaparecidos”, contou Vera Jarach, presidente da entidade argentina Familiares de Desaparecidos e Detidos por Razões Políticas.
Militares e funcionários do governo da última ditadura militar da Argentina (1976-1983), na qual estima-se que desapareceram 30 mil pessoas, foram anistiados pelas Leis de Ponto Final, de 1986, e pela Obediência Devida, de 1987. As duas medidas foram anuladas pelo Congresso Nacional em julho de 2005, após um debate que durou cerca de dois anos. Desde então, os agentes da repressão têm sido processados – entre eles o primeiro presidente do regime, Jorge Rafael Videla. Segundo Vera, “são tantos julgamentos que, se você quiser acompanhar um por dia, não consegue”.
Perspectivas
As Mães e Avós disseram também que, apesar da idade, elas têm muitos objetivos e não deixarão as associações.
”Perguntam se nós não nos cansamos de lutar. Costumo dizer que somos saudáveis, digo ‘Veja, eu posso andar’. E quando não conseguir mais andar, vou de bengala”, contou, rindo, Carmen Lapaco, para o auditório, com 230 cadeiras, que estava lotado de estudantes e professores, disputando espaço nos corredores.
Segundo elas, um de seus principais objetivos é politizar os jovens. “Nossa luta hoje é para que os jovens façam políticas com as próprias mãos, ensiná-los a lutar pelas próprias causas” , afirmou Vera. “Não fazemos caridade. Nós queremos mudanças. E mesmo após mais de trinta anos de luta, muita gente não gosta de nós”, completou Estela de Carlotto, presidente das Avós, que, aos 80 anos, continua procurando por sua neta.
“Minha filha foi executada dois meses após dar a luz. O bebê foi adotado quando ainda era muito pequeno e até hoje eu ainda não o encontrei. Mas sei que ele está me esperando em algum lugar do país, do mundo, quem sabe? Esses bebês sabem que aqueles não são seus pais de verdade, que aqueles pais mataram seus verdadeiros pais. Eles [netos] têm necessidade de encontrar essa verdade. É uma “luta dupla”, afirmou.
As quatro representantes das associações argentinas vieram a São Paulo para participar de uma mesa redonda com integrantes das entidades de direitos humanos brasileiras Mães de Maio, Observatório das Violências Policiais e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos.
Historia das Associações
Em abril de 1977, um grupo formado por quatorze mulheres de Buenos Aires começou a procurar por seus filhos desaparecidos e a cobrar uma resposta do governo militar. Esse movimento deu origem a uma das mais importantes organizações de direitos humanos do país, as Mães da Praça de Maio.
Em outubro do mesmo ano, surgiram as Avós da Praça de Maio, associação formada também por mães de desaparecidos. Mas, no caso delas, suas filhas ou noras foram sequestradas ainda grávidas e elas buscavam os bebês nascidos nas prisões clandestinas, que eram entregues a militares ou a simpatizantes do regime.
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Durante a redemocratização, a Mães se dividiu e deu origem a duas entidades distintas: Mães da Praça de Maio (presidida por Hebe de Bonafini) e Mães da Praça de Maio – Linha Fundadora (presidida por Marta Ocampo de Vásquez). A separação foi feita por razões politicas, por discordarem do modo como proceder diante das leis de Ponto Final e de Obediência Devida e na maneira como deveriam preservar a memória dos desaparecidos.
As mães que militam nas associações são conhecidas pelos lenços brancos, nos quais estão bordados os nomes dos filhos e a data em que desapareceram, e também pelas marchas que realizam até hoje nas quintas-feiras na Praça de Maio. Inicialmente, elas apenas se reuniam na praça, na frente da casa Rosada, sede do governo. A ideia de percorrerem o local juntas para protestar surgiu ainda durante a ditadura argentina, quando um dos policiais ordenou que elas não ficassem ali paradas, já que era proibido fazer reunião com mais de três pessoas.
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