A Venezuela se prepara para suas próximas eleições parlamentares, que serão realizadas no dia 6 de dezembro. De acordo com o calendário oficial, no próximo dia 10 de agosto os candidatos apresentam suas postulações ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e, no dia 15, serão efetuadas as primeiras auditorias no sistema eleitoral.
Faltando apenas quatro meses para o pleito, ainda são muitas as dúvidas que pairam sobre as eleições. O governo dos Estados Unidos já sinalizou que não as reconhecerá, assim como a Organização de Estados Americanos (OEA). Justamente por isso, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, pediu ao CNE que convide a União Europeia (UE) e a Organização das Nações Unidas (ONU) para acompanhar como observadores internacionais.
O fato é que com ou sem o apoio internacional, o pleito irá acontecer, segundo o governo. E, enquanto o chavismo se articula para reorganizar sua base social, a oposição está dividida entre seguir a (desgastada) liderança do deputado Juan Guaidó ou investir em novos nomes.
Reorganização da base
O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) vem tentando reorganizar sua base, desde que, em 2015, perdeu a maioria na Assembleia Nacional. Segundo a secretária nacional de Agitação, Propaganda e Comunicação do partido, a deputada Tánia Díaz, o PSUV montou organizações de base, chamadas de Unidades de Batalha Hugo Chávez, que organizam sua militância em todo o país.
Essa estrutura abriga outras, que estão distribuídas por hierarquias conforme sua expansão geográfica e social. A menor estrutura é a de líderes de rua, formada por 988 mil pessoas – 80% delas, mulheres. Depois vêm as líderes de área, que abarcam, em média, dez ruas. Acima delas, está a líder de comunidade ou comuna, composta atualmente por 47 mil líderes, e as líderes da UBCH, que são 14 mil no total. Em seguida vêm os diretórios municipais, estaduais e a direção nacional.
Com esse modelo, o PSUV estabeleceu entre seus militantes uma rotina de visitas de casa em casa para verificar se políticas sociais estão chegando às comunidades pobres do país e quais as necessidades de cada família. No ano passado, foram visitadas mais 10 milhões de residências.
A dona de casa Janet Melian, 49 anos, é líder de rua no bairro de Petare, a maior favela de Caracas. “Nossa tarefa é cuidar de todas as famílias da rua, como se fossem a nossa. Verificamos se benefícios sociais do Estado estão chegando, se as crianças estão matriculadas e vacinadas, se têm acesso a saúde e medicamentos, quando precisam. Se falta algo, falamos com nossas líderes e cobramos das instituições do Estado”, ressalta.
Dessa forma, o partido já conseguiu expandir sua base. Em 2015, quando perdeu a maioria do Congresso para a oposição, o PSUV tinha 5 milhões de militantes. Hoje, tem 7,8 milhões. É um dos maiores partidos do mundo, sendo superado apenas pelo Partido Comunista da China, com 81 milhões de militantes.
“Nossa forma de organização também foi sendo adaptada conforme nossas necessidades, na medida em que fomos sofrendo ataques a nossa economia. Tivemos que dar uma resposta organizativa e social”, afirma Díaz.
A influência das estruturas partidárias é chave para aumentar a ida às urnas. Dada a pressão internacional contra o país, é importante que a abstenção seja a menor possível. No caso do chavismo, poder mostrar a força de sua base com uma votação em massa é um triunfo eleitoral importante.
Estratégias do chavismo
Uma das estratégias do chavismo tem sido defender, na mesa de negociação com a oposição, a ampliação do número de organizações políticas que seriam habilitadas pelo CNE para participar da eleição. O número de vagas para o Congresso passou de 167 para 277 deputados .
As propostas vêm acompanhadas de uma mudança, já estabelecida, na forma em que serão eleitos os parlamentares. Nas próximas eleições, 114 deputados (52%) entrarão por voto proporcional, como normalmente já acontece. Já os demais parlamentares, 133 (48%), serão escolhidos por representação proporcional nominal, mais parecido ao atual modelo brasileiro.
Segundo o historiador e político chavista Francisco Ameliach, “essa fórmula, que une os dois sistemas, oferece mais oportunidade aos partidos minoritários. Isso representa mais democracia”. Dessa forma, os partidos menores, regionais e indígenas podem ocupar mais espaço na política e atrair os eleitores dos partidos opositores que não vão participar. O objetivo é desbancar os partidos que hoje são apoiados pelos Estados Unidos.
Mesmo com estes movimentos, o chavismo sofreu uma divisão na coalizão eleitoral Gran Polo Patriótico, que reúne o PSUV, o Partido Comunista da Venezuela (PCV), o Movimiento Revolucionario Tupamaro, Patria para Todos (PPT), Corrientes Revolucionarias Venezolanas e Redes. Em um comunicado, divulgado no começo de agosto, o PCV e o PPT informaram que decidiram lançar candidatos em uma frente separada do PSUV, mas afirmam que, de qualquer forma, estarão juntos no Congresso.
Desgaste de Guaidó
Já no lado da oposição, analistas políticos, jornalistas e políticos consideram que a imagem do deputado (e presidente autoproclamado) Juan Guaidó está desgastada. Nesse sentido, a jornalista e articulista de opinião Patricia Poleo afirma que, depois de um ano e meio, a liderança de Guaidó está chegando ao fim. “Guaidó está de saída, porque já leva um ano e meio e não pode cumprir o que prometeu”, critica. Poleo, que se identifica como opositora ao governo Maduro, está radicada em Miami (EUA) e mantém um canal no YouTube de grande audiência na Venezuela.
Ela explica que o dilema da oposição consiste em que, “se aceitar competir nas eleições parlamentares, o mandato do deputado Guaidó chegará ao fim e, com isso, ele perderá o reconhecimento institucional dos Estados Unidos como ‘presidente interino’”.
Joka Madruga/Terra Livre Press/ComunicaSul/FlickrCC
Oposição e chavismo se preparam para eleições legislativas de dezembro
Para participar da eleição e manter a mesma força política, a oposição teria que ganhar a maioria das vagas do Congresso, como o fez em 2015. Porém, o cenário eleitoral não favorece os opositores, já que esses partidos sofreram derrotas nas últimas três eleições (para governador, prefeito e presidente), ocorridas entre 2017 e 2019.
Portanto, caso fosse derrotada nas próximas eleições, a oposição perderia também o controle das empresas estatais venezuelanas em território colombiano e estadunidense, que, hoje, são controladas pelo líder opositor.
Capriles de volta?
Um dos nomes cotados para assumir a liderança opositora é o do ex-governador do estado de Miranda e ex-candidato a presidente em 2012 e 2013 Henrique Capriles, do partido Primero Justicia. No ano passado, Capriles apoiou publicamente Guaidó, mas, em maio deste ano, retirou seu apoio e agora é um dos seus principais críticos dentro da oposição. Ele defende que se deve abrir espaço para novos líderes. “Defendemos uma solução negociada [com o governo], com outras condições, com novos atores políticos”, disse.
Para ele, a oposição está destruída e em seu pior momento. “A oposição nunca esteve em uma situação de inércia e de grande contradição como agora. Vão continuar mentindo para as pessoas? Vamos continuar exercitando um governo de internet? Vamos ser sérios”, disse, durante uma live em sua conta no Twitter, no último dia 30 de julho.
Para Capriles, a oposição precisa mudar de rumo. “Temos que ter os pés no chão. Você [Guaidó] tinha um plano e falhou, vamos insistir nesse erro? Acabou. Você precisa reconstruir, desbloquear o jogo, pensar na maioria do país, ver como eles [os opositores] podem se expressar”, frisou Capriles.
A perda de popularidade de Guaidó representa uma “mudança dramática no interior da oposição”, avalia o analista político opositor e diretor da empresa de pesquisa de opinião Datanális Luis Vicente León. Ele afirma também que, apesar de esse setor ter sofrido divisões internas, uma eleição sem o campo político de Guaidó não resolveria a atual crise política do país.
O analista diz ainda que todos os partidos podem perder uma fatia de poder no próximo embate, mas, por outro lado, a oposição corre o risco de divorciar-se definitivamente de sua base. “Teremos partidos de oposição que vão participar das eleições, mesmo sem a confiança da base, pois se sentaram para negociar com o governo. E também partidos que vão optar pela abstenção, mas sem oferecer alternativa à população”, disse.
Extensão de mandato
A proposta da bancada da ala mais radical da direita é votar uma medida na Assembleia Nacional da Venezuela para estender os mandatos dos atuais parlamentares e adiar as eleições por tempo indeterminado. A medida foi sugerida durante uma sessão legislativa, onde participaram apenas aliados de Guaidó, mas não foi à votação. Além disso, a Constituição da Venezuela não prevê a extensão de mandato para nenhum cargo eletivo.
No começo do mês, o líder da oposição deixou claro que não participará das próximas eleições, argumentando que haverá fraude. “Os partidos políticos da Unidade (coalizão que reúne 26 partidos nacionais e regionais) decidem não participar da fraude [eleitoral]”, publicou a assessoria de comunicação de Guaidó. Entre eles, estão pelo menos 20 organizações políticas regionais e que atualmente não contam com representação no Congresso. No total, a Venezuela possui 105 partidos habilitados e que poderão participar dessas eleições, segundo o CNE.
Por outro lado, há um setor moderado, que mantém uma mesa de diálogo com o governo de Nicolás Maduro desde o ano passado. Fazem parte dele partidos como Avanzada Progresista, Movimiento Al Socialismo (MAS), Esperanza por el Cambio, Soluciones para Venezuela, Cambiemos e Copei.
Esses partidos apostam nas eleições como uma saída pacífica para as diferenças políticas e negociam a conformação de regras equilibradas para a campanha eleitoral. O cálculo político de muitos dos dirigentes é que, a partir dos resultados eleitorais, podem se consolidar como novas lideranças dentro de seus partidos, para, no futuro, brigarem por um destaque nacional.
Há relatos de negociações com o governo de uma parte dos dirigentes dos quatro principais partidos da base de apoio a Guaidó: Primeiro Justicia, Ação Democrática, Un Nuevo Tiempo e Voluntad Popular. Essa informação foi publicada recentemente pela página de notícias Panampost, de linha opositora e com sede em Miami.
Segundo o Panampost, em janeiro deste ano, teria acontecido uma reunião entre Maduro, o ministro de Comunicação Jorge Rodríguez, representante do governo em mesas de negociação, e dirigentes opositores como Capriles, o presidente de Un Nuevo Tiempo, Manuel Rosales, e o secretário-geral do Ação Democrática, Henry Ramos Allup. O encontro teria sido feito em um “território neutro”, na casa de um empresário, em Caracas.
De acordo com a reportagem, os três líderes chegaram a um acordo com Maduro para participar das eleições. Porém, dias depois, Ramos Allup teria recebido uma advertência dos Estados Unidos, de que seria sancionado pela administração Trump caso participasse de qualquer acordo com o governo e das eleições. Por isso, Allup teria voltado atrás em sua decisão. “Foi aí que começou a formar-se um racha que dividiria o partido em dois, meses depois”, diz o site.
Em junho, o secretário de Organização do partido Ação Democrática, Bernabé Gutiérrez, o segundo homem na hierarquia do partido, entrou com uma ação no Tribunal Superior de Justiça (TSJ) pedindo a anulação da diretoria do partido e o reconhecimento de uma diretoria provisória. A liminar foi concedida e, dessa forma, Ação Democrática poderá postular candidatos às próximas eleições.
O exemplo foi seguido por dirigentes das outras três organizações políticas da base de Guaidó, incluindo o próprio Voluntad Popular, partido liderado por Leopoldo López e pelo qual foi eleito deputado em 2015. Todos eles agora possuem diretorias provisórias que já declararam que vão participar das próximas eleições.