O governo federal está discutindo uma Medida Provisória (MP) que liberaria R$ 390 milhões para universidades e instituições completarem seus estudos de desenvolvimento de vacinas nacionais contra a covid-19.
Segundo publicado pela Folha, o Brasil tem 15 iniciativas candidatas a vacinas nacionais contra o novo coronavírus, de acordo com um relatório do Ministério da Saúde realizado há menos de dois meses. Entre os desenvolvedores estão as duas principais referências do país em imunizantes: o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
As vacinas nacionais ainda estão, em sua maioria, nos ensaios pré-clínicos, ou seja, uma etapa limitada às análises experimentais em células ou em animais, procedimentos que são executados antes das pesquisas em seres humanos, quando passam a ser realizadas as fases 1, 2 e 3.
Um dos projetos está sendo desenvolvido pela Fiocruz em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A Sputnik Brasil conversou com Flávio Guimarães da Fonseca, virologista do Departamento de Microbiologia da UFMG e do Centro de Tecnologia de Vacinas (CT-Vacinas) da mesma instituição.
O virologista participa da iniciativa e explicou que ela é uma vacina de vetor viral que, como todas as demais estudadas no Brasil, ainda está em uma fase muito anterior a de grandes laboratórios e instituições internacionais de renome.
"A pesquisa ainda está no que chamamos fase de desenvolvimento ou pré-clínica. A nossa vacina aqui da Fiocruz-MG está sendo testada em animais. À medida que resultados bons ou ruins vão acontecendo volta-se à prancheta e altera-se pequenos aspectos do produto para melhorar sua imunogenicidade da resposta nos animais. Então, nenhuma vacina genuinamente brasileira se encontra na fase de desenvolvimento clínico, na fase de testes em seres humanos", completou Fonseca.
A imunogenicidade é a capacidade de uma substância provocar uma resposta imune, como o desenvolvimento de anticorpos antimedicamentos biológicos pelo sistema imune do paciente. O desenvolvimento de anticorpos pode resultar em reações infusionais ou diminuição da eficácia do produto, devido à inativação do medicamento.
Em que consistem as fases de testes para a produção de uma vacina?
Segundo descrito no site da Organização Mundial da Saúde (OMS), as vacinas mais comumente usadas já existem há décadas, com milhões de pessoas recebendo-as com segurança todos os anos. Como acontece com todos os medicamentos, toda vacina deve passar por testes extensivos e rigorosos para garantir que seja segura antes de poder ser introduzida em um país.
Uma vacina experimental deve ser testada pela primeira vez em animais para avaliar sua segurança e potencial para prevenir doenças. Esta é a fase pré-clínica, que envolve diversos experimentos laboratoriais, em células cultivadas in vitro e também testes em animais. Aproximadamente 90% dos compostos são reprovados nesta fase, não se dando sequência em seu desenvolvimento.
Em seguida, os testes passam para ensaios clínicos humanos, em três fases:
Fase 1: Pequenos grupos de 20 a 100 indivíduos são analisados, e verifica-se neste momento a dosagem e os efeitos colaterais. Cerca de 70% dos compostos aprovados na fase pré-clínica são reprovados na fase 1.
Fase 2: Os testes agora são realizados em grupos de 100 a 300 pessoas. O objetivo é verificar a eficácia da futura vacina e seus possíveis efeitos colaterais.
Fase 3: É a última fase dos testes clínicos, nos quais a vacina é testada em grupos de 300 a 3 mil pessoas. De cada dez compostos que chegam até esta fase, geralmente sete são reprovados.
Assim que os resultados dos ensaios clínicos ficam disponíveis, uma série de etapas é necessária, incluindo revisões de eficácia, segurança e fabricação para aprovações de políticas regulatórias e de saúde pública, antes que uma vacina possa ser introduzida em um programa nacional de imunização.
Segundo o virologista Flávio Guimarães da Fonseca, até o final de 2021 a pesquisa da Fiocruz/UFMG poderá entrar em testes da fase clínica.
"Mas isso obviamente depende do sucesso, cada etapa do desenvolvimento vacinal só progride para a etapa seguinte quando há sucesso na anterior. Então, se tudo acontecer perfeitamente, os testes clínicos começam em seres humanos no final de 2021, início de 2022", declarou, confiante, o pesquisador da UFMG.
E finalmente, ainda pode-se falar em uma fase 4, quando a vacina já está sendo comercializada. Nesta etapa, ocorre o acompanhamento de grupos de pessoas que receberam doses do composto. Este procedimento tem o objetivo de verificar se a vacina está atingindo a eficácia desejada pelo fabricante.
Quem está desenvolvendo as vacinas nacionais?
Segundo relatório do Ministério da Saúde concluído há cerca de dois meses, as instituições que estão fazendo os estudos para a vacina nacional contra o novo coronavírus são as seguintes:
- Bio-Manguinhos/Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz);
- Instituto René Rachou (Fiocruz/MG)/Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCTV);
- Instituto Butantan/Dynavax/PATH;
- Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo);
- Instituto de Ciências Biomédicas da USP (Universidade de São Paulo);
- UFV (Universidade Federal de Viçosa);
- Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo);
- UFPR (Universidade Federal do Paraná);
- UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais);
- Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP (Universidade de São Paulo);
Segundo a reportagem da Folha, oito estudos já receberam recursos federais por meio de uma chamada pública anterior, criada para bancar o desenvolvimento de pesquisas sobre a covid-19 no país.
Uma chamada pública ou audiência pública é a forma de juntar possíveis licitantes para que todos deem suas opiniões para um certame que será proposto. O objetivo de uma audiência pública é ouvir a opinião da maior parte possível. Sempre deverá haver Audiência Pública nos casos de contratações de grande vulto, de similaridade entre objetos e frequência de compra, como é o caso das pesquisas sobre vacinas contra a covid-19.
Esses estudos se enquadram na política do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), que defende a necessidade de autonomia para enfrentar a covid-19, pois o "apoio ao desenvolvimento de uma vacina nacional é fundamental na busca por independência tecnológica de nosso país".