O historiador e youtuber Jones Manoel disse, em entrevista a Breno Altman durante o programa 20 MINUTOS desta segunda-feira (01/03), que o Partido dos Panteras Negras foi uma organização marxista e revolucionária, muito inspirada no maoísmo.
“A criação do Partido dos Panteras Negras foi a culminação de um longo processo histórico de organização da classe trabalhadora negra revolucionária”, explicou. Segundo o historiador, quando o Partido Comunista estadounidense foi criado, a Internacional Comunista obrigou-os a integrar o proletariado negro, o que difundiu o marxismo entre esse setor da população.
Assista à entrevista na íntegra:
Os Panteras Negras, porém, surgiram muitos anos depois, em 1966, como “tributária direta da última fase da vida do Malcolm X e cuja principal função era combater a violência policial, compreendendo que, no sistema burguês racista, a população negra não desfrutava de direitos de cidadania”.
Como contexto, Jones explicou que Malcolm X, no início de sua militância, formava parte do grupo Nação do Islã, que colocava o homem branco como centro de todo o mal. Foi apenas após sua viagem à África e ao Oriente Médio, onde entrou em contato com o pan-africanismo, que assumiu uma perspectiva anticapitalista. “Mas Malcolm X nunca foi abertamente marxista. Os Panteras Negras que abraçaram essa bandeira”, contou.
A organização aceitava somente negros como filiados, apesar do partido nunca ter desprezado a importância de unir todos os grupos explorados da população. Destacou a liderança de Fred Hampton, em Illinois, como exemplo do esforço para unir brancos pobres, a comunidade latina, os descendentes de indígenas, entre outros grupos.
“Eles entendiam que todos os explorados e oprimidos deveriam se unir, mas era importante para o proletariado negro garantir sua luta e se constituir como força política. Nunca foi uma formação identitária nesse sentido”, argumentou.
O Partido dos Panteras Negras
Além de Malcolm X, outras fontes teóricas do movimento foram W.E.B. Du Bois e sua análise crítica do racismo dos EUA; autores de corrente panafricanista marxistas e não marxistas que atrelavam o racismo ao colonialismo; e teóricos marxistas como Lênin, Mao Zedong, Ho Chi Minh e Frantz Fanon.
Apesar dessa base comum, segundo o historiador, havia fortes divergências internas. De um lado, existia o grupo nacionalista. “Alguns compreendiam que a questão racial era fundamentalmente uma opressão nacional, uma ocupação colonial, praticamente, como se a população negra fosse uma nação colonizada por outra maior, o que colocava como objetivo criar um Estado negro independente dentro dos EUA”, explicou.
De outro lado, havia o setor marxista. “Essa ala pensava a população negra como massa explorada por um sistema que deveria ser destruído, pensava na luta proletária como um movimento revolucionário por excelência”, disse.
Conheça mais sobre os Panteras Negras:
‘Sou um revolucionário e um otimista’, diz ex-Pantera Negra
Panteras Negras foram vanguarda dos anos 60
Um homem que não queria mais senhores
Lista reúne os 54 presos políticos nos Estados Unidos
Estados Unidos ocultam informação sobre presos políticos
Programa secreto do FBI coordenou repressão política nos Estados Unidos
Ex-prisioneiros, libertos, organizam solidariedade a atuais detentos
Com relação a táticas e estratégias, entretanto, o partido agia de forma mais unificada. Não descartavam a via da violência, “mas nunca desprezaram a institucionalidade”. Segundo o historiador, o partido tinha grande “flexibilidade tática”, inclusive optando por instrumentos de assistencialismo.
“Eles investiram em uma estratégia preconizada por Mao Zedong: para organizar o povo, é preciso conquistar sua simpatia, oferecendo o que o Estado não fornecia. Criaram creches comunitárias, bibliotecas, serviços de café da manhã, enfim, uma rede de assistência social muito importante considerando o pouco tempo que o partido existiu”, resgatou. “E nisso entrava o processo de formação política, o trabalho de recrutar a comunidade por meio de uma integração orgânica.”
Vida curta
A existência do Partido dos Panteras Negras não durou nem duas décadas (1966 – 1982). Jones citou três fatores principais para explicar seu fim prematuro.
O primeiro foi a incapacidade do partido de se organizar a nível nacional, apesar do impacto midiático e político. “Mesmo em seu auge era uma organização pequena, sem uma massa grande de militantes”, reforçou.
O segundo, relacionado ao primeiro, foi a incapacidade de solidificar uma união, menos ainda a nível nacional, com as classes trabalhadoras brancas. “E o partido dependia de uns poucos líderes que foram sendo presos ou mortos. Depois do assassinato de Fred Hampton entraram em decadência, não conseguiram renovar as lideranças”.
Por fim, Jones cita a máquina de repressão montada pelo governo dos EUA, protagonizada pelo FBI, para desmontar os Panteras Negras, considerados o principal grupo de ameaça à ordem. As estratégias envolviam os órgãos de segurança pública de vários níveis e uma rede imensa de informantes que levaram a assassinatos e prisões ilegais.
“Foi uma coisa realmente brutal, poucos sobreviveram. Cortaram as cabeças do partido, deixando-o acéfalo de lideranças. Eles não conseguiram resistir”, afirmou o historiador.
Legado e esvaziamento ideológico
Atualmente, Jones ponderou que pouco resta do legado dos Panteras Negras nos EUA, “porque seu processo de recuperação foi muito mediado pela indústria cultural e a domesticação da esquerda”.
Ele afirmou que a reapropriação da estética da organização, pelos setores liberais do movimento negro, a esvazia de seu significado revolucionário, “desprezando sua linha marxista e o debate revolucionário”.
Olhando para o Brasil, Jones afirmou que um partido como o dos Panteras Negras não conseguiu existir porque o comunismo brasileiro assimilou com muita facilidade o discurso da democracia racial.
“Por outro lado, muitos não unem a questão racial com a questão da sociedade de classes. Falta no Brasil um partido marxista que olhe para o país e centre os esforços em organizar a população negra da classe trabalhadora e disputar, combater o discurso antirracista liberal que não é nem libertador, nem revolucionário”, finalizou.