Em entrevista a Breno Altman, durante o programa 20 MINUTOS desta sexta-feira (05/03), o economista e ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli disse não acreditar ser possível restaurar totalmente o desmanche que está sendo feito na estatal, ainda que Bolsonaro seja derrotado por um partido progressista nas eleições de 2022.
Ele lamentou a situação atual da empresa, dizendo ser impossível em alguns aspectos reverter seu processo de desmanche. Para ele, a Petrobras nunca mais será o que foi, “não será mais a âncora do desenvolvimento brasileiro”.
Assista à entrevista na íntegra:
Comentando a mudança radical na política da companhia, ele explicou que começou em 2016, com o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff. “A Petrobras queria ser uma grande empresa de energia, ocupar o centro de uma política internacional que viabilizaria a expansão do mercado brasileiro. Tudo isso foi abandonado para que ela se transformasse numa empresa que gerasse caixa a curto prazo. Então abandonou todas as atividades em terra, vendeu distribuidoras, concentrou sua atividade de produção quase exclusivamente na Bacia de Santos. Virou uma empresa pequena de exportação de petróleo. É lamentável, mas essa mudança é tão grave que acho difícil revertê-la completamente”, argumentou.
Segundo ele, essa mudança foi realizada porque a Petrobras vinha sofrendo perdas. O preço do petróleo havia caído dramaticamente e a taxa de câmbio variou muito, aumentando a dívida da empresa e provocando uma crise financeira a curto prazo. Gabrielli defendeu que isso poderia ter sido superado com o alongamento da dívida e sua renegociação, mas, no meio tempo, houve a Operação Lava-Jato, “que destruiu a reputação da Petrobras e praticamente impossibilitou a empresa de renegociar sua dívida”.
Com o governo Bolsonaro, seu desmonte tem ficado cada vez mais evidente e se traduzido no aumento dos preços da gasolina, diesel e gás de cozinha. Gabrielli explica que o aumento no preço do barril foi resultado de três fatores. O primeiro, o horizonte do fim da pandemia devido ao aumento da vacinação que levará a uma retomada econômica. O segundo se deve à decisão da OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo) com a Rússia de segurar a produção. E, terceiro, o prolongamento das taxas de juros baixas e a falta de alternativa de investimentos que fez com que a comercialização do petróleo virasse alvo do mercado financeiro.
No entanto, esse aumento não precisava ser revertido, pelo menos não imediatamente, para o consumidor. “Nem os Estados Unidos fazem uma atrelamento imediado do preço do petróleo com o preço nas bombas. O Brasil, como aconteceu durante os governos do PT, também não tinha que fazê-lo”, justificou.
“O preço na bomba dos derivados tem mais a ver com opção política e econômica do que com a realidade dos preços”, concluiu.
Avaliando a postura de Bolsonaro de nomear o general Joaquim Silva e Luna como novo presidente da Petrobras com o argumento de querer abaixar os preços, Gabrielli admitiu que não sabe como o presidente “sairá dessa”.
“Se de fato ele quiser mudar a política de preços, a política de vendas de refinarias vai ter que mudar, portanto terá que mudar a política neoliberal de destruição da Petrobras. O quanto ele quer fazer isso, eu não sei”, disse.
Ele também não se mostrou otimista com relação a ter um militar à frente da empresa e disse que vê apenas uma tendência a uma militarização cada vez maior da empresa. “Os militares já não têm mais uma corrente nacionalista significativa como no passado. Não vejo diferença entre Castello Branco [o ex-presidente da companhia] e Silva e Luna”, afirmou.
‘Reestatizar a Petrobras não é possível’
Falando sobre o que seria necessário fazer por parte de um governo de esquerda para retomar o controle da Petrobras e tentar desfazer seu desmanche, Gabrielli demonstrou pessimismo. “Não há condições de reestatizar a Petrobras. O próximo governo vai durar quatro anos e não vai conseguir gerar recurso para fazer isso. O que pode fazer é aumentar o número de postos ligados à Petrobras, redefinir a forma de atuação das refinarias, competindo com as privadas, restaurar o papel obrigatório da empresa como gestora do pré-sal”, disse.
Apesar de considerar que a empresa dificilmente voltará a ter a importância que um dia teve, não descarta sua relevância na economia brasileira, “porque é chave na produção de um ativo estratégico para o país”. Por isso, disse ele, a Petrobras deve voltar a ser fortalecida por futuros governos.
No entanto, esse fortalecimento não deve vir por aporte de capital estatal. “A gente teria que tirar dinheiro de investimentos públicos, como Bolsa Família, porque precisaria de muitos recursos. Então não tem sentido. A Petrobras tem capacidade de se auto-sustentar”, ponderou.
Pré-sal
Falando sobre a situação do pré-sal, Gabrielli lamentou sua venda para o mercado internacional e a remoção da Petrobras como sua gestora obrigatória. Fato que se mostra especialmente grave considerando que, segundo ele, o pré-sal “é a maior reserva de petróleo descoberta nos últimos tempos e terá o maior crescimento de produção de petróleo do mundo”.
Durante seu período como presidente da companhia, a estatal era operadora única de todas as áreas do pré-sal, mesmo tendo sócios na exploração
Gabrielli explicou que acabaram com o contrato de partilha de produção, dando lugar ao contrato de concessão, ideado pelo senador José Serra. O contrato de concessão determina que as empresas devem pagar royalties e participações especiais ao Estado pela exploração, mas o petróleo se torna sua propriedade, assim como todos os lucros.
No caso dos contratos de partilha de produção, o petróleo continua sendo propriedade do Estado brasileiro. Portanto, parte do lucro era dividido com o Estado. “E agora querem inclusive vender o fluxo de caixa de contratos já feitos”.
Perspectivas do petróleo
Pensando sobre as perspectivas futuras do petróleo, Gabrielli disse que as projeções apontam que a demanda por petróleo deve cair a partir de 2030, “mas não sua produção”.
“Ainda que haja uma diminuição na demanda, o petróleo vai continuar representando em torno de 30% das fontes primárias de energia, sendo que hoje está na casa dos 35%. Não acho que nos próximo 60, 70 anos ninguém preveja uma queda absoluta do petróleo no mundo”, detalhou.
Ele reconheceu, no entanto, que existem outros fatores que podem influenciar a importância do petróleo no futuro. “Existem componentes que são incógnitas, como o combustível de hidrogênio, a expansão dos veículos elétricos, as mudanças na legislação ambiental. Mas ninguém está saindo do petróleo ou acelerando sua exploração porque o preço vai cair, isso não é verdade”, ressaltou.