No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (20/04), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, analisou o plano econômico anunciado recentemente por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.
De forma resumida, o pacote constitui-se de duas partes, segundo explicou Altman. A primeira é formada por um conjunto de medidas, no valor total de US$ 1,9 trilhão de dólares, para aliviar as perdas provocadas pela pandemia, e leva o nome de Plano de Resgate Americano.
A maior parte do dinheiro vai para ajudar pequenas empresas e auxiliar as famílias mais pobres com auxílio emergencial, extensão do seguro-desemprego e subsídio integral até setembro dos planos de saúde empresarial dos trabalhadores demitidos antes de março de 2021.
A segunda parte trata-se de um plano de investimento em infraestrutura, no valor de US$ 2,25 trilhões, chamado de Plano de Emprego Americano, distribuídos, nos próximos oito anos, entre infraestrutura geral e residencial. Pretende-se desde fornecer internet à população rural e renovar estradas até realizar incentivos à pesquisa e ao desenvolvimento de fontes de energia limpa.
Essa segunda parte do plano seria financiada, segundo o governo estadunidense, por um aumento de 21% para 28% do imposto corporativo, cobrado das empresas.
Os dois planos, somados, totalizam 4,15 trilhões de dólares, ao redor 20% do PIB anual dos EUA.
Reações ao plano de Joe Biden
O Plano Biden é visto pela direita de oposição como um abandono dos paradigmas da austeridade fiscal, que poderiam gerar uma espiral inflacionária no país. Ao mesmo tempo, seus defensores, incluindo setores de esquerda, afirmam que o pacote tem o porte do plano de recuperação econômica pós-Segunda Guerra do então presidente Franklin Delano Roosevelt (que governou o país entre 1933 e 1945), o New Deal. Para os apoiadores, o projeto de Biden coloca o crescimento da economia à frente dos supostos riscos inflacionários.
Ainda há os analistas “mais entusiasmados”, como define Altman, que consideram que o projeto pode representar o abandono da doutrina neoliberal, dominante há mais de quarenta anos no mundo capitalista.
Para estes, estaria em curso um “reposicionamento do papel do Estado, mesclando objetivos de desenvolvimento e combate à desigualdade como novas referências para o capitalismo mundial”.
“De toda maneira, raras vezes se assistiu tamanha máquina de propaganda em defesa de um governo, como se Biden e seu plano fossem as possibilidades mais próximas de o mundo sair do inferno e se aproximar do paraíso”, argumentou o jornalista.
O que esconde o plano de Biden?
Para Altman, o plano do presidente democrata se parece muito ao pacote aprovado por Trump, no início da pandemia, no valor de US$ 2,2 trilhões de dólares. Assim como ocorreu com Trump, os US$ 1.9 trilhão do plano de Biden são de medidas que expiram em um ano, “apesar dos efeitos sociais poderem se alastrar por muito mais tempo”.
“Não há nada, em nenhuma das duas partes do plano, que leve à construção de um sistema universal, público e gratuito, de saúde. Apesar das quase 600 mil mortes e de milhões não terem qualquer assistência médica no país”, criticou.
De acordo com informações do próprio governo, de janeiro a outubro do ano passado, os 10% mais ricos aumentaram seu patrimônio em 14 trilhões de dólares. Na última década, o 1% mais rico teve acréscimo superior a US$ 20 trilhões. “Mas não há qualquer medida que afete esses setores ou que compense os trabalhadores pela massiva transferência de renda em favor dos ricos”, agregou o jornalista.
Adam Schultz/FlickrWhiteHouse
Plano de Biden não representa rompimento com o neoliberalismo, diz Altman
“Na prática, apesar do aumento do imposto corporativo, os dois planos se sustentam principalmente por endividamento governamental, não por uma reforma tributária progressiva. Isso significa, a médio e longo prazo, que os mais ricos poderão ganhar ainda mais dinheiro, com os juros pagos por esses títulos da dívida”, explicou.
Além disso, não houve qualquer aumento do salário mínimo, atualmente de US$ 7,25/hora. No desenho original do plano, o objetivo era chegar a US$ 15/hora até 2025, mas a medida foi retirada da proposta antes da votação, com a justificativa de que o pacote não seria aprovado se ela fosse mantida. Essa elevação poderia beneficiar diretamente 32 milhões de norte-americanos, de forma permanente, não como um auxílio único e emergencial.
“Como vocês podem ver, ambos planos não trazem qualquer mudança relevante, de caráter mais permanente, na economia do país. Mais uma vez, trata-se de um plano de socorro ao capitalismo norte-americano, com certo alívio momentâneo aos mais pobres, com base nos recursos públicos”, defendeu Altman.
Ele comparou o Plano Biden ao plano de socorro de Barack Obama, após a crise de 2009, que esteve voltado para ajudar os bancos e as grandes empresas. Segundo o jornalista, agora o foco é “permitir que as corporações norte-americanas ampliem sua renda a partir da renovação da infraestrutura interna, invistam em semicondutores e energia limpa, preparando-se para um novo ciclo tecnológico no qual os EUA enfrentarão feroz concorrência chinesa”.
“Muitos se equivocam quando consideram que esteja na essência do neoliberalismo, como uma questão de princípio, a contenção de gastos e investimentos públicos. Sempre que necessário aos interesses da burguesia, da acumulação capitalista, o Estado intervém, mesmo nessa etapa neoliberal, para salvar o sistema”, reforçou.
Para ele, “não precisamos ter qualquer vacilação em afirmar que Biden continua um servidor leal ao capital financeiro e ao neoliberalismo”.
“Difundir ilusões a seu respeito, além de prejudicar a luta da classe trabalhadora e o combate ao imperialismo, significa tremendo, e até ingênuo, erro de análise, quando não ignorância, voluntária ou involuntária, dos dados concretos que estão em jogo”, concluiu.