A Colômbia registrou nesta quarta-feira (02/06) mais uma noite de repressão policial contra manifestantes que estão nas ruas desde o dia 28 de abril no âmbito de uma greve nacional contra as reformas neoliberais do presidente Iván Duque.
Os protestos desta quarta foram convocados pelo Comitê Nacional de Paralisação da Colômbia (CNP) para condenar o decreto de intervenção militar em oito estados do país e exigir o cumprimento dos pré-acordos estabelecidos com o governo. Os grevistas exigem garantias de direito à manifestação pacífica.
Segundo informações da emissora TeleSur, ocorreu uma ação policial na comunidade de Usme, em Bogotá, por parte do Esquadrão Móvel Antidistúrbios (Esmad), grupo criado em 1999, de maneira temporária, mas permanece até hoje como uma espécie de tropa de elite especializada em reprimir protestos.
Na região da capital do país, as forças policiais agrediram um jornalista e o impediram de receber atendimento médico. A comunidade Usme apontou que a Esmad lançou gases no interior das casas, atingindo crianças e idosos. Um menino de 10 anos foi atingido.
As ações repressivas também foram registradas no bairro de Marichuela, na zona sul da capital colombiana, e em Suba.
Na cidade de Popayán, departamento de Cauca, organizações de direitos humanos denunciaram a forte presença policial e da Esmad no bairro La Esmeralda. Na cidade de Bucaramanga, houve diversos feridos e pessoas detidas arbitrariamente.
Apesar das reuniões realizadas entre os representantes da CNP do governo colombiano para acabar com a crise social no país, as manifestações continuam ocorrendo em várias cidades do país.
O CNP convocou uma mobilização massiva na capital colombiana chamada de ‘tomada de Bogotá’ para o próximo dia 9 de junho.
Violação de Direitos Humanos
A missão internacional de solidariedade e direitos humanos, em visita à Colômbia, também reuniu uma série de relatos que evidenciam práticas de violência sistemática contra os manifestantes.
“Foi um mês de massacres. Dispararam contra as pessoas, feriram as pessoas. Há uma quantidade de desaparecidos que o Estado não quer investigar. Houve torturas, passaram por cima do poder civil em muitos estados e capitais. Há um atentado geral contra o Estado de direito que é importante que a comunidade internacional conheça”, afirma Jorge Virviescas, do coletivo LGBTs pela Paz e do Comitê Nacional de Paralisação.
“O armamento que eles possuem dá abertura para que cometam excessos. Então, é muito comum que nas intervenções do Esmad as pessoas terminem sem um olho, feridas. Ou ainda, quando são capturadas, vários agentes se unem para agredi-las”, relata Julián López, defensor de direitos humanos e manifestante.
Em 2020, durante a pandemia do novo coronavírus, o governo Duque gastou cerca de US$ 3 milhões (aproximadamente R$ 15,5 milhões) com a compra de armamentos e munições para o Esmad.
Coordinador Nacional Agrario Colombia/Twitter
Novo ato no país, intitulado ‘tomada de Bogotá’ está marcado para o dia 9 de junho
A organização Tremors divulgou nesta quarta-feira um relatório que contabiliza 3.789 casos de violência perpetrados pela força pública contra os manifestantes. Segundo levantamento do Instituto de Desenvolvimento da Paz (Indepaz), a repressão até o momento deixou 65 mortos, 47 vítimas de lesão ocular e 358 pessoas desaparecidas.
Presidente Duque descumpre acordos
Na última sexta-feira (28/06), quando a greve geral completou um mês, o Comitê Nacional de Paralisação anunciou que havia chegado a um pré-acordo com a administração de Duque, que incluía o fim da violência contra as manifestações pacíficas. No entanto, de última hora, o presidente não assinou o documento e decretou estado de comoção interior em oito departamentos e 13 municípios do país, anulando a autoridade dos governadores e prefeitos e estabelecendo a tutela das forças militares.
“Essa medida obedece fundamentalmente a uma renovação da pressão do ex-presidente Uribe sobre o governo de Iván Duque. E toma nesse novo ar, amparado na sua posição dentro das Forças Armadas, que é muito forte. É evidente que as Forças Armadas obedecem a Uribe”, analisa Fábio Arias, dirigente da Central Única de Trabalhadores da Colômbia (CUT) e membro do Comitê de Paralisação.
Já foram realizadas ao menos oito reuniões entre representantes do comitê nacional de paralisação, composto por 29 organizações, e cerca de 50 representantes do governo colombiano. O grupo dos grevistas é heterogêneo, e parte chegou a defender o fim dos bloqueios de ruas para frear a escalada de violência. No entanto, antes mesmo de tomar uma decisão, Duque não cumpriu o que havia sido acordado.
“Não existe vontade política para deste poder estabelecido, representado pelo atual governo, para oferecer garantias aos manifestantes”, afirma o presidente da Coordenadora Nacional Agrária (CNA), Ernesto Roa.
Origens do protesto
A paralisação do dia 28 de abril, que deu início à greve geral, foi convocada pelo Comitê Nacional de Paralisação, mas é consenso que as mobilizações transcenderam essa instância.
O evento, que já é considerado a maior paralisação da história da Colômbia, é marcado pelo protagonismo de uma juventude que não se vê representada pelos partidos, sindicatos e outras estruturas organizativas existentes no país.
Além do desejo de mudança, das exigências de garantias do direito à saúde, educação e paz, os jovens expressam sua revolta pelas vítimas provocadas pela brutalidade policial, uma das facetas da violência estrutural do país.
“Não aguentamos mais e já não temos medo. Estamos jogando tudo ou nada. Já sabemos que vão nos matar de uma ou outra maneira. Por isso, já perdemos o medo. Muitos estão dispostos a morrer e outros tantos já morreram”, afirma Julián López.
(*) Com Brasil de Fato e TeleSur.