Carga horária de trabalho excessiva, ausência de pausas para refeições ou descanso durante a produção de filmes ou séries de TV e nenhum aumento de salários, apesar do lucro crescente das companhias de serviços de streaming, são algumas das situações vividas e apontadas por trabalhadores do setor audiovisual dos Estados Unidos, que se mobilizam por melhorias nas condições de trabalho e prometem entrar em greve na próxima segunda-feira (18/10) se suas reivindicações não forem atendidas.
A International Alliance of Theatrical Stage Employees (IATSE), sindicato que representa os técnicos e trabalhadores da indústria audiovisual do Canadá e Estados Unidos, negocia há meses os termos de um novo contrato com a Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP), entidade que reúne os principais estúdios e produtoras norte-americanas.
Os diálogos começaram desde que o acordo mais recente entre as partes terminou em 31 de julho. O sindicato afirma que a entidade patronal não tem oferecido boas propostas e no último dia 13 de outubro anunciou que “a menos que um acordo seja alcançado, os trabalhadores de cinema e TV começarão uma greve nacional em 18 de outubro”, na próxima segunda-feira.
“Nossos membros merecem ter suas necessidades básicas atendidas agora”, declarou Jonas Loeb, diretor de comunicação do sindicato. Em 21 de setembro, Loeb chegou a dizer, em nota, que “é incompreensível que a AMPTP, um conjunto que inclui mega corporações de mídia com valor coletivo de trilhões de dólares, alegue que não pode fornecer às equipes de bastidores necessidades humanas básicas, horas de descanso suficientes, intervalos para refeição e melhores remunerações”.
“Arriscamos nossa saúde e segurança o ano todo”, disse o dirigente sindical, afirmando ainda que “não podemos e não aceitaremos um acordo que nos deixe com um resultado insustentável”. Para Loeb, “é vergonhoso que durante uma negociação focada em horários inseguros e outras condições de trabalho abusivas, algumas empresas da AMPTP estão optando intencionalmente por arriscar a saúde e a segurança de nossos membros para servir a seus próprios interesses egoístas”.
A lista de empresas representadas pela aliança de produtores de entretenimento é extensa e comporta produtoras como Netflix, Sony, Paramount, Fox, Apple, MGMT e Universal. No início de outubro, a AMPTP chegou a dizer que estaria “comprometida a chegar a um acordo para manter o setor trabalhando” e que esperava dos trabalhadores a “disposição para atingir um consenso e explorar novas soluções”. A reportagem entrou em contato com a entidade patronal e não obteve resposta até o fechamento da matéria.
Já a IATSE é uma entidade sindical que representa um total de 150 mil trabalhadores da indústria do entretenimento, incluindo os cerca de 60 mil trabalhadores técnicos que atuam atrás das câmeras e dos palcos, sendo esta a parte que se mobiliza neste momento.
No dia 4 de outubro, 98% dos trabalhadores sindicalizados votaram a favor da paralisação, em assembleia com 90% da categoria representada. Na prática, o resultado da votação deu luz verde ao indicativo de greve para forçar que as corporações representantes da indústria cinematográfica, incluindo de serviços de streaming, que dominam a cena do entretenimento atual, aceitem negociar com a categoria.
É a primeira vez em 128 anos de história que membros do sindicato autorizam uma paralisação em todo o país. O caso mais marcante de paralisação na indústria do audiovisual foi a greve dos roteiristas, em 2007, organizada pelo sindicato Writers Guild of America, que durou cerca de 100 dias e gerou perdas de mais de US$ 2 bilhões.
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Trabalhadores da indústria audiovisual reclamam de carga horário de trabalho excessiva, sem pausas para descanso ou refeição
Pandemia e piora nas condições de trabalho
Os impactos da covid-19 também afetaram a indústria cinematográfica norte-americana, que ficou paralisada, assim como outros segmentos culturais e econômicos, por alguns meses, respeitando medidas de isolamento para conter a pandemia no país. No entanto, com o retorno da maioria das atividades permitido pelo avanço da vacinação, os trabalhadores do setor perceberam o contraste entre uma vida mais tranquila, perto da família, e a pesada carga de trabalho nos estúdios.
Essa é a opinião de Eliza Paley, profissional que trabalha na edição de som de produtos cinematográficos e que é membro do sindicato dos trabalhadores do ramo. Em entrevista a Opera Mundi, Paley afirmou que, após a pausa causada pela pandemia, “as pessoas da indústria começaram a trabalhar ainda mais do que antes e por mais horas”.
“Trabalhando por 15 ou 16 horas, chegam em casa só para dormir”, comenta. Segundo Paley, outro fator que contribuiu para o aumento da carga de trabalho dos profissionais e que também está ligado à pandemia do novo coronavírus foi o crescimento no consumo de filmes e séries de TV ao longo do último ano por serviços de streaming, como Netflix e Amazon Prime.
Um relatório elaborado pela Motion Pictures Association (MPA) mostrou que, de fato, houve um incremento de 26% em assinaturas desse tipo de serviço a nível global em 2020, o que corresponde a 232 milhões de novas contas. Já o aumento na receita foi de 34%, com arrecadação de US$ 14,3 bilhões. Somente nos Estados Unidos, as assinaturas alcançaram 308,6 milhões, o que representa um crescimento de 32% em relação a 2019.
Para Paley, “é difícil saber quanto as produtoras de streaming ganham, porque nas salas de cinema sabemos quanto a bilheteria vendeu, já nos serviços de streaming, não sabemos exatamente quanto eles lucram”.
“Agora essas produtoras têm muito mais presença e representam muito mais produções, além de uma quantidade muito maior de pessoas que estão assistindo conteúdos cinematográficos por streaming”, diz a editora de som.
De acordo com dados da empresa de finanças Kiplinger, a Netflix vale atualmente algo em torno de US$ 218 bilhões, a Disney+ vale mais que US$ 315 bilhões, a Amazon, dona do Prime Video, vale mais que US$ 1,6 trilhão e a Apple, que comanda o streaming Apple TV, tem seu patrimônio avaliado em torno de US$ 2,1 trilhão.
Frente aos enormes lucros, um dos pontos exigidos pelo IATSE nas negociações com a AMTPT é o aumento da parte do valor pago pelo projeto que é destinada aos trabalhadores e que os provedores do serviço paguem mais por reapresentações, quantia que seria repassada para o financiamento dos planos de saúde e aposentadoria da categoria.
“Talvez uma das razões pelas quais nós nunca paralisamos antes é porque lidávamos com pessoas à frente de estúdios que, mesmo visando o lucro, entendiam a indústria, mas agora as pessoas do outro lado são gestores empresariais e não têm muita história na produção de filmes ou TV, só querem lucrar o máximo possível”, concluiu Paley.