O atual desempenho das forças progressistas em diversos países latino-americanos, como o favoritismo de Lula na corrida presidencial no Brasil e as boas chances de Gustavo Petro nas eleições da Colômbia, é um dos principais fatores que dão sustentação ao governo do presidente do Peru, Pedro Castillo, que é alvo de um cerco midiático e empresarial elaborado pela direita. Essa é a opinião de Nilo Meza, economista e membro do partido de esquerda peruano Convergência Socialista.
Em entrevista a Opera Mundi, Meza afirmou que “há uma combinação entre a debilidade de Castillo e um assédio político e econômico do qual ele está sendo alvo” e que, no atual momento, o giro à esquerda na América Latina está sustentando o presidente no poder.
“Há um cerco contra Castillo, principalmente midiático. Por outro lado, Castillo tem uma dificuldade severa em converter sua vocação sindical, seu modo de pensar como sindicalista, em um modo de pensar como político, como um chefe de Estado”, afirmou.
O economista, que está no Brasil nesta terça-feira (11/01) para se reunir com sindicatos, movimentos sociais e membros da comunidade peruana no país, reforçou o impacto que as transformações regionais têm no governo do Peru e encorajou o presidente a adotar uma postura mais incisiva em prol da integração latino-americana.
“A política exterior [do governo] deveria se fixar em consolidar a integração latino-americana. Castillo deveria participar do relançamento da UNASUR [União de Nações Sul-Americanas] e deixar de lado grupos como a Aliança do Pacífico e o Prosur”, disse.
Meza ainda tratou das divergências internas que ocorreram no Peru Livre, principalmente das disputas entre o líder da legenda, Vladimir Cerrón, e o presidente. Entretanto, segundo o membro da Convergência Socialista, Castillo e Cerrón voltaram a dialogar nos últimos meses e tais conversas poderiam representar uma reaproximação do líder do partido com o Executivo.
“Nos primeiros meses de governo, houve um processo muito áspero entre Cerrón e Castillo, porque eles não foram capazes de manejar essa contradição instigada pela direita. Então, se notou a debilidade do governo e se notou que seria possível ter incidência, pela direita, no governo de Castillo”, afirmou.
O economista também denunciou que setores da direita tentam iniciar uma “perseguição judicial” contra o presidente, com “acusações triviais” feitas pelo Ministério Público.
Sobre uma das principais bandeiras da campanha de Castillo, a convocação de uma Assembleia Constituinte, Meza afirmou que será muito difícil o governo aceitar uma nova Constituição na atual conjuntura, mas destacou que tanto o seu partido quanto o Peru Livre seguem engajados na coleta de assinaturas para concretizar a proposta de uma nova Carta Magna para o país.
Leia a entrevista na íntegra:
Opera Mundi: Durante o ano de 2021, Castillo e seu governo foram atacados pela oposição no Legislativo com muitas tentativas de desestabilizar e até de derrubar o presidente, desde boicotar a aprovação do ex-premiê Guido Bellido, tentar bloquear a moção de confiança de Mirtha Vazquez até buscar uma moção de vacância presidencial por incapacidade moral. Apesar disso, o governo segue. Você acredita que, mesmo com limitações e conceções, o saldo para o governo de Castillo é positivo?
Nilo Meza: Em um nível latino-americano, a institucionalidade política se debilitou tanto que hoje em dia é difícil falar de líderes partidários com solvência moral e ética. Houve um momento, no Peru, nos dois meses iniciais do governo de Castillo, em que o setor de direita no Congresso tentou derrubar o presidente poque não aceitava os resultados das eleições. Então a direita, liderada pela senhora Keiko Fujimori, começou uma campanha de desprestígio de Castillo. Essa campanha terminou em um fracasso rotundo quando pediram a vacância de Castillo no Congresso e a direita não obteve os votos necessários. Foi aí que a direita perdeu força completamente. Atualmente, , após o momento de crise que colocava em risco a estabilidade de Castillo, a direita não tem a mesma força que tinha nos dois primeiros meses, pois já começou a se dividir e hoje em dia não é a força política consensual que era em agosto e setembro de 2021. Hoje, podemos dizer que Castillo está tranquilo porque a direita não vai conseguir os 86 votos necessários para derrubá-lo. Até porque, agora, um setor de centro está se aproximando do governo.
Sobre Bellido, sua saída foi uma mostra de debilidade do governo. Bellido era funcionário do nível de premiê que estava representando um amplo setor da população peruana. Ele era um contestador que não se calava diante da arremetida da direita. A sua saída foi um sinal de debilidade do governo. Agora Vasquez se tornou uma funcionária muito dócil para a direita. Da sua boca saiu que não devemos mais apostar na Constituinte e na renegociação do preço do gás.
Nesse primeiro ano de governo, houve intensas divergências entre o presidente e seu partido, o Peru Livre, que tiveram importantes consequências: começando pela saída do ex-chanceler Héctor Bejar, que tinha uma linha mais progressista, depois a decisão de tirar Bellido do governo, o que levou alguns membros da bancada do Peru Livre no Congresso a votar contra a nomeação da atual premiê, Mirtha Vasquez. Como essas disputas afetam o governo e como a esquerda da qual você faz parte enxerga essas contradições?
Essas contradições, que se fizeram muito visíveis entre [Vladimir] Cerrón e Castillo, foram usadas pela direita porque desde o começo a imprensa e a direita converteram Cerrón em um “inimigo da democracia”. Para a direita e para a imprensa, Cerrón era um “comunista que colocaria a democracia no Peru em perigo”. Então diziam a Castillo que Cerrón não poderia estar no governo e parece que Castillo acreditou nessa hipótese da imprensa.
Nos primeiros meses de governo, houve um processo muito áspero entre Cerrón e Castillo, porque eles não foram capazes de manejar essa contradição instigada pela direita, então se notou a debilidade do governo e se notou que poderia ser muito possível ter incidência, desde a direita, no governo de Castillo. Cerrón foi aleijado das posições no governo, não lhe deram nenhum Ministério depois da saída de Bellido e Bejar. Então, agora, Castillo está mais acompanhado por representantes de uma esquerda que só se diz de esquerda. Hoje, o Executivo de Castillo tem mais presença de figuras que estão vinculadas a setores de direita do que de esquerda.
Entretanto, nesses últimos meses, vem ocorrendo um processo de aproximação entre Cerrón e Castillo e eu sei que eles começaram diálogos para reforçar a governabilidade.
Presidência Peru/ Flickr
Para economista peruano, Castillo é alvo de um cerco midiático e empresarial elaborado pela direita
Qual é o tema desses diálogos? É possível que Cerrón tenha mais participação no governo?
Eu creio que sim, que as conversas se dão nesse sentido. Eu não sei de tudo o que foi conversado, mas sei que foram diversas reuniões de 3 a 4 horas de duração, ou seja, reuniões longas em que trataram de diversos temas.
Você acredita que há um cerco contra Castillo, que o impede de tomar decisões mais à esquerda, ou o presidente está abandonando bandeiras de seu programa?
Há um cerco contra Castillo, principalmente midiático, porque o poder político da direita hoje é muito precário, eles já não têm força política. A esquerda, por outro lado, tampouco é a melhor que temos. Hoje estamos em um cenário nacional em que a qualidade dos políticos é muito baixa, de esquerda e de direita. Fizeram do Congresso um recinto onde os interesses particulares vigoram sobre os nacionais. No entanto, esse cerco midiático e o poder empresarial, sim, estão pressionando a vontade de Castillo.
Por outro lado, Castillo tem uma dificuldade severa em converter sua vocação sindical, seu modo de pensar como sindicalista, em um modo de pensar como político, como um chefe de Estado. Ele ainda acredita que pode usar ferramentas do sindicalismo em cenário político tão complexo. Portanto, há uma combinação entre a debilidade de Castillo e um assédio político e econômico do qual ele está sendo alvo.
Recentemente, o Ministério Público do Peru abriu uma investigação preliminar contra o presidente Pedro Castillo por suposto tráfico de influência e conluio na concessão de licitação de obras e ingerência na promoção de militares. Setores da esquerda denunciaram o fato como perseguição judicial. Como você enxerga essas acusações? É possível falar em lawfare?
Eu acredito que sim, esse é o contexto. Há um lawfare na América Latina em geral que há alguns anos está acontecendo contra movimentos populares de esquerda que são incômodos à ordem estabelecida. Então eu acredito que, o que está ocorrendo contra Castillo, está obedecendo a esses termos. E veja que é uma acusação absolutamente trivial, tanto que ela foi arquivada, porque era uma acusação muito débil. Mas essa situação é um sinal de que a perseguição política está virando uma norma. O líder do Peru Livre, Vladimir Cerrón, segue sendo objeto de uma perseguição política na qual os poderes judiciais e o Ministério Público estão dedicados a demonstrar que ele cometeu má administração de fundos e que vai terminar na prisão. Sem dúvida, no Peru, há uma perseguição que forma parte de uma estratégia regional.
A saída de Bejar do Ministério das Relações Exteriores levantou muitos questionamentos sobre a condução da política externa de Castillo. Quais foram os principais erros do governo nesse sentido e como o país deveria exercer sua diplomacia daqui para frente?
Essa é uma ótima pergunta. Se algo está sustentando Castillo – e ao que parece ele não se dá conta disso – é o giro à esquerda que está ocorrendo na região. Ou seja, se fizermos um balanço do que está ocorrendo na América Latina, dois países logo estariam com dois governos de esquerda: estou falando do Brasil, com Lula, que aparece como favorito em todos os cenários, e na Colômbia com Gustavo Petro, que também tem boas chances. Estamos falando de uma região que conseguiu voltar a uma situação parecida com a de décadas atrás, quando as forças progressistas eram predominantes. Isso é uma apreciação que qualquer analista político internacional é capaz de fazer e esse é um cenário muito favorável a Castillo.
Portanto, sua política exterior deveria fixar-se em consolidar a integração latino-americana. Ele deveria participar do relançamento da UNASUR [União de Nações Sul-Americanas] e deixar de lado grupos como a Aliança do Pacífico e o Prosur [Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul]. É um tema muito rico e muito complexo, mas também muito promissor.
O que esperar do governo em 2022? É possível alcançar a convocação da Assembleia Constituinte, uma das principais promessas da campanha de Castillo, até o final deste ano?
Vai ser muito difícil que o governo aceite uma nova Constituição, mas estamos seguros de que o Peru Livre vai seguir recolhendo assinaturas para termos outra Carta Magna. Nosso partido, Convergência Socialista, também está participando da coleta de assinaturas.
No terreno do governo, entretanto, parece que Castillo não tem mais remédio a não ser seguir governando com setores de centro e de direita para sobreviver aos cinco anos de mandato. Eu acho que este ano vai ser de relativa tranquilidade para Castillo e ele poderá usar esse período para fazer melhorias nas áreas da saúde, na relação com os professores, no desenvolvimento agrícola. Eu acredito que o importante seja que a direita não terá força para derrubar Castillo daqui para frente.