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Política e Economia

'Os indesejáveis': como a Suécia tentou 'purificar' sua população antes (e depois) do nazismo alemão

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Defesa da existência de uma 'raça superior' ganhou força com experimentos racistas de Herman Lundborg no início do século XX

Camila Araujo

São Paulo (Brasil)
2022-01-27T21:40:00.000Z

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A tentativa racista de “purificar” a população não é monopólio da Alemanha nazista. Na verdade, o corpo teórico que fundamentou a hipótese de uma raça “inferior” veio antes mesmo do nazismo tomar o poder alemão, e se manifestou em experiências práticas em lugares como a Suécia.

O médico Herman Bernhard Lundborg, primeiro diretor do Instituto Sueco de Biologia Racial em Uppsala, acreditava que os nórdicos eram uma "raça superior", e que qualquer tipo de miscigenação não era desejada. 

O povo escandinavo seria, segundo sua visão, racialmente mais forte se ocorresse o processo de “suecização” de "genes desagradáveis", garantindo o “mais alto grau de perfeição humana”. Ou seja, era preciso acabar com tais genes, impedindo a reprodução de pessoas pertencentes a "minorias raciais", para garantir o domínio de uma raça superior.

Lundborg, nascido em 1868, era nada mais que fruto de seu contexto. Isso porque é no final do século XIX que se desenvolve a teoria do darwinismo social. Funcionando como uma tentativa de aplicar a teoria de Darwin sobre a evolução nas sociedades humanas, tais ideias têm a função de justificar ideologicamente a “necessidade” europeia em colonizar os povos bárbaros e "inferiores" do além-mar. 

Muito antes de os nazistas se empenharem nesse tipo de pesquisa, o instituto sueco já dava portanto sua contribuição para a difusão de teorias eugenistas na Alemanha, nos Estados Unidos e nos países escandinavos. 

Povo nativo sámi

Em 1913, Lundborg viajou para o território da Lapônia, região que abrange partes da Suécia e outros países vizinhos, constituído pelo povo nativo sámi, para fazer medições de crânios, comparações de fisionomias, análises de pelos pubianos e, por fim, a classificação entre “superiores” e “inferiores”. 

Os nativos sámi, vale destacar, são tidos como um povo indígena, com diferentes grupos linguísticos, e que há muitos séculos ocupam regiões setentrionais da Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia. 

Em suas experimentações, o médico insiste em mostrar que os indígenas tinham "crânio curto", ao passo que os escandinavos tinham “crânio longo”, o que, em sua opinião, também influenciava a "marca moral" dos indivíduos.

Seus estudos racistas forneceram álibis para que as empresas de mineração ou funcionários do governo desapropriassem, e seguem a desapropriar, os sámi de suas terras. Também inspiraram campanhas de esterilização de "indesejáveis" que continuaram acontecendo, de diferentes maneiras, até meados da década de 1990.

A escritora e jornalista sueca Maja Hagerman, autora do livro Enigmas de um biólogo racial, em tradução livre, publicado em sueco e alemão, sobre os experimentos de Lundborg, conta que o mais surpreendente da história do médico é que ele próprio chegou a se relacionar com uma mulher sámi, tendo um filho com ela, e assim reproduzindo uma “genética inferior”. 

“Ele estava constantemente alertando os suecos sobre a ameaça de outras raças. Então, o que ele estava pensando?”

saamiblog/Flickr
Povo sámi constitui o grupo étnico nativo da Lapónia, um território abrangendo partes da Noruega, Suécia, Finlânlândia e Rússia

Foi portanto na segunda metade do século XIX que as ideias de hierarquização de “raças” se desenvolveram e ganharam força. Alguns anos mais tarde, elas culminariam em um dos projetos de extermínio no contexto nazista. No entanto, outras formas de estabelecer práticas eugenistas se deu também por meio de esterilizações forçadas ao longo da história de outras populações, como, por exemplo, no Peru ditatorial de Alberto Fujimori e no Canadá contra povos indígenas.  

No caso dos sámi, os experimentos de Lundborg colaborou no respaldo à leis como a de 1915 que proibia o casamento de pessoas portadoras de deficiências mentais e, mais tarde, os decretos de 1934 e 1941, que permitiam a esterilização dos sámi e de outros grupos etnicamente marginalizados.

Luta por reconhecimento

Em 2014, o governo sueco reconheceu que esterilizou, perseguiu e impediu a entrada de ciganos no país no século anterior. Graças a uma comissão relatora criada para investigar tais processos, descobriu-se que, entre 1935 e 1996, a Suécia realizou esterilizações em cerca de 230 mil pessoas no contexto de um programa baseado na eugenia e nos conceitos de "higiene social e racial". 

As 63 mil esterilizações realizadas entre 1934 e 1975 destinavam-se, de acordo com a investigação, em garantir a "pureza" da raça nórdica, respaldadas por leis aprovadas com o consenso dos grupos políticos do país. Nem mesmo a queda do nazismo interrompeu as "soluções finais" de estilo escandinavo. 

A luta dos sámi e do Parlamento do grupo étnico é agora pela retomada de restos de esqueletos e de crânios que ainda se espalham em museus e universidades escandinavas. A universidade de Uppsala, por exemplo, guardou 57 crânios e seis esqueletos do povo nativo, misturados com os de colonos e de presos mortos cujos cadáveres foram entregues à ciência pelo governo sueco até a década de 1950. 

Em 2007, a sessão plenária do Parlamento Sámi exigiu que os governos nórdicos identificassem todo o material ósseo encontrado em todas as coleções nacionais para que, assim, esses restos mortais retornem para o local a que pertencem. 

Na opinião de Stefan Mikaelson, presidente do Parlamento, a importância dos restos mortais que estão armazenados dentro de uma instituição sueca não devem ser subestimados. Em declaração citada pelo jornal Público, ele diz que “Um funeral é um evento importante na comunidade sámi, onde toda a família se reúne e homenageia os mortos com a sua presença. O fato de ainda estarem guardados naqueles acervos estaduais só reforça as velhas atitudes colonialistas e discriminatórias”.

O Executivo da Suécia, em novembro de 2021, se comprometeu a criar uma comissão da verdade para examinar o tratamento do país com relação à minoria no passado. O reitor da Universidade de Uppsala também solicitou ao governo sueco permissão para devolver um esqueleto encontrado no Museu da Universidade Gustavianum à Associação Arjeplog Sami. 

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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