Um ano e oito meses foi o tempo necessário para a ex-senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt transformar em livro os seis anos em que viveu em cativeiro na selva colombiana, sob poder das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Em Não há silêncio que não termine: Meus anos de cativeiro na selva colombiana, lançado no Brasil pela editora Companhia das Letras, Ingrid transmite o dia a dia de prisioneira por meio de meticulosas descrições do espaço e das pessoas que a cercavam e deixa revelar, de forma sutil, que a Ingrid de hoje – distante da política e dividida entre Paris e Nova York – carrega poucas semelhanças com aquela desaparecida em 23 de fevereiro de 2002.
No livro, a autora relembra a tensa rotina no cativeiro, em que bastavam situações banais para desentendimentos violentos. Ela também narra os momentos em que tentou fugir. Decidida a recuperar a liberdade, Ingrid tentou escapar diversas vezes, mas somente deixou a selva em 2 de julho de 2008, em uma operação bem-sucedida do exército colombiano.
“Senti a necessidade de contar minha história, de dar meu depoimento. Como uma responsabilidade que imaginei ter”, explicou Ingrid em entrevista ao Opera Mundi. Hoje a ex-senadora trabalha na Fundação Ingrid Betancourt pela Liberdade. Um de seus objetivos é chamar atenção para o problema dos sequestrados em poder da guerrilha colombiana.
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No entanto, apesar de munida de boas intenções, Ingrid relata a experiência traumatizante sem objetividade e adota por diversas vezes um tom ficcional. Fato é que a colombiana classifica as humilhações que sofreu no cativeiro puramente como perseguições pessoais, pelo fato de ela, à época do sequestro, ter se lançado candidata à presidência da Colômbia com uma plataforma crítica à atuação da guerrilha.
Exemplo disso é quando a ex-senadora conta que, em uma tarde, ao pedir para urinar em uma fossa próxima às cabanas do acampamento, recebeu uma negativa dos guardas, que disseram para “resolver seu problema ali mesmo”. É difícil imaginar que, na selva e sob a tensão permanente de conflito com forças do governo, Ingrid tenha sido a única refém submetida a esse tipo de privação.
“Desconfiava que o comandante da frente que me capturara, El Mocho César, havia dado aos guerrilheiros, na minha frente, a recomendação de 'ferver a água das presas' para que eu ficasse mentalmente dependente dessa medida de assepsia e com medo de sair do acampamento, de comer fora dali”, contou Ingrid.
Polêmica
Antes mesmo de ser lançado na Colômbia, o livro provocou polêmica no país. A ex-assessora de Ingrid, Clara Rojas, sequestrada com ela em fevereiro de 2002, contestou o conteúdo do livro. De acordo com Clara, a afirmação de Ingrid, de que ela teria planejado a gravidez na selva, é mentirosa. Durante o sequestro, Clara teve um filho, Emmanuel, cujo pai é um membro da guerrilha.
Em uma das passagens do livro, a ex-senadora enfatiza que a assessora havia perdido o interesse em fugir e “já não queria escapar porque queria ter filhos, e o esforço da fuga podia perturbar sua capacidade de conceber um bebê”. Segundo Ingrid, durante uma visita do guerrilheiro Joaquín Gómez ao acampamento, ouviu dele que havia recebido um pedido “incomum” de Clara, exigindo “seus direitos como mulher”. “Fala de seu relógio biológico e diz que não lhe resta muito tempo para se tornar mãe”, descreveu Ingrid.
A colombiana disse também que tentou dissuadir Clara da intenção de engravidar, tentando mostrar “o que seria a vida de um bebê recém-nascido em tamanhas condições de precariedade, e sem saber se as FARC libertariam a criança”. Antes de completar um ano, Emmanuel foi entregue a uma família de camponeses e ficou desaparecido por um longo tempo, até que os serviços de previdência social do Estado descobriram seu paradeiro.
Apesar das críticas da ex-assessora, Ingrid acredita que os laços afetivos não foram desfeitos no cativeiro. “Independente do que passou, há uma amizade. Vivemos muitas coisas juntas que nos marcou muito. Houve momentos difíceis, mas também os de companheirismo. É preciso resgatar o que há de bom e deixar o mau na selva”, enfatiza Ingrid.
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