Vítor Sorano
Manifestação de trabalhadores percorre a praça Eduardo IV, no centro de Lisboa
Com apoio entre parte dos patrões e união das duas maiores centrais sindicais, a paralisação realizada nesta quarta-feira (24/11) em Portugal atingiu o setor privado e interrompeu alguns serviços públicos. A linha de montagem da fábrica da alemã Volkswagen, maior investimento estrangeiro no país, com 3,6 mil funcionários, ficou parada. Em Lisboa, o metrô parou, o aeroporto ficou vazio e não havia barcos para ligar as duas margens do rio Tejo, que corta a capital.
“Trocamos a escala das funcionárias para que as da outra margem do Tejo não precisassem vir hoje”, contou um recepcionista de hotel.
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As manifestações de rua aconteceram principalmente no centro histórico, nas praças Eduardo IV e da Figueira. Segundo a sindicalista Deolinda Machado, presidente da comissão executiva da central CGTP (Confederação Nacional dos Trabalhadores Portugueses), o incidente mais grave registrado foi o atropelamento de duas mulheres que faziam piquete em um supermercado no norte do país.
Durante a tarde, a coordenação estimou que mais de 3,8 milhões de trabalhadores teriam aderido ao protesto. O governo contesta. Em 2008 – último dado disponível -, Portugal tinha 5,2 milhões de pessoas com emprego, segundo o Instituto Nacional de Estatística. No setor público, em que há um acompanhamento da presença dos funcionários, o governo disse às 17h (14h em Brasília) que as baixas estavam entre 25% e 27%. Mas, pela manhã, os sindicatos falavam em adesões de 80% a 90%. O movimento ganhou apoio no setor empresarial de pequeno e médio porte, que representa mais de 90% do total em Portugal.
“Estamos solidários porque entendemos que as medidas de austeridade prejudicam não só os trabalhadores como também as pequenas e meias empresas. Muitos não abriram hoje”, disse o vice-presidente da Associação de Pequenas e Médias Empresas de Portugal, Nuno Carvalhinho, ao Opera Mundi.
O primeiro-ministro José Sócrates, do Partido Socialista, não fez declarações públicas. Escalada para ser uma das porta-vozes do governo, a ministra do Trabalho, Helena André, disse ainda pela manhã que a adesão no setor privado era ínfima. O outro porta-voz, o secretário de Administração Pública, Gonçalo Castilho dos Santos, afirmou que “a greve de hoje não está sendo uma greve-geral de paralisação da administração pública”.
Sem caos
Mas a redução ou mesmo paralisação de serviços públicos não chegou a criar pandemônio na capital ou nos grandes centros de transporte durante o dia. A greve vinha sendo anunciada há meses. No setor e comércio e serviços, segundo a associação patronal, não foi registrada adesão. Na região central da cidade, a reportagem encontrou apenas um mercadinho fechado em apoio ao protesto.
“Aqui está tudo normal”, disse um funcionário do Café Nicola, um dos mais tradicionais do centro histórico de Lisboa.
Vítor Sorano
O médico brasileiro Marco Fáveri não pôde embarcar de volta para Salvador, onde faria uma cirurgia
Ainda pela manhã no aeroporto, os guichês de check-in estavam fechados e os saguões, vazios. O médico brasileiro Marco Fáveri, de 44 anos, era um dos poucos passageiros no terminal. Como não podia embarcar de volta para o Brasil, teve de cancelar uma cirurgia que iria executar em Salvador.
“Hoje vou descansar”, disse o arrumador de carrinhos André Felipe, de 19 anos, um dos poucos a trabalhar.
Saúde e Educação
Pelos dados oficiais até a tarde, o setor da saúde era um dos mais afetados, com 38% dos funcionários aderindo à paralisação. Precisando de um curativo no pé, a aposentada Maria de Jesus Santos, de 84 anos, terá de refazer o caminho de casa até o centro de saúde na quinta-feira.
“Disseram-me que iria haver enfermeiros. Cheguei na hora certa, mas não havia”, relatou.
Na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, uma faixa ocupando toda a fachada tentava dissuadir os funcionários de irem trabalhar. As portas, porém, estavam abertas e alguns alunos chegavam para estudar. Os dados de adesão no Ministério da Educação não foram divulgados.
“Agora não há professores, mas talvez à noite haja aulas”, disse Alexandra Dias, de 38 anos, funcionária do Ministério da Agricultura.
Ela aderiu à paralisação, deixou o filho na casa da avó – a escola estava fechada – e usou o carro em vez do transporte público para ir até a faculdade terminar trabalhos.
“Não vamos mudar a ideia dos políticos, mas vamos mostrar a revolta” disse Alexandra.
Recordes ruins
As centrais sindicais esperam que a greve será um marco histórico em Portugal. É a primeira paralisação em 22 anos a unir as principais centrais sindicais, a CGTP e a UGT (União Geral de Trabalhadores, mais próxima ao governo). A última havia sido em 1988.
“Foi a maior greve-geral da história de Portugal”, lembrou Deolinda Machado.
Mas esta paralisação ocorre em um momento no qual o país registra recordes negativos em indicadores econômicos. Resultados da crise econômica que atinge a Europa – e considerada a pior desde o final da Segunda Guerra Mundial. O desemprego está em 10,6%, segundo o Eurostat (órgão de informações da União Europeia), o maior desde pelo menos 1983. Entre os trabalhadores com menos de 25 anos, a taxa é mais que o dobro: 21,4%.
Vítor Sorano
A funcionária pública Alexandra Dias, na faculdade paralisada: “Vamos mostrar a revolta”
O déficit do governo atingiu 9,6% no fim de 2009, o que significa mais de três vezes o limite máximo permitido pelos tratados da União Europeia – e maior desde a adoção do euro no país, em 2002. Os juros cobrados pelo título da dívida portuguesa a dez anos vêm também quebrando recordes nos últimos meses. Hoje, novamente, foram negociados acima dos 7% – limite a partir do qual o Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, havia admitido pedir auxílio ao FMI, o que não fez.
Pacotes
A paralisação de hoje é, em grande parte, uma reação às medidas de austeridade que vem sendo anunciadas pelo governo para reduzir o déficit e conter a subida dos juros da dívida. Neste ano, o governo já apresentou três pacotes de arrocho, o último deles já integrado ao orçamento para 2011, que deve ser aprovado esta semana. Entre as medidas restritivas, estão o congelamento e o corte de salários na função pública e o congelamento nas aposentadorias. O acesso aos benefícios sociais também está sendo restringido.
“E o problema não são só os cortes, mas também os aumentos de impostos”, afirmou o professor Luís Miguel Santos, de 37 anos, que deverá ter redução nos vencimentos. O Imposto sobre Valor Agregado, por exemplo, deve subir pela segunda vez em menos de um ano.
“As políticas terão de ser mudadas, não só em Portugal mas na Europa. Não podemos aceitar que as políticas castiguem sempre os mesmos, os mais pobres e trabalhadores”, conclui Deolinda Machado.
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