Os movimentos indígenas na América Latina passam por um importante momento de organização e de luta pelo reconhecimento e respeito à sua identidade e cultura, segundo pesquisadores participantes do último encontro do Foro Permanente de Reflexão Sobre a América Latina, realizado nesta segunda-feira (6/12) na capital paulista. O evento contou com a presença dos professores Pedro Ortiz (Faculdade Cásper Libero, São Paulo) e Enrique Amayo (Universidade Estadual Paulista, Araraquara-SP) que apresentaram a sua contribuição para a compreensão desse processo.
Para Ortiz, o exemplo mais importante é dado pela Bolívia, onde a constituição e o Estado foram reformados para conferir aos indígenas uma igualdade plena na sociedade.
“Um país onde a população indígena sempre sofreu muito preconceito elege um indígena e dá seguimento a um processo que vai além da eleição, que tem a indicação de ministros indígenas e uma série de medidas que valorizam a identidade nativa”, disse o professor.
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Segundo ele, a América Latina tem visto uma série de movimentos e possibilidades interessantes para os indígenas, desde o final do século XX. Além do caso boliviano, ele aponta que também na Argentina está havendo uma reorganização do movimento indígena, promovida principalmente pelos mapuches, grupo étnico que se divide entre o território argentino e o Chile.
Já o professor Amayo, nascido no Peru e radicado no Brasil, explica que as sociedades existentes antes das colonizações da América tinham sólidas estruturas sociais. Ao contrário da imagem criada pelos europeus, elas possuíam “um grau de organização impressionante para a época e, no campo da agricultura, estavam muito à frente da sociedade europeia”.
Amayo comenta que, durante o processo de colonização da América Latina, assumiu-se a herança cultural da Europa de tal forma que isso gerou um “esquecimento” da matriz indígena.
“Esse processo é o principal responsável pelo preconceito que os povos originários sofrem atualmente”, diz o peruano.
Mapuches
Em sua pesquisa, Pedro Ortiz traça um paralelo entre dois povos indígenas: os mapuches, no Chile, e os pancararus, no Brasil. O professor explica que escolheu os dois grupos por causa da representatividade deles e por terem sido, ao longo da história, levados a migrar para metrópoles.
O professor da Cásper Líbero explica que as regiões originais dos mapuches despertam o interesse de madeireiras – o Chile é um grande exportador de madeira – e, além disso, eles estão localizados em regiões de grande potencial hidrelétrico. A população mapuche se concentra, principalmente, na região sul do país e na capital Santiago. De acordo com ele, a defesa pela preservação de suas áreas coloca os mapuches contra interesses econômicos e políticos poderosos.
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“O Chile tem uma enorme dificuldade em lidar com a questão indígena. Várias lideranças mapuches estão presas e são perseguidas. Mesmo com o fim da ditadura, o Chile ainda mantém uma 'lei de segurança' e essa lei é que torna legal a prisão de ativistas políticos, como é o caso das lideranças mapuches”, diz Ortiz.
O professor relata que os mapuches têm conseguido se organizar criando centros culturais, que ensinam o idioma dos seus antepassados e outros traços culturais, algumas cooperativas que auxiliam as atividades comerciais. Há, também, grupos políticos que defendem uma autonomia ou até mesmo uma independência do Estado chileno.
Da aldeia para a favela
Já os pancararus, que viviam em Pernambuco, às margens do rio São Francisco, migraram para São Paulo devido à instalação de barragens que alagaram o seu território. Na capital paulista, eles se estabeleceram à beira da margem do rio Pinheiros. Com a intensa urbanização da região, eles foram obrigados a sair de perto do rio. Hoje, vivem na comunidade conhecida como favela do Real Parque, na zona sul de São Paulo.
Os pancararus também se organizam em associações, sendo que a principal bandeira é a manutenção do idioma – em São Paulo, não há falantes da língua pancararu, que não tem representação gráfica – e a preservação cultural.
Atualmente, na favela Real Parque, há um centro de cultura que ensina, além da língua, a dança do Toré – umas das heranças mais fortes de seus antepassados. A formação superior, por meio de bolsas ou de programas governamentais, tem sido uma importante ferramenta de organização e criação de lideranças dos pancararus.
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