O combate ao terrorismo no Paquistão, onde diversas facções mantêm base de operações para atentados em países vizinhos – como Afeganistão, Índia e Irã – é bastante prejudicado por problemas graves no sistema judiciário paquistanês, afirma um relatório de especialistas europeus e norte-americanos divulgado esta semana.
Segundo documento do think tank ICG (International Crisis Group), com sede em Bruxelas e Washington, as deficiências do sistema judiciário paquistanês são um dos principais impedimentos para o combate ao terrorismo fundamentalista, que inclui grupos tão distintos quanto o Talibã (de origem afegã) e o Jundullah (iranianos de etnia belúchi).
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“É evidente que a incapacidade do Estado em proteger os promotores e juízes e assegurar que a polícia tenha autoridade e autonomia para agir contra os extremistas violentos tem trabalhado em benefício desses grupos e prejudica a luta contra o terrorismo no Paquistão”, afirma a pesquisadora do ICG Samina Ahmed, em entrevista ao Opera Mundi.
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Para ela, a ineficácia de todo o aparato judicial facilita que o país seja usado como refúgio para grupos terroristas de diversos matizes – e às vezes até adversários -, incluindo tão distintos quanto a rede Al Qaeda (dos wahabitas de Osama bin Laden), o Lashkar-e-Taiba (também wahabitas e separatistas da Caxemira) e o Jundullah (sunitas anti-xiitas que atacam alvos iranianos), além da dissidência esquerdista e secular da Frente de Libertação de Jammu e Caxemira (JKLF, em inglês). Além destes, há ainda quadrilhas de crimes comuns, como traficantes de ópio cultivado na Ásia Central.
“O Paquistão já é um porto seguro para muitas redes criminosas e terroristas – transnacionais, regionais e locais. Embora estes grupos tenham identidades distintas, existe uma ligação íntima que foi desenvolvida ao longo da última década ou mais”, diz.
De acordo com o documento, publicado na segunda-feira (6/12), os investigadores paquistaneses são mal treinados, promotores não conseguem formular denúncias consistentes que sustentem a acusação e há impedimentos para acesso a arquivos legais, vários dos quais não estão digitalizados.
“Além disso, a corrupção, intimidação e interferência externa, inclusive por parte dos órgãos de inteligência militar, comprometem os casos antes mesmo de irem a tribunal”, diz o texto. “Como resultado, a estabilidade doméstica é prejudicada e a confiança do público na lei fica enfraquecida”.
Recomendações
Para a pesquisadora, estas características são comuns com outros países pobres, na América Latina, na África e na própria Ásia. Contudo, o que particulariza a situação do Paquistão é o legado dos regimes militares de Muhammad Zia-ul-Haq (1977-1988) e Pervez Musharraf (1999-2008), que, em busca de apoio de base, islamizaram a legislação penal, adotaram princípios legais tradicionais e entregaram boa parte da Justiça nas mãos de líderes tribais.
“Obviamente, os problemas com a justiça no Paquistão em certa medida se assemelham aos de outros países em desenvolvimento. No entanto, no caso do Paquistão, frequentes intervenções militares, a exploração da religião por regimes militares anteriores, inclusive de Zia, e a continua dominação militar do setor de segurança agravaram os problemas. Finalmente, o apoio continuado dos militares aos grupos extremistas prejudica a capacidade do sistema judicial em acabar com um clima de impunidade e levar à Justiça extremistas violentos”, diz
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O relatório faz diversas “recomendações” ao Estado paquistanês, englobando muito mais que ações de governo, mas exigindo ações principalmente dos poderes Judiciário e Legislativo. Entre elas, estão reformar a legislação e o código de processo penal, com um amplo debate na sociedade civil, ONGs, juristas, policiais, criminologistas e o setor público; revogar as leis discriminatórias, principalmente de base religiosa; restringir a definição de “terrorismo” para não incluir qualquer oposicionista ao governo; cumprir as fianças e indultos previstos em lei para reduzir a superlotação carcerária; e instituir um programa de proteção a testemunhas como prioridade.
Quanto às condições de trabalho, o texto sugere uma ampla capacitação de promotores públicos, integração entre as investigações conduzidas por eles e pela polícia e aumento de salários para as duas categorias.
Transição
O ICG propõe ainda que sejam extintos os qazi, tribunais religiosos que aplicam a lei islâmica (sharia) e que sejam combatidos os chamados lashkars – milícias ou grupos de extermínio formados por fundamentalistas.
Segundo Samina Ahmed, o êxito da missão de “re-seculaizar” a Justiça no Paquistão dependerá do futuro da atual transição democrática, iniciada em 2008 com a saída de Musharraf e a eleição do novo governo civil, atualmente liderado pelo Partido Popular do Paquistão, da falecida ex-primeira-ministra Benazir Bhutto – ela mesma assassinada num atentado em dezembro de 2007.
“Se a transição se estabilizar, com o apoio da sociedade civil e dos partidos políticos, o processo poderá ser realizado com sucesso. Se a transição vacilar, os esforços para eliminar as leis discriminatórias também vão”, diz ela.
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