Recordes de abstenção, brancos e nulos evidenciam insatisfação do eleitorado português, diz analista
Recordes de abstenção, brancos e nulos evidenciam insatisfação do eleitorado português, diz analista
“Nenhum deles me inspirou confiança. Votei em branco para demonstrar meu desagrado”, disse a empregada de limpeza Vânia Amorim, de 25 anos. “Faço minhas as palavras dela. São todos mentirosos”, complementou a colega Sara Mendes, de 21 anos. Além de abstenção, acima de 50%, os votos brancos e nulos também tiveram porcentagens recordes nas eleições de ontem (23/01) em Portugal, que deram um segundo mandato ao economista Cavaco Silva, de centro-direita. Os números sugerem, descontentamento e insatisfação do eleitorado no país, que atravessa profunda crise econômica.
Efe
Presidente reeleito, Cavaco Silva prometeu dar prioridade à inclusão social e geração de emprego
Embora tenha vencido, Cavaco teve 526 mil votos a menos do que em 2006, quando conquistou o primeiro mandato. Segundo Pedro Magalhães, cientista político e pesquisador da Universidade de Lisboa, há uma tendência crescente de votos brancos e nulos nas eleições portuguesas. Em 2006, eles somaram 1,84%, contra 6,19% ontem. “É difícil de interpretar de outra maneira que não seja a expressão de uma insatisfação com a classe política com as alternativas que são oferecidas”, afirmou ao Opera Mundi.
Magalhães sugere a hipótese de terem havido votos brancos e nulos à direita por descontentamento com Cavaco. Durante seu primeiro mandato, o presidente aprovou a descriminalização do aborto (em 2007) e o casamento homossexual (em 2010). “Houve entre esses setores várias figuras que apelaram ao voto em branco. Creio que setores da direita estavam insatisfeitos com cedências em temas morais.”
O segundo colocado nas eleições foi o principal candidato da esquerda, o poeta Manuel Alegre, que teve 19,75%, com 832 mil votos. Apoiado pelos dois maiores partidos políticos da esquerda – o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda –, teve 295 mil votos a menos do que em 2006, quando concorreu independente e fez 20,7%. “Estou em dúvida entre votar em branco ou no Manuel Alegre, para evitar uma reeleição de Cavaco”, comentava, dias antes, o cineasta João Dias, de 34 anos. A crise econômica e as medidas de austeridade adotadas pelo governo socialista podem ter contribuído para o desempenho do candidato.
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Com 14,1% - 593,8 mil votos -, o desempenho do independente Fernando Nobre, fundador da ONG Assistência Médica Internacional, ajuda a compor a hipótese de descontentamento. Sem carreira política, em sua primeira experiência eleitoral ficou logo abaixo de Alegre, que integrou o movimento de restabelecimento da democracia em Portugal – a Revolução dos Cravos (1974) -, foi deputado e presidente da Assembleia da República. O candidato do Partido Comunista, Francisco Lopes, teve 7,14% dos votos.
Abstenção e crise política
A tradição de reeleger os presidentes – todos desde 1976 ganharam um segundo mandato -, o amplo favoritismo de Cavaco e a relativa fraqueza dos concorrentes são apontados como motivos para a abstenção. Na semana das eleições, todas as pesquisas apontavam que o presidente tinha mais de 50% das intenções de voto, enquanto Alegre não chegava a 25%.
“Isso jogou em desfavor do candidato que as pessoas achavam que ia ganhar”, afirmou o economista João Sousa Andrade, da Universidade de Coimbra. “Não podia votar, e se pudesse não iria. Tudo continuaria na mesma. São todos iguais”, justifica-se Rui Rosário, de 20 anos, que trabalha em uma banca de revista e, ainda não tendo transferido o título para o local onde vive, não votou.
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Uma falha técnica também contribuiu para a baixa participação, segundo o Conselho Nacional de Eleições. Durante a tarde, o sistema de consulta de locais de votação ficou indisponível, e muitos eleitores tinham tido seus locais alterados desde a eleição passada. “Já não vou a tempo. Voto aqui há 5 ou 6 anos e acabo de descobrir que tenho de ir a outro local”, disse o comissário de bordo Ricardo Leonor, de 29 anos, à 10 minutos do fechamento das urnas, às 19h, no Liceu Camões, em Lisboa.
Até às 18h55 havia pessoas tentando fazer a consulta. “Às 15h havia pessoas dizendo que estavam na fila há uma hora. Agora foram 10 minutos”, afirmou o consultor de RH Pedro Santos, de 28 anos.
A menor votação de Cavaco não diminui a possibilidade de que ele dissolva o Parlamento – derrubando o governo Sócrates - em decorrência da tensão política causada pela crise econômica que o país atravessa. Em 2001, quando Jorge Sampaio foi reeleito presidente, o índice de abstenção foi semelhante, segundo o cientistas político Pedro Magalhães, o que não lhe impediu de usar o instrumento.
Para o economista Andrade, caso a economia portuguesa não cresça, Cavaco irá antecipar as eleições legislativas – que, pelo cronograma normal, ocorrem em 2013. O Partido Socialista governa sem minoria no Parlamento e, em pesquisas, o PSD – partido apoiador do Cavaco e principal oposição ao governo – tem 39,8% das intenções votos contra 27,2% dos socialistas.
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'Base de um Chile mais justo', diz presidente da Constituinte na entrega de texto final
Ao cumprir um ano de debate, Convenção Constitucional encerra trabalhos com entrega de nova Carta Magna a voto popular
Aconteceu a última sessão da Constituinte chilena nesta segunda-feira (04/07) com a entrega de uma nova proposta de Constituição para o país.
"Esta proposta que entregamos hoje tem o propósito de ser a base de um país mais justo com o qual todos e todas sonhamos", declarou a presidente da Convenção Constitucional, María Elisa Quinteros.
Após um ano de debates, os 155 constituintes divulgaram o novo texto constitucional com 178 páginas, 388 artigos e 57 normas transitórias.
O presidente Gabriel Boric participou do ato final da Constituinte e assinou o decreto que convoca o plebiscito constitucional do dia 4 de setembro, quando os chilenos deverão aprovar ou rechaçar a nova Carta Magna.
"Hoje é um dia que ficará marcado na história da nossa Pátria. O texto que hoje é entregue ao povo marca o tamanho da nossa República. É meu dever como mandatário convocar um plebiscito constitucional, e por isso estou aqui. Será novamente o povo que terá a palavra final sobre o seu destino", disse.
No último mês, os constituintes realizaram sessões abertas em distintas regiões do país para apresentar as versões finais do novo texto constitucional. A partir do dia 4 de agosto inicia-se a campanha televisiva prévia ao plebiscito, que ocorre em 4 de setembro.
Embora todo o processo tenha contado com ampla participação popular, as últimas pesquisas de opinião apontam que a nova proposta de constituição poderia ser rejeitada. Segundo a pesquisa de junho da empresa Cadem, 45% disse que votaria "não", enquanto 42% dos entrevistados votaria "sim" para a nova Carta Magna. No entanto, 50% disse que acredita que vencerá o "aprovo" no plebiscito de setembro. Cerca de 13% dos entrevistados disse que não sabia opinar.

Reprodução/ @gabrielboric
Presidente da Convenção Constitucional, María Elisa Quinteros, e seu vice, Gaspar Domínguez, ao lado de Gabriel Boric
"Além das legítimas divergências que possam existir sobre o conteúdo do novo texto que será debatido nos próximos meses, há algo que devemos estar orgulhosos: no momento de crise institucional e social mais profunda que atravessou o nosso país em décadas, chilenos e chilenas, optamos por mais democracia", declarou o chefe do Executivo.
Em 2019, Boric foi um dos representantes da esquerda que assinou um acordo com o então governo de Sebastián Piñera para por fim às manifestações iniciadas em outubro daquele ano e, com isso, dar início ao processo constituinte chileno.
Em outubro de 2020 foi realizado o plebiscito que decidiu pela escrita de uma nova constituição a partir de uma Convenção Constitucional que seria eleita com representação dos povos indígenas e paridade de gênero.
"Que momento histórico e emocionante estamos vivendo. Meu agradecimento à Convenção que cumpriu com seu mandato e a partir de hoje podemos ler o texto final da Nova Constituição. Agora o povo tem a palavra e decidirá o futuro do país", declarou a porta-voz do Executivo e representante do Partido Comunista, Camila Vallejo.
A composição da Constituinte também foi majoritariamente de deputados independentes ou do campo progressista. Todo o conteúdo presente na versão entregue hoje ao voto público teve de ser aprovado por 2/3 do pleno da Convenção para ser incluído na redação final.
Com minoria numérica, a direita iniciou uma campanha midiática de desprestígio do organismo, afirmando que os deputados não estariam aptos a redigir o novo texto constitucional. Diante dos ataques, o presidente Boric convocou os cidadãos a conhecer a fundo a nova proposta, discutir de maneira respeitosa as diferenças e votar pela coesão do país, afirmando não tratar-se de uma avaliação do atual governo, mas uma proposta para as próximas décadas.
"Não devemos pensar somente nas vantagens que cada um pode ter, mas na concordância, na paz entre chilenos e chilenas e pela dignidade que merecem todos os habitantes da nossa pátria", concluiu o chefe de Estado.