Bandeiras brancas e negras com setas assinalando um mapa do País Basco dependuram-se, desafiadoras, das sacadas da rua Juan de Bilbao, no Casco Viejo de San Sebastián, exigindo o reagrupamento de presos da organização separatista basca ETA (Euskadi Ta Askatasuna) dispersos pelas cadeias espanholas. “Isto é um feudo etarra, com certeza. Meus filhos estariam aterrorizados se soubessem onde estou. Agora mesmo estão nos observando, como este senhor na porta, mas para mim tanto faz”, diz Mapi de las Heras, uma elegante mulher de 75 anos.
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É a primeira vez que Mapi pisa neste lugar desde quando seu marido, Fernando Múgica, um proeminente político socialista, foi assassinado com um tiro na nuca por um etarra, há 15 anos. Mais tarde se soube que Valentín Lasarte, um dos pistoleiros que o mataram, atualmente preso, era filho do dono do bar ao qual Mapi e o marido iam todo dia quando eram jovens, depois de trabalhar na modesta loja de peles de seu sogro.
Alfonso Daniels/Opera Mundi
Mapi de las Heras: integrantes do ETA “jamais abandonarão as armas até conseguir a independência”
As esperanças de que o ETA abandone a luta armada, pondo fim ao último grande grupo terrorista da Europa Ocidental, dispararam com o anúncio, há poucas semanas, de uma trégua permanente, geral e verificável internacionalmente. No entanto, parentes de vítimas do ETA como Mapi acreditam que se trata de uma armadilha para fazer pressão a fim de que o braço político do grupo, Batasuna, seja legalizado e participe das eleições locais de maio. Eles lembram que o ETA já anunciou em 2006 uma “trégua permanente”, rompida nove meses depois com um atentado contra o aeroporto de Madri que deixou dois mortos.
Nesta segunda-feira (07/02), o Batasuna apresentou em Bilbao os estatutos do novo partido, com o qual desejam retornar à vida política. “O rechaço inclui o ETA, enquanto sujeito ativo de ações que ponham em risco pessoas”, afirmou ao jornal espanhol El País o advogado do Batasuna, Iñigo Iruin. “E também a reparação de todas as vítimas, de qualquer classe”. Iruin adiantou que os dirigentes farão uma condenação “clara e ativa” das ações violentas, assim como “a quem fomente, ampare ou legitime os atos de terrorismo, se opondo a qualquer justificativa conceitual”. Dessa forma, os estatutos incluem a expulsão de qualquer afiliado do partido que participe de atos violentos.
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“Três dias depois do assassinato, encontrei um contêiner grande no centro onde estava escrito: 'Bundão, foda-se', referindo-se a meu marido. Os porteiros das propriedades ao redor me diziam que até meu cachorro estava ameaçado de morte”, conta Mapi, há sete anos exilada em Madri, como outros milhares de bascos opostos ao ETA, e cujos dois filhos ainda hoje precisam de escolta. “Chegaram a me atirar pedras e cuspir na rua. São uns fascistas, jamais abandonarão as armas até conseguir a independência.”
O governo espanhol insiste que, antes de ser legalizado, o Batasuna deve cortar os laços com o ETA e renunciar à violência. Ou então o ETA deve deixar de existir, pondo fim a 42 anos de luta armada para criar um Estado independente basco no noroeste da Espanha e sudoeste da França, com um saldo de mais de 800 mortos. Quase ninguém acredita que isso vá ocorrer sem uma negociação política.
Localização exata de San Sebastián, no País Basco
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Em Oiartzun, uma pequena vila rural rodeada de montes a cerca de 30 quilômetros de San Sebastián e um dos poucos lugares ainda em poder de grupos alinhados ao Batasuna, quase ninguém acredita que a paz esteja próxima. Todos ali têm algum amigo ou parente que pertence ao ETA ou está preso. Como Eluska Urkizu, de 24 anos, cujo tio está na prisão desde os anos 1980, e a quem ela visita desde os três anos de idade. “É muito duro para mim e minha mãe. É perigoso sofrermos um acidente na estrada e, além disso, é caríssimo visitá-lo. Agora ele está em Ciudad Real, a 600 quilômetros daqui, mas já esteve em muitas outras prisões: Pamplona, Huesca, Soria, Madri.”
Eluska fala sentada em um café na praça principal do povoado, onde três jovens jogam pelota basca sob os arcos da prefeitura, a parede rabiscada com o nome “Jon Anza”, em referência a um membro do ETA encontrado morto no ano passado na França em circunstâncias misteriosas. O Batasuna acusa as forças de segurança espanholas de estar por trás do assassinato, algo que estas negam categoricamente.
Quando perguntada se acredita que haverá paz no País Basco, Eluska responde irritada: “Paz? Que paz? Há poucos dias, a política prendeu dez pessoas que nem sequer pertenciam ao ETA. É sempre a mesma história: de um lado, continuam a repressão; de outro, exigem um cessar-fogo. Não querem paz, mas para nós, os bascos, não há alternativa.”
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