Na mesma semana em que se lembra a construção do Muro de Berlim (1961-1989), evento que completa 48 anos hoje (13), foi lançado o primeiro estudo detalhado sobre os alemães que tentaram atravessar para o lado ocidental ilegalmente e perderam suas vidas. Ao menos 136 pessoas foram mortas entre 1961 e 1989, segundo os pesquisadores do Memorial do Muro de Berlim e do Centro de Pesquisa Histórica de Potsdam no informe “As vítimas no Muro 1961-1989”, divulgado na terça-feira (11).
Turistas fotografam o Muro de Berlim – Wolfgang Kumm/EFE
De acordo com o material, a maior parte era formada por homens jovens, entre 16 e 30 anos. Nove crianças e oito mulheres morreram. O número ainda inclui vários berlinenses ocidentais e oito guardas de fronteira da Alemanha Oriental.
Outras 251 pessoas morreram ao atravessar regularmente a fronteira, principalmente por enfarte, disseram os pesquisadores. Não há um número oficial dos mortos fora de Berlim na longa fronteira que dividia a Alemanha, mas a imprensa alemã estima o total em 1.347.
“A construção do muro é um produto da Guerra Fria, é preciso entendê-la para compreender que, dentro de uma só cidade, se reproduzia a divisão no mundo”, explica o professor de História Contemporânea Francisco Carlos Teixeira, da UFRJ.
O governo da Alemanha Oriental não divulgava os detalhes das pessoas mortas enquanto tentavam fugir, e com frequência, as famílias das vítimas recebiam versões mentirosas da causa da morte de seus parentes.
Segundo o historiador do laboratório de estudos Tempo Presente, da UFRJ, Daniel Santiago Chaves, o controle de informação era essencial para minar uma potencial mobilização política. “A antipatia ao muro sempre foi muito intensa por parte da população comum, e nessa direção, mais agitações poderiam ser promovidas a partir da chegada de más notícias”.
Ele ressalta que não é possível dizer que só o lado comunista matou pessoas, “mas os mecanismos de controle eram mais objetivos – ou rudimentares, brutais, se preferirmos dizer assim”.
O atual ministro da Cultura alemão, Bernd Neumann, disse que é importante que as gerações mais jovens se lembrem da brutalidade do passado, especialmente este ano, com o 20º aniversário da queda do muro.
Para Chaves, é importante ressaltar que o muro não caiu, foi derrubado. “É essencial entender a população como o agente fundamental da derrubada, desmantelando a lógica de que o muro caiu por si só”, conclui.
Relato
Francisco Carlos Teixeira viveu em Berlim ocidental entre 1980 e 1985 no bairro de Tiergarten, bem próximo ao muro. Como é brasileiro, tinha permissão de ir para o lado oriental nos finais de semana, onde adquiria roupas e comida mais baratas.
A rápida construção do muro separou amigos e famílias e cortou ruas ao meio. “As pessoas que ficaram do lado oriental apenas toleravam o muro, tinham uma relação de frustração e desagrado intenso com ele e uma curiosidade muito grande com o Ocidente. As informações eram parcas, pequenas”, diz Teixeira.
Durante os anos 1970, lembra o historiador, houve uma propaganda intensa dos dois lados, que se utilizavam de rádios para mostrar as virtudes do capitalismo ou do comunismo. Na década de 1980, a guerra propagandística chegou à televisão. “No fim dos anos 1970 o programa de televisão mais popular em Berlim oriental era o [seriado americano] ‘Dallas’. Todo mundo começou a achar que a vida do ocidente era a vida daquela família, que tinha carros imensos, morava em ranchos e vivia uma vida milionária”, conta o professor.
Mesmo com a separação, a proximidade física das duas Berlins favorecia maneiras interessantes de se burlar a censura, lembra Teixeira. Ele conta que, certa vez, em 1980, um famoso cantor de rock do lado ocidental, Udo Lindenberg, pediu para fazer um show na Berlim oriental, mas teve o pedido negado pelo partido comunista. “Então ele fez um palanque bem alto do lado do muro para poder ser visto do lado oriental e conseguiu reunir uma multidão enorme com o show”.
Fronteiras
Enquanto o lado ocidental da cidade se recuperou por meio do Plano Marshall – principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial –, o lado oriental não recebeu qualquer investimento.
Nos anos 1970, o lado oriental ganhou suas primeiras áreas de lazer. Ainda assim, a vida das pessoas era limitada. “Cada fábrica tinha sua escola e seu bloco de apartamentos e as pessoas viviam nesses pequenos mundos”, explica Teixeira. As famílias separadas pelo muro em 1961 só puderam voltar a se comunicar e a se reunir depois da década de 1970, quando a Alemanha Ocidental reconheceu a existência da Alemanha Oriental, lembra.
As fronteiras eram um pouco mais permeáveis do que se imaginava. Era possível, segundo o historiador, fazer um pedido ao partido para passar de maneira legal. Normalmente se esperava um ano e meio, e a resposta costumava ser positiva se quem fez o requerimento não fosse um profissional altamente qualificado e não tivesse trabalhado em empregos de segurança.
Mais informações sobre o projeto e a pesquisa podem ser encontradas no site, em alemão.
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