A população da pequena ilha italiana de Lampedusa dobrou em menos de duas semanas. Os originais cinco mil habitantes da localidade, perto da Sicília e a menos de 130 quilômetros de distância da Tunísia, viram chegar milhares de refugiados do país africano. Segundo as autoridades italianas, mais de 5,2 mil tunisianos atravessaram o Mar Mediterrâneo desde a metade de janeiro, sendo a maioria (4,4 mil) nos últimos dias. Atualmente, mais de duas mil pessoas estão abrigadas em um centro de acolhimento para refugiados, local onde cabem 800.
A fuga maciça de milhares de jovens tunisianos após a queda do presidente Ben Ali colocou a Itália e a União Europeia em pé de guerra. Depois que o ministro italiano do Interior, Roberto Maroni, acusou Bruxelas de “ter deixado a Itália sozinha, como sempre”, a comissária de Assuntos Interiores, Cecília Malmstrom, rejeitou as críticas, assegurando ter oferecido ajuda, em vão.
Efe
Grupo de imigrantes da Tunísia conversa perto de centro de acolhimento em Lampedusa
Segundo Laura Boldrini, porta-voz do ACNUR (Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas), a Itália tem condições de enfrentar a situação, porém, somente se optar por uma política apropriada. “Por enquanto, está tudo calmo. Conversamos com os imigrantes e todos estão bem”, disse Laura ao Opera Mundi. “Precisamos, no entanto, descongestionar a ilha, porque há gente demais, e a situação pode se tornar explosiva. Confirmamos com o ministro Maroni que isso ia ser feito, mas, infelizmente, as transferências foram bloqueadas”, lamentou.
Os imigrantes que chegaram à costa italiana nos últimos dias são quase todos tunisianos e, embora uma pequena parte tenha solicitado o status de refugiado por serem apoiadores do regime de Ben Ali, a grande maioria busca trabalho. Além disso, para grande parte deles, a Itália é apenas uma etapa: o destino final é a França, onde têm amigos e parentes.
“Esperamos que a Itália adote uma política orientada para o acolhimento dessas pessoas”, afirmou Filippo Miraglia, do departamento de imigração da Arci, uma associação de promoção social. “Até agora, porém, o governo diz uma coisa e faz outra. Uma diretiva europeia para os deslocados permite dar um visto temporário, mas ninguém fez isso. Pelo contrário: os primeiros que desembarcaram em Lampedusa receberam uma ordem de expulsão no mesmo dia. É um procedimento incomum, pois o normal é esperar ao menos 15 dias para que o caso seja investigado”, explicou Miraglia.
Os refugiados tunisianos são predominantemente homens, entre 20 e 30 anos, atraídos pela esperança de uma vida nova. Mas o ACNUR também constatou a presença de ao menos 20 mulheres e mais de 200 menores de idade, muitos desacompanhados. De acordo com os voluntários na ilha, os imigrantes relataram que chegaram a pagar entre mil e 1,3 mil euros (2,2 mil reais e três mil reais) para tentar entrar na Europa.
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Outras milhares de pessoas estão tentando fazer o mesmo caminho em todo o Magreb. Tanto que o ministro do Interior italiano comparou os desembarques destes dias ao fluxo de pessoas em direção ao Ocidente após a queda do Muro de Berlim, em 1989. Maroni previu a ida de mais de 80 mil pessoas ao longo do ano para a Itália.
“No momento, não dá para saber se o fluxo continuará”, disse Laura. “Até agora, trata-se de um volume de pessoas com o qual a Itália pode lidar sozinha. É claro que, caso a questão afete toda a Europa – já que em muitos casos o destino final não é a Itália –, seria uma boa oportunidade para estabelecer uma cooperação entre os estados membros da UE, para, finalmente, enfrentarem o problema juntos”, completou Laura.
Acolhimento
Ao mesmo tempo, o êxodo de pessoas do Norte da África mostrou que os regimes autoritários, que aceitavam bloquear suas fronteiras, podiam perder este controle a qualquer momento. Os recentes acontecimentos na Líbia, assim como a agitação na Argélia, podem provocar uma fuga de pessoas ainda mais dramática.
No entanto, nem todos na Itália, como a Arci e a Caritas (uma ONG atrelada à Igreja), falam de uma política de acolhimento desses imigrantes. Portanto, segundo o ACNUR, a mídia italiana deve moderar no alarme. “É claro que a situação pode piorar, com a confusão no Norte de África”, reconheceu Laura. “Mas há tempo suficiente para adotar um ‘plano de contingência’. Isso, porém, é uma responsabilidade do Estado. O ACNUR está pronto para cooperar, mas não pode tomar a iniciativa”, disse a porta-voz.
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Enquanto isso, os dois mil tunisianos em Lampedusa estão vivendo acampados em condições precárias, em um campo previsto para menos da metade das pessoas. Cerca de 800 foram enviados para a cidade de Bari, na província da Puglia, no sul do país e 400 outros para Caltanissetta, na Sicília.
Além disso, os navios continuam saindo da Tunísia e já há notícias de desaparecidos no mar. O Mediterrâneo está se tornando cada vez mais um grande cemitério. Segundo a associação Médicos Sem Fronteiras, entre 1993 e 2002, morreram no mar cerca de três mil imigrantes. Fortress Europe, um grupo que monitora a quantidade de desaparições a partir das notícias publicadas pela imprensa, calcula que 15.556 desapareceram no mar entre 1988 e 2010.
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