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Angola sobrevive em meio à turbulência provocada pela crise econômica mundial graças aos altos investimentos estrangeiros no petróleo do Golfo da Guiné, porém, a maioria da população ainda vive em condições críticas
Uma máxima sobre o continente africano diz que a região é sempre a última a receber os dividendos das riquezas, e a primeira a sofrer os impactos de épocas difíceis na economia mundial. Este raciocínio, num primeiro momento, foi invertido após a tormenta causada pela crise financeira internacional, iniciada em setembro de 2008 e que teve como seu epicentro a economia norte-americana.
Até o atual momento, ao contrário dos países europeus e asiáticos, a maioria das nações africanas ainda não sentiu fortemente a onda de perdas, principalmente, por não possuir sistemas bancários atrelados a investimentos externos ou por não deter qualquer estrutura financeira moderna formada. Além disso, a reduzida diversificação de suas economias – bastante ligadas a matérias-primas, funciona neste período como um escudo, pois inexistem perdas industriais significativas.
Angola, ex-colônia portuguesa localizada no Golfo da Guiné e terceira maior exportadora africana de petróleo, é um exemplo de país que, por enquanto, não padeceu com a situação financeira atual. De acordo com o Banco Mundial, e seu representante e economista-senior para Angola, Ricardo Gazel, as políticas fiscais e monetárias aplicadas nos últimos seis anos pelo governo angolano ajudaram a diminuir a inflação e a manter altas taxas de crescimento do PIB, numa média de 14%, e de 18,5% nos recentes quatro anos – entre as mais altas em todo o mundo. A estimativa do Banco Mundial é a de que em 2010, o PIB angolano atinja a cifra de US$ 100 bilhões.
Para Gazel, em longo prazo, o baixo preço do petróleo no mercado, que já desvalorizou 53% desde julho de 2009, pode desacelerar o forte crescimento, mas em uma proporção menor do que a verificada em outros países. Cerca de 90% da economia angolana é estruturada em torno da exploração do petróleo e o restante, na mineração de pedras preciosas, principalmente o diamante.
O grande interesse estrangeiro, com destaque para a China, no óleo angolano, deve assegurar o forte enriquecimento de Angola, na opinião do cientista político da PUC-SP e consultor em Relações Internacionais com especialização em África, Cláudio Ribeiro. “Antes do estouro da crise econômica, já era esperada a instabilidade no preço das commodities em 2007. As petrolíferas estrangeiras vêem em Angola um mercado seguro, longe dos grandes centros. Por isso, não deixaram de investir e firmaram contratos longos, que garantirão rendimento por muitos anos”, explica Ribeiro.
No entanto, o crescimento em dois dígitos de Angola não aliviou os terríveis índices sociais do país, que ainda carrega cicatrizes de uma tardia independência – conquistada em 1975 – e uma longa e dolorosa guerra civil, cessada em 2002, com a morte de Jonas Savimbi, líder da Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola). O atual presidente, José Eduardo dos Santos, pertencente ao MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), lidera Angola há 24 anos. O MPLA e a Unita travaram 27 anos de conflitos, que vitimaram 1,5 milhões de pessoas e tornaram Angola um dos países com mais minas terrestres no mundo.
“Angola ainda não é uma democracia. Há uma elite oriunda dos royalties do petróleo que domina o Poder Executivo e também a maioria das terras angolanas. Os negócios são fechados com essas pessoas, extremamente ricas e que impedem a distribuição da renda”, salienta o cientista político. Enquanto residências construídas por construtoras estrangeiras, como a brasileira Odebrecht – que também atua como petrolífera, mineradora e imobiliária no país – custam US$ 5 milhões e são rapidamente vendidas, a expectativa de vida em Angola é de 40 anos, conta Ribeiro.
O descaso do governo com as camadas mais pobres, de acordo com Cláudio Ribeiro, pode culminar em novos conflitos e em uma justificada revolta popular. “Angola precisa migrar para uma economia de fato. O bom posicionamento do país no quadro geral africano, devido ao seu crescimento, pode ser comprometido pelo pouco que vem sendo feito pelos angolanos”, destaca Ribeiro.
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