Somente dois dos 16 estados alemães realizaram eleições neste domingo (01/09) para definir as novas composições dos parlamentos estaduais. Participaram das duas votações apenas 5 milhões dos mais de 61 milhões de alemães que estão aptos a votar em todo o país. Mesmo assim, o efeito das eleições estaduais na Turíngia e na Saxônia vai muito além das fronteiras estaduais.
Em primeiro lugar porque pela primeira vez num pleito estadual o partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) recebeu cerca de um terço dos votos. E, em segundo lugar, porque nunca antes os partidos que formam a coalizão do governo federal [no caso o Partido Social-Democrata (SPD), do chanceler federal Olaf Scholz, o Partido Liberal Democrático (FDP) e o Partido Verde] obtiveram, conjuntamente, um resultado tão ruim em eleições regionais.
Tanto na Saxônia quanto na Turíngia, a AfD, classificada de extremista pelas autoridades locais de proteção da Constituição, conquistou mais do que o dobro dos votos somados dos partidos governistas. SPD, FDP e Partido Verde obtiveram votações de apenas um dígito, sendo que os liberais e os verdes sequer atingiram o patamar mínimo de 5% dos votos para entrar no parlamento na Turíngia. Na Saxônia, os verdes entraram no parlamento, com 5,1%. Os liberais ficaram de fora.
Também o SPD esteve ameaçado de ficar de fora dos dois legislativos regionais. “Sejamos honestos, houve risco real de sermos eliminados dos parlamentos estaduais. Tivemos este ano pesquisas que nos colocaram com 3% das intenções de voto na Saxônia”, admitiu o secretário-geral do SPD, Kevin Kühnert, após as votações.
Ao final, o SPD acabou sendo poupado do vexame maior. Contudo, os 6% de votos que a legenda obteve na Turíngia é o pior resultado já obtido pelos social-democratas numa eleição estadual.
Insatisfação com governo federal
Queriam os eleitores mandar um claro recado ao governo federal? Segundo pesquisas, quatro em cada cinco alemães estão descontentes com o governo em Berlim, e não é de hoje.
A pesquisa Deutschlandtrend, da emissora pública ARD, vem registrando há meses avaliações ruins dos entrevistados para o chanceler federal Olaf Scholz e seus ministros. Por isso, o vice-líder da bancada da União Democrata Cristã (CDU) no Bundestag (Parlamento alemão), Jens Spahn, vê no resultado das eleições uma mensagem clara para a coalizão de governo. Segundo ele, as pessoas querem “enviar um sinal claro à coalizão de que o chanceler não possui mais nenhuma confiança”.
“Olaf Scholz é o rosto do fracasso, e isso também na Turíngia e na Saxônia”, disse Spahn. Se a coalizão de governo federal não mudar suas políticas, o descontentamento será ainda maior, observou.
A coalizão em Berlim é vista pelos eleitores como um grupo dividido e inoperante. Também não ajudou o fato de o governo ter rapidamente adotado medidas após o ataque a faca em Solingen, pouco antes das eleições estaduais.
Após o atentado, que deixou três mortos, o governo anunciou o endurecimento das suas políticas de imigração e segurança e ordenou de forma sumária a deportação para o Afeganistão de 28 afegãos condenados por crimes .
Repúdio ao êxito da AfD
A AfD, por sua vez, se vê fortalecida nas suas posições. A copresidente do partido Alice Weidel chamou os resultados das eleições de êxito histórico para a legenda.
Scholz, por outro lado, demonstrou preocupação e descreveu o resultado final como sendo amargo. “Nosso país não pode e não deve se acostumar a isso. A AfD faz mal à Alemanha: enfraquece a economia, divide a sociedade e arruína a reputação de nosso pais”, disse o chanceler.
Já Weidel pediu a renúncia do governo. “Isso foi uma punição para a coalizão de governo, foi um réquiem para essa coalizão”, afirmou. Para ela, o governo “deve se perguntar se tem mesmo condições de governar. No mais tardar após a eleição em Brandemburgo, a questão de novas eleições [federais] deverá ser colocada porque as coisas não podem continuar como estão.”
“Período de tolerância” para Scholz
Em 22 de setembro, o estado de Brandemburgo, também no leste do país, realizará sua eleição. Também lá a AfD lidera as pesquisas de opinião, mas é seguida de perto pelo SPD. Os social-democratas farão de tudo para manter a calma política nas semanas que antecedem a votação, uma vez que muita coisa estará em jogo também nesse estado.
O SPD governa Brandemburgo desde os anos 1990. “Espero que todos façam mais esforços do que vinham fazendo até agora”, advertiu o copresidente do SPD Lars Klingbeil após as eleições deste domingo, insistindo que os membros do partido devem trabalhar juntos para recuperar o apoio dos eleitores. “Todos desde já devem fazer sua parte para melhorar a situação.”
Apesar dos péssimos resultados na Turíngia e na Saxônia, Klingbeil garante que Scholz pode contar com o apoio interno. O líder do SPD assegurou que a legenda irá para as próximas eleições federais com Scholz como candidato à reeleição.
No entanto, essa união em torno de Scholz será posta à prova se o governador de Brandemburgo, Dietmar Woidke, que está no cargo há 11 anos, não conseguir se reeleger em setembro. Os rumores dentro do partido sobre uma possível troca de Scholz pelo bem mais popular ministro da Defesa, Boris Pistorius, ficarão ainda mais altos.
Cresce potencial para conflitos na coalizão
Resta saber se a coalizão entre SPD, FDP e Partido Verde vai durar até setembro de 2025. O péssimo resultado nas eleições estaduais e o fraco desempenho nas pesquisas de opinião prejudicam o clima entre os parceiros.
Em cada uma das três legendas crescem os pedidos por maior visibilidade própria e por candidatos com perfis de maior destaque. “Para o nosso partido, será agora uma questão de nos emanciparmos mais e deixarmos claro o que somente pode ser alcançado com o SPD e no que não mais permitiremos que nos usem”, sublinhou Kühnert.
O potencial para conflitos não está somente na definição do orçamento para o próximo ano, que deve ainda ser aprovado pelo Bundestag. Resta ainda saber se o governo federal conseguirá implementar o já anunciado endurecimento da política migratória. Há, certamente, algumas vozes críticas nas alas mais à esquerda do SPD e dos verdes que não concordam com as decisões do governo.
CDU eleva a pressão
Na verdade, nenhum dos três partidos que integram o governo pode se permitir um colapso da coalizão. No caso de uma eleição federal antecipada, eles dificilmente conseguiriam reconquistar a maioria no Bundestag.
Os prováveis vencedores seriam a AfD e os conservadores – o bloco formado pela CDU e a legenda da Baviera, a União Social Cristã (CSU). A CDU e a CSU, que compõem o maior grupo de oposição no Bundestag, já vêm há algum tempo pedindo a renúncia do governo.
“Os partidos da coalizão foram punidos”, afirmou o secretário-geral da CDU, Carsten Linnemann, na noite de domingo. “O partido de um chanceler que conquista votação de apenas um dígito nos dois estados do Leste deve se perguntar se ainda está fazendo políticas para o povo da Alemanha.”
Os conservadores vão agora continuar aumentando a pressão sobre o governo federal. O bloco conservador exige não apenas que as mudanças anunciadas na política migratória sejam implementadas logo, como também que elas sejam endurecidas ainda mais.
Após ataque a faca em Solingen, o presidente da CDU, Friedrich Merz, disse que já se passou dos limites no país. Para ele, o governo federal deve declarar emergência para estar apto a impedir a entrada dos migrantes já nas fronteiras alemãs.