Alemanha: partidos de centro perderam votos ao assumirem discurso anti migração, diz consultor
Cientista político Johannes Hillje afirma que ‘ascensão da extrema direita é um esforço conjunto inglório dos conservadores e sociais-democratas’
Nas recentes eleições na Alemanha, a extrema-direita tornou-se, pela primeira vez, o partido mais forte entre os trabalhadores. Nada menos que 38% deles votaram nos ultras da Alternativa para a Alemanha (AfD). A culpa, essencialmente, é das políticas implementadas pelos conservadores nos últimos anos, sobretudo de seu discurso e de suas medidas anti-imigração. Essa é a avaliação do consultor político de um grupo independente de Berlin, Johannes Hillje, publicada em artigo nesta sexta-feira (28/02) no jornal britânico The Guardian.
Debruçado sobre os resultados das urnas, Hillje conclui que AfD ganhou 890 mil votos do Partido Democrata Cristão (CDU), de centro direita, e 720 mil votos dos social-democratas (SPD), de centro-esquerda. Ambos formavam, junto com os Verdes, a coligação que convocou antecipadamente as últimas eleições porque perdeu a sustentação política.
“Em outras palavras, a ascensão da extrema direita é um esforço conjunto inglório dos conservadores e do governo anterior liderado pelo SPD”, afirma Hillje.
Como resultado, a extrema-direita tornou-se o partido mais forte entre os trabalhadores pela primeira vez desde a ascensão nazista. A AfD obteve 38% dos votos dos trabalhadores alemães enquanto só 12% deles votaram no SPD. E, ainda que no global a AfD tenha tido melhor desempenho na Alemanha Oriental (36%) do que na Ocidental (18%), entre os trabalhadores o partido venceu em ambas.
No oeste, os redutos da AfD são as regiões que estão passando pela reconversão de indústrias intensivas em energia para um menor consumo energético. Isso afeta setores como o químico, de carvão e a indústria automobilística entre outros.
Se aproximar da AfD faz perder votos para eles ou contra eles
Hillje acredita que isso ocorre porque a transição climática provoca grandes inseguranças econômicas, às quais nem o SPD, nem os verdes conseguiram apresentar uma agenda positiva, esperançosa. Por isso, o SPD perdeu votos para a ultra direita.
Já os conservadores perderam votos para a AfD precisamente porque aproximaram demasiado sua retórica e seus posicionamentos contra a migração da ultradireita. O ponto máximo foi quando, na reta final da campanha eleitoral, votaram ao lado da AfD no parlamento em uma resolução simbólica sobre migração.

Alice Weidel, a líder da AfD em capa de revista alemã
O analista reconhece que a Alemanha enfrenta uma necessidade urgente de tomar medidas sobre a migração, sobretudo levando em conta os recentes ataques mortais que tiveram alguns deles como protagonistas.
Mas ele frisa que as soluções da extrema-direita, das quais o centro anda se aproximando, sufocaria, inclusive, a imigração necessária para sustentar o mercado de trabalho alemão. Ele destaca que a AfD obtém mais votos exatamente nas regiões onde os moradores encontram menos estrangeiros.
Vitória dos ultras no próximo pleito é risco real
“Os imigrantes são um bode expiatório (…) e parte pela xenofobia, e em parte porque o partido consegue transformar medos econômicos em raiva cultural”, diz Hillje.
Ele acredita que o fracasso eleitoral do Partido Verde também se explica pelo discurso radicalmente contra a migração que os ecologistas assumiram. Nesse caso, os votos migraram para a Esquerda, que cresceu de menos de 5% para quase 9%. Robert Habeck, o candidato dos Verdes para chanceler, “estava apelando para os eleitores conservadores, mas eles dificilmente votariam nos Verdes”, frisa o analista.
Hillje lembra que a campanha da Esquerda também abordou questões básicas como aluguéis, preços de alimentos, mas que não houve proposta inovadora e que por isso esse partido “não é realmente a nova esperança para o campo progressista”.
Ele alerta que as possibilidades de a AfD vencer a próxima eleição, em 2029, são bastante reais. Afinal, é importante lembrar que o partido passou de 10% dos votos a mais de 20,8% em menos de quatro anos. Ele acredita que isso dependerá do que o novo governo fizer. Se continuar tentando enfraquecer a AfD assumindo o discurso da AfD, fracassará. Ele acredita que é preciso desenvolver uma agenda moderna para a migração e a economia, criando perspectivas claras de emprego para as classes média e trabalhadora.
Com informações do The Guardian.
