Na sala do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Bebidas e Similares (STYBIS) há uma reunião. Passados 13 dias do golpe de Estado que tirou o presidente Manuel Zelaya de Honduras, a resistência civil se organiza. Sempre antes do toque de recolher, que obriga os habitantes a correr para suas casas.
“Ninguém se reúne depois das 22h. Não podemos nos arriscar”, conta David, um antigo trabalhador do aeroporto de Tegucigalpa, agora aposentado, que participa dos movimentos de base a favor de “Mel” Zelaya e, sobretudo, contra Roberto Micheletti, “o italiano golpista” que comandava o Congresso e assumiu a presidência do país.
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Na sala, estão representantes dos trabalhadores, professores e estudantes, além de camponeses, movimentos feministas e outros setores do “povo de Zelaya”, formado principalmente por trabalhadores de classe média baixa. É o povo que vê no “vaqueiro de Olancho”, como o chamam em Honduras, o presidente que mais fez para combater a pobreza.
“Não podemos perder o foco. É fundamental que a gente não se desmoralize”, diz o representante dos movimentos cristãos. “A expectativa é grande. É preciso dizer a Mel que trate de voltar, de qualquer maneira, em qualquer canto do país. Assim as pessoas vão se reanimar e será uma injeção de força pura”.
“Homens de palavra”
As negociações com os golpistas na Costa Rica, mediadas pelo presidente Oscar Arias, começam hoje e os hondurenhos que apoiam Zelaya se organizam para tomar as ruas do país, as estradas, as cidades, com caminhões, carros e protestos, a partir de amanhã.
“Vamos parar o país. Vamos ver se não vai doer nos empresários!”, grita o líder de um dos movimentos camponeses de Olancho, o departamento do presidente Zelaya. “Nós de Olancho somos homens de palavra, temos culhão”.
Organizações sociais se reúnem diariamente. O movimento pró Zelaya tem conseguido vencer o temor, o cerco midiático e se organiza. Superar o medo da repressão é um passo importante, que se deve também ao apoio da comunidade internacional. A comunicação é feita por telefone, SMS, e-mail, rádio. No boca-a-boca.
Fora da sala de reunião, há um grupo de jovens tomando refrigerante e fazendo uma boquinha. Julio é quem fala mais. “Antes não participavam muitos jovens [da mobilização], mas é que estamos cansados. Além disso, há muita gente espantosa neste governo golpista. Por exemplo, o assessor de Micheletti é Billy Joya. Ele estava nos esquadrões da morte nos anos 80, no esquadrão 3-16. Matava e violava as pessoas. Fugiu para o Canadá por conta de seus crimes e agora é assessor de um presidente golpista. Eu não quero crescer em um país assim”.
Billy Fernando Joya Amendola, capitão de polícia reformado, integrou o esquadrão de inteligência 3-16 e fundou o esquadrão de elite de repressão Lince dos Cobras, do qual foi primeiro comandante, segundo o Comitê de Familiares de Detidos Desaparecidos em Honduras. É acusado de responsabilidade direta em pelo menos 16 operações, que deixaram mais de uma dezena de pessoas mortas e torturadas nos anos 80, período de forte instabilidade e repressão política na região.
Julio acaba de comer e se despede. Mora muito longe e precisa chegar antes do toque de recolher.
*Texto e fotos
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