Segunda-feira, 17 de novembro de 2025
APOIE
Menu

As recentes movimentações de Donald Trump contra a Venezuela reacenderam o alerta sobre os rumos da política externa dos Estados Unidos na América Latina. Para Ana Carolina Marson, professora de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o envio de navios militares à costa venezuelana, ainda que fora de águas territoriais, representa “uma demonstração clara de força”.

A Opera Mundi, Marson disse que a hostilidade contra Caracas não é exclusividade de Trump, mas um traço histórico da visão de Washington sobre a Venezuela. “Independente de ser um republicano ou um democrata no poder, a Venezuela sempre foi tratada como um problema, um incômodo. As sanções não começaram agora; elas apenas se intensificaram durante o governo Trump”, explicou.

Embora o presidente norte-americano seja conhecido pelas “bravatas”, Marson alerta que, desta vez, há indícios de que o discurso pode se transformar em ação concreta. Ela cita a tentativa de Trump de equiparar o combate às drogas ao terrorismo, o que abriria caminho para justificar intervenções militares.

“Trump fala muito, mas o que vemos agora é uma tentativa clara de intervir na América Latina. Essa movimentação de tropas mostra que ele pode levar o discurso a um próximo nível”, afirmou.

Outro ponto destacado pela especialista é o peso estratégico da Venezuela na geopolítica energética. Grande exportadora de petróleo e gás, o país se torna ainda mais sensível para os EUA, que buscam reduzir sua dependência de nações não alinhadas com a Casa Branca. “É inaceitável, para Washington, depender de países que desafiam sua hegemonia. Esse é um dos fatores centrais por trás da pressão sobre a Venezuela”.

Apesar do tom agressivo, Marson avalia que uma guerra aberta é improvável, especialmente porque Trump alimenta o desejo de conquistar o Prêmio Nobel da Paz, apoiado por aliados como o premiê israelense Benjamin Netanyahu. Ou seja, o republicano começar uma guerra sem provocação direta da Venezuela “prejudicaria fortemente sua reputação internacional. Ele precisa equilibrar seu discurso belicoso com objetivos de prestígio”.

Ofensivas contra Caracas é política norte-americana ‘independente’ do partido e bravatas podem virar ‘ações concretas’
Joyce N. Boghosian / White House

Proposta de união latino-americana

Diante das ameaças e pressões externas, iniciativas regionais ganham ainda mais relevância. Gustavo Petro, presidente da Colômbia, solicitou uma reunião de todos os ministros e chanceleres latino-americanos a fim de alcançar uma resposta em conjunto e coesa às ofensivas de Trump.

Para Marson, essa ideia de integração é uma tentativa de “blindagem política e econômica da região”. “É um movimento que mostra como os líderes latino-americanos compreendem a necessidade de se fortalecerem diante de pressões externas, sobretudo quando partem de potências como os EUA”, observou.

No entanto, a professora da FESPSP não acredita que essa coesão possa ocorrer agora. Um dos fatores que ela apontou é a divergência política entre os países, vide a Presidência de Javier Milei na Argentina e da extrema direita estar acendendo na América Latina. Por conta disso, para Marson, é mais provável que o combate às pressões dos Estados Unidos continuem de forma individual ou em pequenas coalizões.

Além disso, ela recordou a Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual os Estados Unidos fazem parte e iriam pressionar para que não existisse uma unidade fora disso.

Reflexos no Brasil

Na avaliação de Ana Carolina Marson, o Brasil não deve sofrer consequências militares diretas em razão da escalada de tensões entre os Estados Unidos e a Venezuela. “É muito difícil imaginar um ataque ou intervenção no Brasil. O incômodo maior de Trump está com a Venezuela. Aqui, a pressão tende a ser mais econômica”.

Porém, para a docente, o cenário exige atenção e prudência: “Trump se sente fortalecido no cenário internacional e pode tentar transformar bravatas em ações concretas. A América Latina, historicamente tratada pelos Estados Unidos como seu quintal, volta a ser alvo de ameaças de intervenção. Precisamos estar atentos para não subestimar os sinais”.