É um fenômeno inédito na historia econômica da região. Para enfrentar a maior crise financeira dos últimos cinquenta anos, os países de América Latina entraram em um ciclo de alivio monetário agressivo. É uma verdadeira ruptura em relação à política de rigor adotada na última década.
Desde o começo do ano, os bancos centrais anunciaram cortes que vão até 7,5 pontos numa tentativa de reativar a demanda interna e reverter a tendência de recessão das economias. A redução dos juros está sendo repercutida gradualmente ao custo dos empréstimos para pessoas físicas, o que contribui para manter a demanda interna. É um pedido histórico dos setores industriais.
A maior economia da região, o Brasil, representa o exemplo mais visível de queda das taxas de juros. Após terem se recusado a seguir o movimento mundial – o Banco Central dos Estados Unidos optou pelo estímulo monetário logo no começo da crise, tal como o Banco Central Europeu – as autoridades financeiras iniciaram uma redução progressiva de 4,5 pontos.
Um dígito
Em 11 de junho, a taxa básica Selic foi reduzida para 9,25% anuais. Desde a criação do Comitê de Política Monetária do Banco Central, em 1996, é a primeira vez que o Brasil registra uma taxa de um dígito. É também a primeira vez que os juros reais – descontada a inflação – chegam a 4,9%, abaixo do nível simbólico de 5% ao ano.
Os cortes mais agressivos foram introduzidos no Chile. Incentivado pela brutal desaceleração da atividade econômica, que registrou este mês uma queda de 4,4% em relação à mesma época em 2008, o Banco Central anunciou no dia 9 de julho uma diminuição de 0,25 pontos porcentuais para chegar a 0,5%. Em janeiro 2009, a taxa de juros era de 8,25%.
O México, segunda economia da região, tomou o mesmo rumo. Os analistas prevêem um novo recorte de 0,25 pontos percentuais este mês, chegando a 4,5%. A OCDE (Organização pela Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o FMI (Fundo Monetário Internacional) chamaram o México a acelerar o movimento. Eles lembram que é o país o mais afetado pela crise, devido a suas fortes relações com a economia dos Estados Unidos. A recessão deveria ser de 8% ou 7,3% segundo suas previsões respectivas.
Tradicionalmente mais ortodoxos, Peru e Colômbia mudaram o rumo de suas políticas para optar também pelo estímulo monetário. O Banco Central peruano anunciou o sexto corte, levando a taxa ao nível histórico de 2%. “A tensão política e social pode atrasar outros investimentos, acelerando a queda da atividade econômica. A diminuição dos juros pode facilitar a recuperação”, explica Alberto Ramos, economista para América Latina do banco de investimentos Goldman Sachs. Na Colômbia, a queda foi de 5,5 pontos porcentuais desde o começo do ano, para atingir 4,5%.
Contas equilibradas
A América Latina está aproveitando a desaceleração da inflação, que facilita políticas em favor do aquecimento da economia, sem medo de sofrer uma explosão dos preços. No Chile, a inflação que estava superior a 9% no ano passado caiu abaixo dos 2%. “Este nível justifica plenamente juros excepcionalmente baixos, já que uma inflação inferior a 2% não é desejável”, comenta Ramos.
As economias da região tiram também benefício do maior equilíbrio das contas externas, resultado de exportações muito altas durantes a última década. Ao contrário do que acontecia nos anos 1990, os países não precisam de juros tão altos para atrair capital externo.
Da mesma maneira, a estabilidade da política fiscal da maioria das economias latino-americanas faz com que os governos não sejam obrigados a pagar taxas muito elevadas para convencer o mercado a financiar sua dívida. Vale lembrar que, ainda com a queda recente, os juros reais no Brasil ocupam o terceiro lugar mais alto do planeta, atrás apenas de China (6,9%) e Hungria (5,9%), enquanto chegaram a perto de zero nos Estados Unidos. Para os investidores, os títulos da dívida brasileira são ainda um bom negócio.
Final do ciclo
“Esta política reverteu o pessimismo agudo com o qual os setores de atividade passaram a trabalhar após o agravamento da crise”, analisa Silvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin. Ele explica que o estímulo ao consumo interno ajudou a reduzir os estoques ao longo do primeiro semestre, permitindo a lenta retomada da produção.
Os economistas acham, porém, que estamos perto do final deste ciclo de alívio monetário. “No Brasil, esperamos mais um corte de 0,50 pontos em 22 de julho, o que levaria a taxa nominal para 8,75%. Após esse movimento, teremos a manutenção dos juros neste nível provavelmente até meados de 2010, quando poderemos ter um novo ciclo de alta”, explica Campos Neto. Segundo ele, “os riscos inflacionários estão contidos no curto prazo, dada a queda contínua dos preços no atacado, a ociosidade dos fatores de produção e o baixo crescimento da demanda”.
No caso do Chile, o governo terá que encontrar outras estratégias para relançar a economia, já que os juros são de 0,5%, deixando pouca manobra para uma nova diminuição. Os planos de reaquecimento do governo devem incluir outras medidas como desonerações tributárias, tal como introduziu o Brasil nos setores de veículos e eletrodomésticos.
Sinais de recuperação
A expectativa de um período prolongado de juros baixos está chamando a atenção de fundos internacionais à procura da compra de títulos de empresas latino-americanas. É especialmente o caso dos setores que dependem diretamente do consumo interno, sejam empresas grandes ou médias. Isso contribuiu para a recuperação das bolsas durante os últimos meses.
Sinais de recuperação já estão aparecendo na região. No Brasil, a atividade registrou uma contração de 0,8% no segundo trimestre, contrariando as previsões dos analistas de uma queda de 2,6%. O FMI acabou de revisar esta semana suas projeções de crescimento para América Latina, prognosticando uma expansão econômica de 2,3% em 2010, 0,7% acima do que tinha publicado três meses atrás.
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