O Sri Lanka passou a ter um novo presidente nesta segunda-feira (23/09), quando Anura Kumara Dissanayake, candidato da frente de esquerda Poder Popular Nacional (NPP, por sua sigla em inglês), tomou posse do cargo, um dia após a vitória eleitoral em que superou o presidente interino Ranil Wickremesinghe, de perfil mais conservador, e o líder da oposição de centro, Sajith Premadasa.
Após sua posse, Dissanayake reconheceu os desafios do país, que atualmente enfrenta uma crise econômica. “Não acreditamos que um governo, um partido ou um indivíduo possa resolver essa crise profunda“, afirmou ele em seu discurso inaugural.
Em sua primeira medida, o novo mandatário, de 55 anos, anunciou que dissolverá o parlamento em até 45 dias e convocará eleições gerais nas quais buscará não só a sua reeleição como também uma maioria no Parlamento, que ele não possui no momento, e que precisará para ter apoio às políticas que pretende implementar.
Na eleição de domingo (22/09), o líder de esquerda obteve 5,6 milhões de votos, cerca de 42,3% dos votos válidos. O centrista Premadasa ficou com 32,7% e o agora ex-presidente Wickremesinghe teve 17,2%, percentual que lhe deixou em terceiro lugar.
A vitória de Dessanayake é lida uma guinada política significativa, já que o país vinha sendo governado por uma alternância entre partidos e famílias tradicionais por décadas: por exemplo, o segundo colocado das eleições, Sajith Premadasa, é filho do ex-presidente Ranasinghe Premadasa, que governou o país entre 1989 e 1993. O último presidente eleito do Sri Lanka – antes do interinato de Wickremesinghe – foi Gotabaya Rajapaksa, que governou entre 2019 e 2022 e é irmão de Mahinda Rajapaksa, presidente entre 2005 e 2015. Ambas as dinastias citadas representam o Partido Liberal, de centro-direita.
A votação expressiva obtida por Dissanayake representou um apoio popular importante à promessa de mudança apresentada por sua coalizão, considerada de centro-esquerda devido a um grande número de partidos moderados que a compõem, embora o partido do presidente seja uma sigla marxista-leninista: a Frente Popular de Libertação (Janatha Vimukthi Peramuna, ou JVP), fundada em 1971.
O agora presidente cingalês tornou-se figura destacada no país por ser um dos principais rostos do JVP desde o ano 2000, quando foi eleito deputado pela primeira vez.
Nos últimos anos, Dissanayake trabalhou para reescrever a história de seu partido, que carregou o peso do envolvimento nas duas grandes insurreições ocorridas no país, a Revolta Popular de 1971 – quando o país era conhecido como Ceilão, nome de origem do gentílico “cingalês”, que ainda é usado para se referir ao que é oriundo desse país – e a Segunda Revolta Popular, entre 1987 e 1989.
Na campanha eleitoral deste ano, a NPP optou por um discurso mais moderado, que levou sua plataforma mais ao centro, suavizando alguns dos posicionamentos e enfatizando temáticas como combate à corrupção e auxílio aos mais pobres.
Quem é Anura Kumara Dissanayake?
Dissanayake não faz parte de uma família tradicional da política cingalesa, como muitos de seus antecessores. Nasceu em uma família predominantemente camponesa, embora seu pai tenha trabalhado como funcionário público. Foi o primeiro aluno de sua escola a ingressar na universidade, onde teve seu primeiro contato com o JVP nos anos 1980.
Após o fim da Segunda Revolta Popular, em 1989, ele foi forçado a se manter na clandestinidade. Anos depois, sua casa foi incendiada, em retaliação promovida pelas autoridades.
Eleito parlamentar pela primeira vez no ano 2000, como representante de um JVP que tentava se reerguer das perseguições sofridas após as revoltas populares, Dessanayake começa sua ascensão dentro da política do Sri Lanka. Seu segundo degrau seria escalado em fevereiro de 2004, quando foi nomeado ministro da Agricultura pela então presidente Chandrika Kumaratunga (1994-2005), outra representante da direita liberal, mas que havia conformado uma aliança com partidos de esquerda como o JVP ao final do seu mandato. Após o rompimento desse acordo político, em junho de 2005, ele abandonou o cargo.
Dessanayake assumiu a liderança do partido JVP em 2014. Cinco anos depois, em 2019, nasceu a NPP, coalizão socialista na qual o seu partido se aliou com siglas menores, sindicatos e movimentos ativistas. Naquele mesmo ano, o líder político concorreu à presidência pela primeira vez e conquistou apenas 3,8% dos votos.
O impulso na carreira política de Dissanayake ocorreu durante a crise econômica de 2022, quando o Sri Lanka ficou à beira da moratória, sem reservas estrangeiras para importar alimentos básicos, combustíveis e medicamentos. A insatisfação popular culminou com a renúncia do então presidente Gotabaya Rajapaksa e o fim de sua hegemonia na política, marcada por acusações de corrupção.
Oficialmente, o JVP afirma que tinha ligação direta com aquele movimento de protesto. Entretanto, anos depois, após a queda de Rajapaksa, muitos dos líderes daquelas manifestações se filiaram à NPP.
Desde então, o partido passou a promover uma campanha para captar a insatisfação popular que se manteve presente no país, já que o governo interino que assumiu o país, liderado pelo conservador Ranil Wickremesinghe, promovia as mesmas políticas do governo liberal que foi deposto. Com isso, Dissanayake conseguiu se posicionar como antagonista daquele projeto rejeitado pela população.
O novo presidente foi eleito com uma plataforma marcada pela promessa de transparência. Entre seus principais compromissos estão a responsabilização de líderes políticos anteriores pelos casos de corrupção, o fim aos privilégios parlamentares e a renegociação de um empréstimo de US$ 3 bilhões outorgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).