Aos 99 anos, alemã que foi secretária em campo de concentração recebe sentença definitiva
Irmgard Furchner foi acusada de cumplicidade nos assassinatos de mais de 10 mil pessoas em Stutthof, território que atualmente pertence à Polônia
A justiça alemã tornou definitiva nesta terça-feira (20/08) a condenação de dois anos de prisão com sursis de uma ex-secretária e datilógrafa de um campo de concentração nazista, atualmente com 99 anos. Esse pode ser o último veredito no país sobre os crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial.
Irmgard Furchner foi acusada de cumplicidade nos assassinatos de mais de 10 mil pessoas no campo de Stutthof, um território que atualmente pertence à Polônia. Aos 18 anos, em 1943, ela começou a trabalhar como datilógrafa e secretária do comandante Paul Werner Hoppe. Ela desempenhou as funções durante dois anos.
A defesa da idosa alegou que ela não tinha conhecimento dos assassinatos sistemáticos cometidos no campo de concentração. Em sua última audiência, Furchner disse lamentar “tudo o que ocorreu” e que se sente arrependida “por estar em Stutthof naquele momento”. Cerca de 65 mil pessoas foram exterminadas no local a mando do regime nazista, entre judeus, resistentes poloneses e prisioneiros soviéticos de guerra.
Em 2022 Furchner já havia sido condenada a dois anos de prisão com sursis, mas recorreu. No entanto, o pedido foi rejeitado pela mais alta instância judiciária da Alemanha, levando a Corte Federal de Leipzig, no leste do país, a anunciar nesta terça-feira o veredito definitivo.
Cheiro de carne humana queimada
Para a acusação, as alegações da idosa não são críveis e, por meio de seu trabalho, “apoiou diretamente o comandante do campo e outros membros nazistas que trabalharam na direção do local”, afirmou a juíza Gabriele Cirener. “Ela viu o estado físico catastrófico dos detentos, a falta de alimentos e roupas, as condições de higiene deploráveis, e sentiu o cheiro de carne humana queimada, cotidianamente, que escapava pela chaminé do crematório”, reiterou.
A condenação de dois anos de prisão com sursis é uma pena simbólica, observou a corte. A magistrada considerou que a função de Furchner era “hierarquicamente subordinada” e sua capacidade de reação era “reduzida em razão da doutrinação” nazista da época.

DPA
Julgamento de Irmgard Furchner começou em setembro de 2021 e teve sentença definitiva nesta terça-feira (20/08)
A decisão foi saudada pelo Conselho de Judeus da Alemanha. “Para os sobreviventes do Holocausto é extremamente importante lutar por uma forma tardia de justiça”, afirmou o presidente da organização, Josef Schuster.
Processo rocambolesco
O julgamento de Irmgard Furchner começou em setembro de 2021 de maneira rocambolesca. A idosa não se apresentou ao tribunal de Itzehoe, no norte da Alemanha, e fugiu da casa de repouso onde vive, tomando um táxi para chegar até uma estação de metrô de Hamburgo. Ela foi encontrada algumas horas mais tarde.
Quase 80 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, condenações de crimes da época nazista que ainda estão sendo investigados na Alemanha são cada vez mais raros no país. Vários processos de ex-funcionários de campos nazistas foram realizados nesses últimos anos na Alemanha. Mas, levando em consideração a idade elevada dos réus, muitos julgamentos não avançam e muitos acusados morrem antes de cumprirem suas penas de prisão.
É o caso de Josef Schütz, ex-guarda de um campo de concentração condenado em junho de 2022 a cinco anos de prisão. E faleceu um ano depois, aos 102 anos, sem cumprir a pena porque sua defesa recorreu da decisão.
Em junho do ano passado, o tribunal de Hanau, no centro do país, cancelou o comparecimento de um ex-guarda do campo de Sachsenhausen, de 99 anos. Ele foi julgado incapaz de assistir ao processo por razões de saúde.