A decisão do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de suprimir todas as restrições de viagem, envio de dinheiro e mercadorias da comunidade cubana é sinal de uma normalização gradual das relações com Cuba, que ainda vai depender do fim do embargo econômico vigente desde 1962, na opinião de especialistas ouvidos pela reportagem.
No mesmo dia do anúncio de Obama, o ex-presidente cubano Fidel Castro, em artigo, voltou a criticar o bloqueio, chamando-o de “medida genocida”. Ele afirmou que Cuba “não estenderá jamais as mãos pedindo esmola”, mas poupou o presidente norte-americano, dizendo que ele não pode ser culpado pelas políticas de seus antecessores.
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Na opinião do sociólogo e secretário-geral do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), Emir Sader, a medida faz parte de uma dinâmica de normalização gradual das relações entre Cuba e Estados Unidos e não deve ser tomada como uma fisionomia definitiva.
“É o esperado dentro do que politicamente havia sido anunciado durante a campanha presidencial. Obama não iria assumir uma postura estadista, normalizando as relações”, afirma o especialista, autor de diversos livros sobre Cuba e a conjuntura latino-americana de maneira geral.
Para ele, apesar da permanência do embargo, há o rompimento de uma engessada postura norte-americana. “Percebe-se a mudança de um processo de endurecimento que se intensificou a partir do fim do mandato de Jimmy Carter (1977-1981) e que piorou bastante na administração de George W. Bush. Rompe com essa tendência”.
Segundo Luiz Fernando Ayerbe, historiador, professor do Programa San Tiago Dantas de Relações Internacionais e autor do livro “A Política Externa dos Estados Unidos e a Trajetória da Economia Cubana”, o episódio demonstra que a iniciativa para qualquer normalização do cenário que, para ele, também virá por meio de um processo, deve partir dos norte-americanos. Para ele, o embargo, hoje, limita-se ao campo simbólico da política dos Estados Unidos. “Cuba é bem sucedida ao driblar esse bloqueio, por meio de parcerias com países importantes, como Canadá, Brasil, França, China e Venezuela. Cuba conseguiu compensar”.
Mas, de acordo com Ayerbe, é inevitável reconhecer que há perdas comerciais, já que “poderia haver mais turismo e intercambio econômico, sem dúvida”. “Os dólares que ingressarão na ilha por meio de remessas terão de ser trocados pelos cucs – moeda criada pelo governo cubano, equivalente a 1,20 dólares e a única 'livremente conversível' – e isso aumenta a reserva do governo. Pode haver uma melhora social”.
“Raúl Castro valoriza mais as concessões econômicas”, afirma Sader. Segundo o sociólogo, o comportamento do atual líder cubano indica uma busca pela moderação. Um exemplo foi a vinda do ministro das Relações Internacionais de Cuba, Bruno Rodriguez, ao Brasil logo após sua nomeação. “Foi uma surpresa não ter ido primeiro à Venezuela, país que tanto apoia Cuba. Isso demonstra que Raúl quer evitar um quadro de polarização muito forte, pois dessa forma, o governo dos Estados Unidos tenderia a não se flexibilizar”.
Cúpula das Américas
Único país de fora da 5ª Cúpula das Américas, que começa na próxima sexta-feira (17) em Trinidad e Tobago, Cuba deverá ser um tema central no evento. “Haverá uma pressão de Hugo Chávez, Evo Morales e talvez dos líderes da Nicarágua e do Equador para que Cuba figure nas conversações”, opina Ayerbe.
O chanceler brasileiro, Celso Amorim, disse hoje que a América Latina não abrirá mão de pedir ao presidente Obama o fim do embargo e a reinserção de Cuba no foro interamericano. Amorim admitiu, porém, que haverá o cuidado de evitar um tom agressivo e de confrontação, para não abortar uma discussão reconhecidamente delicada e que está apenas começando.
No entanto, para Sader, dificilmente o país aparecerá no documento final da cúpula. “Mesmo que haja um consenso e votos majoritários, os Estados Unidos não vão aceitar. O símbolo que Cuba representa e a prepotência norte-americana não permitirão isso”.
Reação em Havana
Apesar de Obama não ter acabado com o embargo, nem prometido que o fará, muitos habitantes de Cuba veem nele um ponto de partida para o avanço das relações. De acordo com o correspondente em Havana do jornal mexicano Monitor, Enrique Oliva, os cubanos “tinham uma fé, quase religiosa, que o primeiro presidente negro norte-americano assumiria uma nova política com Cuba, diferente das anteriores administrações”.
“Os cubanos têm um relativo otimismo de que o fim do embargo está chegando. Eles desejam uma reconciliação entre os cubanos que vivem na ilha e no exterior, de que Washington deixe de intervir em Cuba”, afirma.
Segundo ele, cubanos ou descendentes de cubanos que vivem nos Estados Unidos já estão voltando à ilha e buscando as casas de parentes para recuperá-las. “Alguns cogitam a possibilidade de residir aqui parte do tempo e ir aos Estados Unidos somente para cobrar as aposentadorias, fazer compras e receber os benefícios médicos”.
Oliva relata uma cena presenciada por ele na capital cubana, logo após o anúncio da decisão de Obama e que, em sua opinião, traduz o sentimento de alguns dos cubanos com a novidade.
“Um jovem tomava cervejas, enquanto cantava muito alto uma canção que o cantor cubano-americano Willy Chirino tornou conhecida nos anos 1990, quando se esperava que a qualquer momento cairia o regime de Fidel. A letra diz: 'Ya vienen llegando, ya toda Cuba le esta esperando', em alusão às mudanças democráticas e à reconciliação com os EUA. O curioso é que, apesar da música não ser tocada em Cuba, quase todos no país a conhecem. Alguns jovens riram e outros o aconselharam a baixar a voz, por precaução”.
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