Porto Príncipe é um acúmulo de tijolos e de corpos. Corpos vivos e mortos. Corpos feridos, agonizantes e outros que ficaram sob os escombros dos prédios, derrubados como castelos de cartas. Hoje (16) a terra voltou a tremer. Houve vários abalos de manhã entre as 7h e as 11h (hora local), sendo o último de 4,5 graus na escala Richter. Muitos edifícios continuam desmoronando e a única parte segura da cidade é a rua.
O cheiro de morte permeia o ar e adere a qualquer coisa. Nas ruas da cidade, de repente, aparecem dezenas de acampamentos improvisados, delimitados por pedras e tijolos. As pessoas que perderam a casa e não sabem para onde ir se abrigam no meio das vias, também com medo de outros tremores ou da queda de pedaços e rebocos.
Passando pela rua Dalmas, uma das artérias da capital haitiana, encontram-se grupos trabalhando entre o que sobra da prisão, derrubada completamente. Aqui estão enterrados tanto presos quanto policiais, mas vários detentos que se salvaram conseguiram escapar. Isto gerou uma caçada por parte da polícia da Minustah, a missão da ONU que desde 2004 tenta estabilizar o país depois da derrubada do presidente Jean-Bertrand Aristide.
A busca sob os escombros está concentrada em algunas zonas da cidade, como o Hotel Montana, no centro. Na maior parte de Porto Príncipe, sobretudo nas bidonvilles (favelas), ninguém está procurando sobreviventes. As buscas nem sequer começaram, porque não há meios disponíveis.
Valas comuns são abertas para acolher as talvez centenas de milhares de mortos sem rosto nem nome, simplesmente apagados por um terremoto que não atingiu as casas dos ricos, construidas com critério e materiais resistentes.
“Este desastre não teria acontecido se estas casas tivessem sido construídas segundo as elementares regras anti-sísmicas”, alega a ativista Fiammetta Cappellini, chefe da missão no Haiti da ONG italiana Avsi. “Depois de três dias, ainda estamos contando os mortos e os desaparecidos, mas não se pode calcular com precisão quantos são”.
No centro da cidade, na rua Nasone, os mortos estão amontonados nas calçadas, cobertos, no melhor dos casos, com lençóis velhos. Outros são carregados nos braços pelos parentes, ou em carretas. Os mais afortunados têm caixão.
Coordenação
Porto Príncipe agora é um formigueiro humano feito por gente que vaga nas ruas sem rumo, buscando sobreviventes, transportando feridos, ou simplesmente em estado de choque, sitiando os poucos hospitais que dão atendimento e os acampamentos montados pelos voluntários das organizações não-governamentais e as instituições das Nações Unidas.
“O problema aqui é que todos os voluntários e as forças internacionais não têm uma boa coordenação”, diz ao Opera Mundi o voluntário francês Philippe, enquanto espera uma reunião no centro logístico da ONU no aeroporto. “A função de coordenação teria que ser desempenhada pela Ocha, a agência da ONU que cuida de gerenciar todas as forças em campo em casos de emergência humanitária, mas até agora não parecem capazes de coordenar o trabalho de maneira eficaz. Além disso, as comunicações são precárias. Até dois dias atrás, nem os integrantes da Minustah podiam se comunicar eficientemente entre eles”.
As ajudas estão chegando, mas ainda não começou a distribuíção sistemática para a população.
Em frente ao centro logístico dos Médicos Sem Fronteiras da Bélgica, no bairro de Pétionville, juntam-se feridos que pedem ajuda. “Aqui cuidamos dos casos menos graves, conta a enfermeira haitiana Nadine. “De qualquer forma, temos pouco espaço”. E, de fato, os corpos estão amontoados nos espaços comuns, nos estacionamentos, estirados em macas, papelão e lençóis. Os ossos são arrumados com papelão, como se pode.
Falta de tudo
Além das vitimas e da distribuição cada vez mais urgente, com o passar dos días, há a falta de comida, água e gasolina. As poucas bombas de gasolina disponíveis estão guardadas pelos capacetes azuis no caos de tráfego e de gente, para evitar desordens e saques.
No bairro da Cité Soleil, um dos mais pobres da cidade, há filas para reabastecer água. Mas não é água potável. É água de esgoto de uma cidade que não tem um sistema de saneamento, cujas ruas são a sarjeta mesmo que limpa quando chove.
À noite, só há escuridão sobre Porto Príncipe, onde, com sorte, há eletricidade por quatro ou seis horas por día, normalmente.
Um pregador caminha pelas ruas do centro, seguido por uma fila de acompanhantes. “O fim do mundo está próximo. Preparem-se para receber o fim do mundo. Não se sabe quando chegará, mas será muito em breve”.
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