O chanceler argentino, Héctor Timerman, e seu par uruguaio, Luis Almagro, chegaram a um consenso sobre o monitoramento conjunto da fábrica de celulose UPM, conhecida anteriormente como Botnia, localizada às margens do rio Uruguai, na fronteira entre os dois países. A decisão veio após uma reunião de 10 horas realizada neste domingo (14/11) no palácio Santos, em Montevidéu.
Segundo o documento assinado após as negociações entre os ministros, cientistas e representantes da Comissão Administradora do Rio o Uruguai (CARU), a fábrica passará por 12 inspeções anuais e por um monitoramento diário feito pela Direção Nacional de Meio Ambiente do Uruguai, cujos resultados serão compartilhados com a Argentina. “O comitê científico chegou a um acordo que prioriza o cuidado com o meio ambiente. Ambos os governos estamos muito satisfeitos”, afirmou Timerman, através de sua conta no Twitter, após a reunião.
Efe
O chanceler argentino Héctor Timerman (esquerda) e o uruguaio, Luis Almagro, saem de reunião bilateral
Fontes oficiais da chancelaria argentina afirmaram ao Opera Mundi que a reunião estabeleceu como serão controlados os índices de efluentes – dejetos expelidos pela produção – tanto dentro da fábrica finlandesa como na desembocadura do rio Gualeguaychú no rio Uruguai. Os próximos diálogos entre os países devem abordar a realização de monitoramentos em toda a extensão do rio Uruguai e também das indústrias e produtoras agrícolas na região fronteiriça dos dois países.
De acordo com as mesmas fontes, a demora para a conquista de um consenso entre os governos se deveu a “pequenas diferenças técnicas e detalhes de interpretação das propostas de cada lado”. Quanto aos índices de contaminação da fábrica, afirmaram: “Os dois países sabem quem todas as empresas contaminam e têm um impacto sobre o ecossistema, mas é necessário garantir que esta contaminação não ultrapasse os limites normativos permitidos pelos dos países.”
Conflitos
Os impactos na corrente fluvial provocados pela fábrica de celulose, instalada na cidade uruguaia de Fray Bentos, às margens do rio fronteiriço, são motivo de tensão entre os países há pelo menos cinco anos, antes mesmo do início das atividades de produção da planta, em novembro de 2007.
Em maio de 2006, a Argentina denunciou o país vizinho na Corte Internacional de Justiça pela violação do Estatuto do Rio Uruguai, firmado por ambos os países em 1975, com o argumento de que o Uruguai autorizou unilateralmente a construção das fábricas de celulose Botnia e ENCE, que acabou se instalando em outra região do país. Frente à solicitação de uma medida cautelar para impedir a construção da planta, a corte emitiu sua negativa ao sentenciar que não existia uma ameaça “urgente” de “dano irreparável” para o Rio Uruguai. O parecer final a respeito do conflito foi dado no início deste ano, quando a corte determinou que o Uruguai descumpriu com as disposições internacionais para a instalação das plantas.
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A sentença definiu, no entanto, que não havia motivos para a retirada da empresa das margens do rio Uruguai. “Nenhum artigo do estatuto de 1975 aborda os maus odores que alega a Argentina. Por estas razões, a demanda relativa ao mau cheiro e a seu impacto sobre o turismo argentino não é de competência desta Corte”, determinou, além de explicitar que as provas de contaminação apresentadas pela Argentina eram insuficientes: “A Corte desestima, com base na documentação apresentada, que a tecnologia utilizada pela fábrica não cumpra com a utilização das melhores técnicas para o tratamento de afluentes”.
Paralelamente, desde 2006, ambientalistas bloqueiam intermitentemente a ponte internacional que conecta a cidade argentina de Gualeguaychú à localidade uruguaia de Fray Bentos, em protesto contra a atividade da Botnia. O Uruguai também demandou medidas cautelares ante a Corte Internacional para impedir os cortes da ponte. Milhares de pessoas se mobilizaram em protestos contra a empresa, como no “Abraço no rio Uruguai”, que reuniu cerca de 100 mil manifestantes sobre a ponte que liga os países.
Avanços
Quando assumiu o ministério de Relações Exteriores argentino em junho deste ano, Timerman afirmou que iria “inovar” para “terminar de resolver” as diferenças entre os países. Na ocasião, o chanceler admitiu, em entrevista a uma rádio de Buenos Aires, que havia “uma rispidez” entre o Uruguai e a Argentina.
Segundo a imprensa argentina, o conflito do rio Uruguai foi um dos desencadeadores da saída de Jorge Taiana do ministério, após uma discussão com a presidente argentina, que teria acusado o ex-chanceler de deslealdade por revelar ao jornal Clarín que o governo estaria de acordo com a proposta de Mujica que incluía a participação do Brasil no monitoramento das emissões da empresa.
Após o compromisso recém estabelecido, ambos governos demonstraram satisfação pelo avanço das negociações que deve, finalmente, destravar as relações diplomáticas entre os países. Os ambientalistas e defensores da saída da empresa finlandesa da região fronteiriça, no entanto, ainda alimentam desconfianças sobre os resultados efetivos do acordo.
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Desconfiança
Para Juan Carlos Borgogno, representante do movimento Uruguai Natural Multiprodutivo (Unamu), ressalta o histórico de “impunidade da empresa finlandesa”. “Observamos de maneira positiva que estejamos avançando porque este controle sempre deveria ter existido”, afirmou. “No entanto, será necessária uma constante vigilância, porque todas as atitudes tomadas até então pela Botnia não nos traz plena confiança sobre a rigorosidade deste monitoramento. Esta empresa sempre se demonstrou pouco apegada à ideia de supervisão de sua planta”, disse ao Opera Mundi.
Segundo ele, a submissão da empresa ao controle será “forçada por uma ação coercitiva”, já que originalmente “não atua de forma consciente, racional e responsável” em relação ao assunto. O ativista ressalta também a evidência dos impactos na produção de alimentos, no meio ambiente e na desvalorização da cidade uruguaia de Fray Bentos, decorrentes das atividades da fábrica. “Observamos uma fuga anormal da população de peixes do rio Uruguai e um número terrível de animais mortos. Além disso, o cheiro insuportável de repolho podre afeta o turismo, que era intenso nesta região, e virou uma zona quase desocupada”, explicou.
Já Gustavo Rivollier, da Assembleia Cidadã Ambiental de Gualeguaychú, articuladora dos cortes na ponte que conecta os dois países, afirmou que ainda não se inteirou do teor do compromisso firmado no domingo. “Vamos solicitar reuniões com o chanceler para conhecer os pontos estabelecidos e preferimos ser prudentes antes de emitir opiniões de um documento que não conhecemos”.
Rivollier esclareceu, porém, que o monitoramento conjunto gera dúvidas. “Tanto o governo argentino como o uruguaio sabem que esta empresa é contaminante e sabemos muito bem que o Uruguai tentará colocar obstáculos para a execução deste controle. A solução definitiva do conflito seria a retirada da Botnia desta região”, defendeu.
O uruguaio Borgogno reconheceu, no entanto, que a notícia ajudará a aumentar o controle da contaminação da região: “Agora, será muito difícil para que qualquer lado tente ocultar os danos provocados pela planta porque a população está em alerta”, garantiu.
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