Madrid, rua Telléz. Este foi o local escolhido pela Asociación 11-M Afectados Del Terrorismo para soltar 191 bexigas hoje (11), cada uma representando um dos mortos nos atentados do dia 11 de março de 2004. Outras 1.400 pessoas ficaram feridas após a explosão quase simultânea de dez bombas em quatro trens da rede ferroviária da capital – um deles passava pelo local da homenagem.
Dezoito pessoas foram condenadas. Muitas mais sofrem as consequências indiretamente. O maior ataque terrorista na Espanha desencadeou, além de protestos, revolta e dor no povo espanhol e em todo o mundo, o cerceamento aos direitos e liberdades civis de muitos imigrantes que vivem por aqui, principalmente muçulmanos.
Os ataques de 11 de março e os atentados que deixaram 52 mortos em julho de 2005, em Londres, ajudaram a criar um cenário para o crescimento, não só da xenofobia, mas também da islamofobia, principalmente depois que grupos ligados à Al Qaeda assumiram a autoria dos atentados. Homens e mulheres considerados “violentos” foram presos. Seus crimes? Ter um “perfil suspeito”, serem muçulmanos e seguirem o Alcorão, o livro sagrado islâmico.
“Na Europa e em todo o mundo, a partir do 11 de Setembro [de 2001, data do ataque aos Estados Unidos], foram feitas leis que reduzem as liberdades, principalmente dos muçulmanos”, afirma Ahmed Hijazi, jornalista e especialista em mundo árabe e muçulmano.
Aqui na Espanha, uma pessoa pode ficar até três dias detida para que um juiz avalie sua situação. Mas no caso de suspeita de terrorismo, o período da detenção aumenta para cinco dias. A lei antiterrorista espanhola ainda determina que todo suspeito deve ficar incomunicável por até 13 dias. Durante esse período, não pode receber visitas nem contratar o advogado que prefira, e a defesa não tem acesso aos resultados das investigações, às provas que sejam apresentadas. É o chamado “segredo de sumário”.
“Os governos são oportunistas porque é muito fácil fazer uma guerra em nome da segurança. Mas na verdade, eles estão utilizando o terrorismo para alterar suas legislações, para mudar o Estado de Direito, para mudar a essência do Estado Democrático”, completa Ahmed.
Hoje, os muçulmanos representam 3,5% da população residente na Europa e 2,5% da espanhola, segundo dados não oficiais de associações islâmicas.
Danos psicológicos
Na Inglaterra, por exemplo, um estudo realizado pelo diplomata britânico Craig Murray revelou que desde a criação da lei antiterrorista, após o 11 de Setembro, de todos os muçulmanos detidos no país, apenas 12% foram formalmente acusados de algum crime. E dos que foram acusados, 80% foram absolvidos, sendo que a maior parte dos condenados não tinha nenhuma relação com o terrorismo. Tinham cometido outros delitos.
Para Ahmed, a pessoa presa sem provas sob acusação de terrorismo não consegue se restabelecer no seu meio social e perde amigos, família e trabalho, mesmo que não seja condenada. “Vão continuar te chamando de terrorista, de suspeito por terrorismo. Não há nenhuma compensação por essas perdas e pelos danos psicológicos que sofre essa gente”.
A Espanha, assim como a maioria dos países da Comunidade Europeia, não tem dados oficiais de crimes racistas e, portanto, de crimes cometidos contra muçulmanos. Mas para o jornalista, o pior não são os insultos contra muçulmanos, e sim “os discursos dos políticos, dos jornais, da televisão, que dizem um monte de coisas e você se sente mal, pois sabe que não correspondem à realidade”.
Marroquinos
Estudos de entidades ligadas aos direitos humanos e comunidades islâmicas revelam que na Espanha, o preconceito se volta principalmente contra os marroquinos, que são maioria entre os muçulmanos no país e a segunda maior colônia de imigrantes – a maior é a de romenos, segundo o INE, o IBGE espanhol, que usa dados de imigrantes registrados.
Homens e mulheres são perseguidos por seguirem o Islã e são submetidos a um controle mais rígido, muitas vezes perdendo o direito de ir e vir. Por esse motivo, depois dos atentados nos EUA, Ahmed decidiu abrir mão da nacionalidade jordaniana em favor da espanhola, já que não há acordo entre os dois países para dupla cidadania. “Com um passaporte árabe te intimidam, te dificultam a vida, as viagens. Isto também é islamofobia”.
Cinco anos após os atentados de 11 de março de 2004, em Madri, e mais de sete anos após a derrubada das Torres Gêmeas, em Nova York, o discurso que associa terrorismo à imigração e ambos a uma ameaça à segurança volta a crescer entre a população européia, inclusive entre os jovens. O novo combustível é a crise econômica.
Judeus
Segundo um estudo do Observatório Estatal de Convivência Escolar, órgão do Ministério de Educação da Espanha, dois terços dos alunos entre 12 e 16 anos não querem trabalhar com marroquinos e ciganos e mais da metade repudia os judeus. A situação é um pouco mais amena em relação aos latino-americanos, mas o índice também é alto: 46%.
Além disso, o medo de desemprego fomenta a intolerância contra os estrangeiros. Um exemplo ocorre na Itália, onde o primeiro-ministro Silvio Berlusconi obrigou os médicos a denunciar os imigrantes “sem papéis”. Na Espanha, onde o desemprego já atinge 3,5 milhões de pessoas – 50% de crescimento nos últimos 12 meses –, surgem slogans xenófobos como “os espanhóis primeiro”.
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