Sexta-feira, 16 de maio de 2025
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Era difícil ignorar, nesta quinta-feira (10), a organização do último comício de campanha de Sebastián Piñera em Santiago do Chile. O bilionário tinha comprado páginas de publicidade em toda a imprensa e cartazes convocando para o evento cobriram a capital chilena.

O empresário Piñera é candidato da Aliança pelo Chile, a coligação da direita chilena, que disputa unida pela primeira vez desde a saída de Pinochet, em 1990. Sua estratégia política é mostrar claramente para os chilenos que é rico e que seu dinheiro o ajuda a fazer política, sem medo do apelido de “Berlusconi chileno”. Segundo a revista Forbes, sua fortuna pessoal é estimada em 1,2 bilhão de dólares.

Dono do canal de televisão Chilevisión, do clube de futebol Colo-Colo (o mais popular do Chile), e principal acionista da companhia aérea LAN Chile, Piñera é o único candidato que não precisa de financiamento público para a campanha nem da ajuda de outros empresários. Ele já demonstrara isso em 2005, quando tentou eleger-se presidente pela primeira vez, perdendo para Michelle Bachelet.

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“Naquela época, ele pagou mais de 45% do custo de sua campanha com dinheiro próprio”, lembra Giorgio Martelli, que foi diretor financeiro da campanha de Bachelet.

Corrupção

A tática funciona bem, sobretudo na classe média que sonha com uma economia chilena tão bem sucedida quanto os negócios do bilionário. “Ele é um bom negociante, vai saber fazer o dinheiro do país dar frutos. Ele representa o dinamismo da economia”, acredita o administrador Conde Valdés, 67, justificando sua preferência. “Ele já tem muito dinheiro, não vai precisar roubar como os outros”.

Escândalos de corrupção nos últimos anos mancharam a imagem da Concertação, a coligação de centro-esquerda. A corrupção é pouco tolerada no Chile, o país mais bem colocado na América Latina em relação à honestidade de suas elites.

Em teoria, Piñera abriu mão de administrar sua fortuna no começo do ano para que seus objetivos políticos não entrassem em conflito com os negócios. Mas os termos da delegação de poderes que assinou são poucos claros. O candidato não assumiu nenhum compromisso firme em relação ao tema em caso de eleição.

“Estou muito preocupado com a ideia de termos um presidente dono de um canal de televisão, sabendo que é ele que vai escolher o regulador do setor”, diz o deputado Felipe Harboe, da Concertação. “Também preocupa o fato de ele ser proprietário da única companhia aérea do Chile: como vão ser as relações com os vizinhos? Será que ele vai falar dos interesses do país, ou da expansão da LAN Perú e da LAN Argentina?”, continua.

Harboe lembra que Piñera ficou famoso por interromper reuniões políticas para falar ao telefone e negociar ações. “É a natureza dele! Eu não duvido que ele tenha uma grande vocação para o serviço, mas receio que não seja o serviço público”, completa.

Pragmatismo

A Concertação, porém, não conseguiu emplacar um debate sobre as incompatibilidades entre as funções de um chefe de Estado e um dono de empresas ligadas ao Estado.

“O Chile é um país de empresários. Todo mundo gosta de negócios e gostaria de ter a fortuna de Piñera”, explica o professor de ciências políticas Santiago Escobar, da Academia de Humanismo Cristão, uma universidade de Santiago. Para ele, Piñera é também um homem muito pragmático. “Se for presidente, ele não vai ter uma política muito à direita. Ele vai fazer o de sempre: negociar e usar suas convicções liberais”.

O empresário já se disse a favor da união civil entre homossexuais e da distribuição da pílula do dia seguinte, apesar da oposição de seu campo, em que a influência católica é grande.

Senador entre 1990 e 1998 pela Renovação Nacional, partido da direita chilena que teve vários dirigentes no regime militar de Augusto Pinochet, Piñera lembra hoje que desde então condenava a violação dos direitos humanos cometida pela ditadura. No plebiscito organizado em outubro de 1988 para decidir sobre a permanência do ditador no poder até 1997, Piñera foi um dos raros políticos da direita a votar “não”. Pinochet perdeu: os votos pela sua saída foram 55,2% do eleitorado.

Discrepâncias

Mas ele não se afastou de outros líderes políticos que, com Piñera, esperam voltar ao poder. “Acho que o Chile cansou desse esquerdismo da presidente”, diz Carlos Larraín, presidente do Renovação Nacional. “Não queremos mais ter no Palácio de La Moneda pessoas que se inspiraram na experiência da Alemanha Oriental”, acrescenta, numa clara referencia a Michelle Bachelet, que completou os estudos naquele país durante o exílio.

Para Larraín, “o mais insuportável na política desse grupo é que eles se apresentam como vítimas. Nós também tivemos nossas vítimas. Eles não têm este monopólio”, disse, em relação à condenação das violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura. “É preciso lembrar que, em 1965, foi o Partido Socialista que declarou no seu congresso que ia a chegar ao poder pelas armas”, alega.

Veja a defesa que Piñera fez de Augusto Pinochet num comício de 1998:

Apesar de ver com desagrado a reivindicação de distância de Piñera, os setores mais ortodoxos da legenda decidiram dessa vez fazer campanha, ocultando as profundas discrepâncias dentro dos conservadores. “Mas, se Piñera se eleger, estas tensões vão voltar na hora, especialmente entre Renovação Nacional e a União Democrata Independente, bem mais à direita”, analisa Santiago Escobar.

“Não há dúvidas de que Piñera é um político singular na tradicional direita chilena, acho que ele é genuinamente liberal nos valores. Mas acho também que é o único assim de toda a sua coligação”, confirma Marta Lagos, diretora do instituto de pesquisas Latinobarómetro.

Para ela, a direita chilena não tem um discurso econômico, como em outros paises. “O que une a direita chilena são os valores, a idéia de que há pessoas bem nascidas e outras mal nascidas, e que as primeiras podem mandar sobre as segundas”, explica.

Bilionário tenta levar direita ao poder no Chile pela primeira vez após Pinochet

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