Segundo o relatório mundial de 2024 da Repórteres sem Fronteiras (RSF), o governo do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva está normalizando as relações entre os órgãos estatais e a imprensa no país, depois do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas a violência estrutural contra jornalistas, um cenário marcado por um alto grau de concentração do setor privado e o peso da desinformação são desafios para a liberdade de imprensa no Brasil.
Apesar de o Brasil ter subido 10 posições no ranking mundial da RSF, em escala global a situação não é boa: a liberdade de imprensa está sendo ameaçada pelas autoridades políticas, que deveriam garanti-las, segundo os especialistas.
Dos cinco indicadores que compõem a pontuação de um país, o indicador político é o que sofreu a maior queda em 2024, de 7,6 pontos. Essas são as conclusões da edição 2024 do Índice Mundial de Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Ainda pelo mesmo índice, o cenário da mídia brasileira é caracterizado por um alto grau de concentração do setor privado, com uma relação “quase promíscua” entre os poderes político, econômico e religioso no Brasil. O mercado é “compartilhado por dez grupos econômicos principais, cada um deles produto de outras tantas famílias”, sendo os cinco maiores Globo, Record, SBT, Bandeirantes e Folha de S. Paulo.
“A independência editorial da mídia regional e local é seriamente comprometida pela publicidade do governo”, diz ainda o relatório, que afirma que a mídia pública brasileira tem um orçamento relativamente frágil e está sujeita a tentativas de interferência editorial por parte do Estado.
“Diante da falta de regulamentações que favoreçam um cenário de mídia mais democrático, o Brasil tem uma necessidade crescente de novas leis para garantir a existência de um jornalismo independente e sustentável na esfera pública digital”, diz o relatório da RSF.
A “turbulência bolsonarista”
“O Brasil passou por um período de grande turbulência política durante a transição de poder, com uma tentativa de ruptura democrática liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores entre o final de 2022 e o início de 2023”, diz a RSF.
A ONG constatou que a imprensa foi um dos principais alvos do governo Bolsonaro, que promoveu um ambiente de hostilidade permanente contra ela.
Com a chegada do governo Lula, as relações entre os órgãos estatais e a imprensa foram normalizadas como parte de um processo de estabilização da ordem democrática. O discurso público em favor do jornalismo, o cumprimento dos compromissos públicos de transparência e os avanços concretos do governo na defesa da liberdade de imprensa tiveram um impacto tangível sobre os jornalistas, publica a organização.
A RSF considera que “a retórica agressiva adotada pelo governo de Jair Bolsonaro em relação aos jornalistas e à mídia nos últimos quatro anos ajudou a reforçar a hostilidade e a desconfiança na sociedade” e que “a extensão em que a desinformação se instalou no país continua a envenenar o debate público.
O Brasil continua altamente polarizado, e os ataques à imprensa, que se tornaram comuns nas mídias sociais, abriram caminho para ataques físicos recorrentes a jornalistas, principalmente durante as eleições de 2022 e os tumultos em Brasília em 8 de janeiro de 2023”, publica.
Brasil é segundo país mais perigoso da região para jornalistas
“Na última década, pelo menos 30 jornalistas foram assassinados no Brasil, o segundo país mais perigoso da região para jornalistas nesse período. Blogueiros, apresentadores de rádio e jornalistas autônomos que trabalham em municípios de pequeno e médio porte, cobrindo corrupção e política local, são os mais vulneráveis”, lembra a Repórteres sem Fronteiras.
O assédio e a violência on-line contra jornalistas, especialmente mulheres, estão aumentando no Brasil segundo o relatório: em 2022, pelo menos três assassinatos foram diretamente ligados à prática do jornalismo, incluindo o do repórter britânico Dom Phillips, morto na Amazônia durante uma investigação sobre crimes ambientais cometidos em terras indígenas.