Notícia quente: os organizadores da Olimpíada de Inverno na cidade “tropical” de Vancouver, no Canadá, foram obrigados a importar neve – com dinheiro público – para garantir que a edição de 2010 corresse como planejado. O uso dos dólares do contribuinte canadense é apenas mais um de uma série de motivos da irritação crescente dos moradores da cidade. E, ao contrário da neve, a raiva não dá sinais de diminuir.
“Com inúmeros custos extras e medidas de emergência para salvar os projetos olímpicos, não surpreende que uma pesquisa da Angus Reid tenha mostrado, em novembro de 2009, que mais de 30% dos moradores (da Colúmbia Britânica) acham que a Olimpíada terá um impacto negativo e quase 40% apoiam os ativistas contrários ao evento. Uma pesquisa EKOS de janeiro de 2010 mostrou que quase 70% acreditam que os gastos com os jogos são excessivos”, escreveu a ativista Harsha Walia, da Rede de Resistência Olímpica, no jornal Vancouver Sun.
As autoridades sentem a indignação e quem está pagando o preço, assustadoramente, é a mídia independente. Enquanto a jornalista Amy Goodman, da Democracy Now, era detida em novembro por tentar cruzar a fronteira por razões que nada tinham a ver com os Jogos Olímpicos, o repórter Martin Macias Jr., da imprensa independente de Chicago, foi mantido sob custódia por sete horas por agentes da Guarda de Fronteira do Canadá antes de ser colocado num avião rumo a Seattle. Macias, de 20 anos, é um ativista pró-reforma da mídia que trabalha na emissora comunitária Radio Arte, onde apresenta e produz o noticiário popular First Voice.
Conversei com Martin Macias hoje e ele descreveu uma história deprimente de detenção e expulsão. “Fizeram-me as mesmas perguntas por três horas e meia em uma pequena sala. Disseram que eu não tinha direito a um advogado. Passei da frustração à raiva e ao medo. Não sabia quais eram as leis ou como elas haviam sido alteradas para a Olimpíada. Fiquei repetindo que não iria a Vancouver para protestar, e sim para cobrir os protestos, mas para eles era a mesma coisa.”
As autoridades não apenas deportaram Macias, mas insistiram que ele pagasse a viagem de volta. “Eles queriam que eu comprasse uma passagem de avião de 1.300 dólares para Chicago. Eu disse: 'De jeito nenhum'. E agora estou em Seattle”, relata.
No entanto, o jornalista enfatiza que a questão não se resume ao seu episódio pessoal, mas é “maior”. “Precisamos perguntar quem exatamente está ordenando esse tipo de repressão. É o governo? O Comitê Olímpico Internacional? Por que a repressão?”, questiona Macias.
E a história de Martin Macias não é única. Dois delegados que pretendiam assistir a uma assembleia indígena realizada paralelamente aos Jogos também foram detidos e expulsos.
Para pessoas com um conhecimento apenas superficial do país mais setentrional do continente, tudo pode parecer chocante. Quando pensamos em abusos dos direitos humanos e supressão da dissidência, o Canadá não é o primeiro lugar que vem à mente. Mas a verdade é que existe uma longa história desse tipo de abuso da força no país.
O capítulo mais recente dessa história foi escrito durante a campanha de repressão pré-olímpica de 2010. Agora que manifestantes e jornalistas independentes e não comprometidos se reuniram para a convergência anti-olímpica de 10 a 15 de fevereiro, enquanto os dólares do contribuinte canadense são gastos com a importação de neve, a necessidade de silenciar a dissidência torna-se um imperativo para o Comitê Olímpico Internacional.
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Como me disse Bob Quellos, de Chicago, que conseguiu entrar em Vancouver depois de acompanhar Macias: “Na rua, vemos que os moradores têm certeza de quem é responsável pelos bilhões de dólares da dívida olímpica que eles pagarão ao longo de gerações. Eles estão indignados com o fato de os mais de 1 bilhão de dólares gastos em segurança terem servido para colocar policiais em quase todas as esquinas do centro de Vancouver. E estão revoltados com as prioridades do governo. Por exemplo, enquanto o leste da região central de Vancouver enfrenta uma pobreza similar à de países subdesenvolvidos e os programas sociais continuam sendo cortados, o Comitê Organizador de Vancouver gasta uma verba imensa levando neve de helicóptero até a montanha Cypress, que de outro modo seria um monte de lama por causa do tempo quente”.
Não é difícil deduzir por que a neve está derretendo: é a temperatura pegando fogo nas ruas.
*Texto originalmente publicado na revista The Nation.
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