Na contramão da maioria dos países da América Latina, o Panamá deve eleger na eleição deste domingo (3) um presidente de direita: Roberto Martinelli, do partido da oposição, Câmbio Democrático (CD). Com 51% das intenções de voto, o rico empresário do ramo de supermercados subiu nas pesquisas após promover uma campanha de cunho popular que tinha como slogan a “mudança”.
A atual gestão, sob comando de Martin Torrijos, do Partido Revolucionário Democrático (PRD) e representada nesta eleição por Balbina Herrera (35% das intenções de voto), tem sido criticada por agir pouco em questões determinantes como violência, pobreza e corrupção. Além disso, o principal partido da oposição, o Panameñista, não conseguiu capitalizar os votos dos descontentes, pois teve a aliança com o Movimento Liberal Republicano Nacionalista (Molinera), outro partido oposicionista, desmanchada logo no início da campanha. O CD se viu com o caminho livre para atuar.
De acordo com o cientista político panamenho Edwin Cabrera, diretor de serviços informativos da rádio WU Panamá, a população se sente frustrada. “Além dos velhos problemas, como a desigualdade social, há o temor da violência e da crise econômica. Martinelli conseguiu construir um discurso dizendo que o PRD é mais do mesmo, que continua com a tradicional política panamenha”.
A desorganização, segundo Cabrera, marcou a gestão do PRD. Ele cita como exemplo um episódio que considera emblemático. O embaixador panamenho para a União Europeia (o irmão de Balbina Herrera) perdeu acesso preferencial aos mercados europeus para a produção agrícola, pois se esqueceu de entregar a documentação no prazo.
Tentando recuperar os votos perdidos, Balbina Herrera, além de prometer um “recomeço”, procurou atrelar-se nas últimas semanas de campanha aos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Michele Bachelet, do Chile, afirmando que ambos souberam “reunir setor privado e público em uma mesma gestão e equilibraram os setores sociais”. A candidata se afastou do presidente venezuelano, Hugo Chávez, bastante criticado pela oposição.
Ricardo Martinelli, o candidato favorito, durante entrevista coletiva; foto: Alejandro Bolívar/EFE
Violência
Nos últimos anos, o Panamá, que possui 3,3 milhões de habitantes, viu o índice de assassinatos crescer rapidamente, de 444 em 2007 para 593 em 2008. Segundo uma pesquisa disponibilizada pela agência de notícias AFP, 47% dos panamenhos apontam a insegurança como a maior preocupação nessas eleições.
O país se tornou, por sua formação geográfica, um importante ponto da rota do narcotráfico sul-americano em direção aos Estados Unidos e com isso, os casos de violência motivados pelo tráfico cresceram. “Cerca de 40% dos homicídios têm relação com o narcotráfico e as brigas entre gangues”, afirmou à AFP Rodrigo Cigarruista, vice-ministro de Segurança Pública.
A falta de credibilidade do Judiciário entre os panamenhos aumenta o sentimento de insegurança. “Não é que as leis sejam fracas. O problema é que poucos são presos pelos crimes e também em casos de crimes financeiros, os culpados nunca chegam aos tribunais”, afirma Cabrera.
Ambos os candidatos apostam em uma política linha-dura para combater a violência. Balbina Herrera assegurou na campanha que durante os 100 primeiros dias de governo, se eleita, sua principal medida será “combater a delinqüência, utilizando mãos-de-ferro, com disciplina militar”. Ela também prometeu construir mais prisões.
De acordo com o assessor de campanha de Martinelli, Frank de Lima, o candidato implementará o programa “Calle segura”, com foco na repressão dos crimes e reabilitação dos criminosos, e estuda a possibilidade de julgar menores infratores como adultos. “A maioria dos delinquentes tem menos de 18 anos”, explica.
Cartaz de campanha da candidata governista Balbina Herrera, na Cidade do Panamá; foto: Jeffrey Arguedas/EFE
Economia
A fortemente dolarizada economia do Panamá apóia-se num desenvolvido setor de serviços, que responde por três quartos do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio). Os serviços estão associados à operação do Canal do Panamá, cujo controle total passou ao país em 1999 – após 10 anos de domínio norte-americano –, e também ao setor bancário e à zona de livre comércio de Colón (província panamenha).
Segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), o país não ficou imune à crise, mas tampouco deve apresentar recessão. Segundo comunicado emitido esta semana, a economia panamenha crescerá 4,5% em 2009, contra 11,5% em 2007 e 9,2% em 2008.
Cerca de 5% da população estava desempregada em 2008 e neste ano, a porcentagem deve diminuir. Mais de 40% dos trabalhadores estão no setor informal da economia, segundo a Cepal. 30% dos habitantes vivem na pobreza, sendo 17% na pobreza extrema. São deficientes os serviços de transporte, educação e saúde. 40% dos panamenhos mais pobres concentram 10% da riqueza, enquanto os 10% mais ricos têm 38,6%.
“Década perdida”
Segundo Martinelli, sua eleição pode incentivar a adesão do empresariado à política na região e, dessa forma, produzir uma força contrária aos governos de esquerda. “Minha vitória dará subterfúgios para a consciência de todos os empresários latino-americanos, para que sejam parte integral do setor político, para que nossos países mudem e não haja uma nova década perdida”, afirmou.
O político prometeu que, se eleito, vai retirar o Panamá do Parlamento Centro-Americano (Parlacen) e se focar na análise de tratados de livre-comércio (TLC) com países como China e Taiwan.
Segundo a Autoridade do Canal do Panamá – órgão que administra o local –, a China é o segundo país que mais passa cargas pela divisão marítima, perdendo somente para a União Européia. Foram mais de 43 milhões de toneladas de produtos durante o ano fiscal de 2008 (outubro de 2007 a setembro de 2008). Atualmente, o Panamá espera a aprovação de um TLC com os Estados Unidos, proposto ainda na administração de George W. Bush (o filho).
“O Panamá tem dificuldades para firmar acordos em bloco com outros países da região, principalmente com os da América Central, porque nossa economia é muito diferente, atrelada aos serviços. A deles é basicamente agrícola”, explica Cabrera.
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