A Itália retomou hoje (27) a ofensiva no caso Cesare Battisti. O governo decidiu convocar para consultas seu embaixador no Brasil, Michele Valensise, após saber que a Procuradoria-Geral da República pediu a extinção do processo de extradição e a libertação do preso. A partir daí, integrantes do governo Silvio Berlusconi fizeram uma série de manifestações. Falou-se em retaliar o Brasil no G-8 e até cancelar um jogo de futebol entre as duas seleções. O Itamaraty contemporizou.
Cesare Battisti é um escritor e militante italiano que, nos anos 70, integrou uma guerrilha chamada PAC (Proletários Armados para o Comunismo). Por conta de assassinatos que nega ter cometido, foi condenado à prisão perpétua na Itália, onde é considerado terrorista. Desde então, tem buscado refúgio no exterior. O último paradeiro foi o Brasil, onde chegou em 2004 e está preso desde 2007. No último dia 13, ganhou do Ministério da Justiça status de refugiado político, o que gerou fortes protestos na Itália.
Desde então, o assunto ganhou as mesas de discussão nas três esferas do poder em Brasília. No Legislativo, as opiniões dividiram-se basicamente de acordo com a coloração ideológica. No Executivo, a decisão foi defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, disse que o ministro Tarso Genro tomou uma decisão isolada – a Corte ainda não atendeu ao pedido de relaxamento de prisão de Battisti, detido na penitenciária da Papuda, em Brasília.
A última novidade desse jogo jurídico é o parecer encaminhado ontem à noite pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, ao Supremo. Para ele, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito e Battisti deve ser solto. Argumento: esse tipo de questão deve ser decidida pelo governo, com base no artigo 33 da Lei nº 9.474/97 (leia a íntegra). Quer dizer, se o Ministério da Justiça já deu o refúgio, não cabe a extradição. No entanto, o procurador faz a ressalva de que se o STF decidir julgar o mérito, o pedido de extradição deve ser considerado procedente.
Ao saber disso, o Ministério do Exterior da Itália consultou o primeiro-ministro Silvio Berlusconi e resolveu chamar seu embaixador de volta a Roma, alegando que foi tomada uma “grave decisão” por parte do governo brasileiro e, em especial, do procurador-geral.
A partir daí, começaram as críticas. O ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, chamou de “inaceitável” a decisão de Antonio Fernando de Souza e disse que esperava uma “reflexão mais aprofundada”. Em conversa com o chanceler brasileiro Celso Amorim, ontem à noite, revelou “forte expectativa” de que haja uma última instância institucional que possa decidir pela extradição, segundo nota da chancelaria, conhecida na Itália como Farnesina, nome do palácio que hospeda a sede do Ministério das Relações Exteriores.
O ministro do Interior, Roberto Maroni, sugeriu uma represália no âmbito do G-8, grupo dos oito países mais industrializados do mundo – do qual o Brasil não faz parte, mas é constantemente convidado a participar. “Espero que o presidente Berlusconi [na verdade, ele é presidente do Conselho, ou seja, primeiro-ministro] e o governo italiano avaliem o que fazer por ocasião da próxima reunião do G-8”, afirmou num programa de televisão. “Não cabe a mim tomar uma decisão, mas fazer acordos com um país que considera a Itália um lugar onde os condenados correm o risco de serem mortos ou torturados…”
O ex-ministro das Relações Exteriores, Massimo D’Alema, discorda. Num programa de tevê, disse que a reação correta não é estremecer as relações com o Brasil, “país com o qual temos ótimas relações, onde vivem 24 milhões de filhos de italianos”. D’Alema, no entanto, considera que o governo brasileiro cometeu um “erro grave”, porque Battisti é uma pessoa que “não merecia o status de refugiado”.
A bola não pode parar
O caso adquiriu tal proporção que o subsecretário de Exteriores, Alfredo Mantica, chegou a pedir o cancelamento do amistoso marcado para 10 de fevereiro, em Londres. O governo italiano, no entanto, disse que não vai tentar impedir a realização da partida. “Os assuntos políticos ou diplomáticos, por mais que sejam relevantes e significativos, não devem comprometer a realização de eventos esportivos”, disse em nota o subsecretário de Esportes, Rocco Crimi.
O Itamaraty avaliou que a convocação do embaixador Michele Valensise representa um “instrumento de decisão diplomática comum” entre países. E fez uma comparação com o período de relações conturbadas enfrentado por Brasil e Equador no ano passado, quando o governo brasileiro também convocou seu embaixador para consultas. Na ocasião, havia desentendimentos por conta de obras da empreiteira Odebrecht no país vizinho.
O advogado de Cesare Battisti, Luiz Eduardo Greenhalgh, disse à Agência Brasil, que a Itália erra ao insistir na extradição de seu cliente. “Há uma pressão desmedida, desproporcional e ofensiva do governo italiano sobre as autoridades brasileiras. A Constituição diz que não se dará extradição baseada em motivos políticos”.
Greenhalgh disse que esteve hoje com Battisti. “Ele está doente, com hepatite B. Acho que está há 12 dias preso sob constrangimento”, afirmou, referindo-se ao tempo que se passou desde a decisão favorável ao refúgio político. Leia entrevista do advogado ao Opera Mundi.
O Supremo só deve se pronunciar sobre o parecer da Procuradoria-Geral da República no dia 2, na volta do recesso de fim de ano.
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