O governo e o exército do Sri Lanka anunciaram hoje (15) o início da “fase final” da operação contra a guerrilha separatista Tigres de Libertação da Pátria Tâmil (TLPT) no nordeste do país, que já dura três meses e deixou 6 mil mortos. A idéia é atacar com força total as bases rebeldes nas próximas 48 horas.
Cerca de 50 mil civis estão encurralados no local do confronto, uma faixa de terra de 3,5 quilômetros de extensão, sob fogo cruzado das tropas governamentais e dos rebeldes. A Cruz Vermelha Internacional, único órgão atuando no resgate e assistência dos feridos, alertou que a zona de combate pode ser descrita como uma “inimaginável catástrofe humanitária”.
Foto divulgada pelo exército mostra reféns civis que supostamente escaparam da guerrilha cruzando lagoa em Mullaitivu, 414 quilômetros a nordeste da capital Colombo
A escalada da violência ao longo dos meses de ataques, principalmente no último final de semana, provocou reações ao redor do mundo. Domingo foi registrado o maior número de vítimas: 380 pessoas morreram, dentre elas mais de 100 crianças, e cerca de 800 ficaram feridas em nova ofensiva do governo. Na segunda-feira, a ONU (Organização das Nações Unidas) denunciou que há um “banho de sangue” no país. Hoje, alertou que a ajuda alimentícia não consegue chegar à região há duas semanas.
Quarta-feira, o Conselho de Segurança da ONU emitiu comunicado pedindo ao governo que cumpra o compromisso de parar de bombardear com artilharia pesada o reduto dos rebeldes. No mesmo dia, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se pronunciou sobre o conflito pela primeira vez e pediu que as vidas dos civis sejam preservadas.
“Os pronunciamentos da ONU e dos Estados Unidos não foram suficiente para pressionar o governo do país a diminuir os ataques e salvar os civis”, disse ao Opera Mundi Charu Latta Hogg, especialista em Ásia da Chatham House, em Londres.
“China e Rússia são contra uma intervenção no país, dizem que a guerra é um problema interno, enquanto o Reino Unido e a França são a favor”, afirma Hogg, citando os quatro membros do Conselho de Segurança, além dos Estados Unidos. Dessa forma, o órgão da ONU se limitou a emitir o comunicado.
“Os separatistas estão lutando em um pequeno espaço de terra, perderam quase todas as posições. A intenção do governo é acabar com o grupo, mas não será fácil. O TLPT tem formação política também, apesar de não fazer parte do governo cingalês, e somente uma parte do poderio militar está concentrada na faixa de terra ao nordeste”, analisa a especialista.
“Ambos os lados se mostram irredutíveis, principalmente o governo, que se recusou a um cessar-fogo até agora. O governo não quer salvar os civis”, afirma.
A Human Rights Watch denunciou o governo por usar artilharia pesada na região. A organização divulgou mapas de satélite que mostram crateras na área onde os civis estão (veja abaixo o mapa e uma foto, divulgada pelo exército cingalês há dois dias, de um lançador de foguetes apreendido junto aos rebeldes).
“Os dois lados estão violando regras de guerra. O governo atinge as áreas onde os civis estão com armamento pesado e os rebeldes, por outro lado, usam as pessoas como ‘escudos humanos’, impedindo que deixem a região, e usam crianças como soldados”, acusa a representante da ONG em Nova York, Anna Neistat. “É preciso formar ‘corredores humanitários’ e permitir a entrada de ajuda urgentemente”.
Pouca informação
A falta de divulgação sobre o que se passa no Sri Lanka é em parte motivada pela ausência de jornalistas no local, afirma Charu Latta Hogg. O governo proibiu a entrada de qualquer repórter na zona de conflito, afirmando que não pode garantir a segurança dos profissionais. “Só quando aqueles civis que saem do ponto de tensão e os representantes da Cruz Vermelha falam, é que podemos perceber a gravidade”.
Em entrevista à BBC em abril, logo após escapar do cerco aos rebeldes, uma jovem de 27 anos relatou os momentos de terror que viveu.
“Estávamos descansando perto do hospital de Puttumatalan (norte do Sri Lanka), depois de fugir da nossa vila. No dia 20 de abril, houve um intenso bombardeio. Eu pensei: ‘Não irei sobreviver’. Ouvimos as bombas caindo de madrugada até a manhã. Durante esse tempo, nos escondemos em um bunker. Cerca de seis horas da manhã, quando saí do abrigo, vi algumas pessoas correndo desesperadas e me juntei a elas. Logo minha perna e meus braços foram atingidos e meu marido teve a cabeça alvejada. Ele está bem, mas a bala continua presa. Foi difícil, mas pelo menos conseguimos fugir da área controlada pelo TLPT. Minha mãe e meu irmão fugiram conosco, mas agora não sei onde estão. Não tenho roupas, comida, nada”.
Histórico
O cenário vivido hoje começou a se delinear em 2006, apesar de o conflito entre governo e rebeldes separatistas datar dos anos 1980, explica a analista da Chatham House. “O governo atual, eleito há três anos, já começou o mandato [de seis anos] com uma agenda militar. A guerra total contra os rebeldes foi decretada assim que o presidente [Mahinda Rajapaksa] subiu ao poder”.
Desde 1983, o Sri Lanka vive uma situação de guerra civil, protagonizada pelo governo e pelos Tigres, uma organização armada que luta pela criação de um estado independente, que seria chamado de Tamil Eelam, localizado ao norte e ao leste da ilha do Sri Lanka.
Os tâmeis são uma etnia minoritária no país – 13,9% da população total, de 20,2 milhões de habitantes. Os cingaleses são maioria (73,8%).
“A TLPT possui um desenvolvido corpo militar, inclusive controlava cidades a nordeste do país”, explica Hogg. Segundo ela, os rebeldes são conhecidos por seqüestrar e assassinar altas figuras governamentais do Sri Lanka e por recrutar crianças para servir como soldados. “Eles inventaram o cinto-bomba e são pioneiros em ataques suicidas”, conta. O primeiro ataque suicida executado pelo grupo foi em 1991. Por esses fatores, são listados como grupo terrorista por 32 países, incluindo os Estados Unidos.
Após duas décadas de luta e três tentativas frustradas de negociações de paz, incluindo a intervenção do exército indiano através de uma força pela manutenção da paz, sem sucesso, entre 1987 e 1990, uma longa negociação sobre a solução do conflito começou a parecer possível quando um cessar-fogo foi declarado em dezembro de 2001, e quando um acordo de cessar-fogo foi assinado com mediação internacional em 2002.
No entanto, as hostilidades recomeçaram no final de 2005 e o conflito começou a se agravar até que o governo do Sri Lanka lançou várias ofensivas militares contra os Tigres, a partir de julho de 2006.
Segundo informações da BBC, a guerra civil no Sri Lanka matou até hoje mais de 70 mil pessoas.
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